Donald Trump, presidente dos EUA, durante entrevista coletiva na Escócia, nesta segunda, 28 de julho (Christopher Furlong/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 29 de julho de 2025 às 06h00.
Última atualização em 29 de julho de 2025 às 06h49.
As negociações sobre as tarifas comerciais entre Brasil e Estados Unidos ocorrem há semanas nos bastidores, por canais diversos, mas a situação é de impasse. Enquanto o dia 1º de agosto, data prevista para o início das taxas de 50% sobre mercadorias, se aproxima, as autoridades brasileiras admitem em público as dificuldades para conseguir conversar com o governo de Donald Trump.
O governo federal tem procurado as autoridades americanas para negociar em nome do Brasil. O presidente Lula indicou o vice-presidente Geraldo Alckmin para chefiar a equipe que busca uma saída diplomática, mas admitiu que as conversas enfrentam dificuldades.
"Todo dia ele [Alckmin] liga para alguém e ninguém quer conversar com ele", afirmou Lula, em um discurso na sexta-feira, 25.
Nesta segunda, 28, o senador Jacques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, também apontou um cenário desafiador. “Eu acho que não [é possível adiar as tarifas]. O que a gente está fazendo é a diplomacia parlamentar. É preciso que os governos se entendam. A gente está aqui para contribuir”, afirmou, em conversa com jornalistas em Washington.
Wagner integra uma comitiva de senadores brasileiros que viajou aos EUA nesta semana para tentar ajudar nas negociações. Eles se juntam a vários grupos que estão tentando avançar as conversas com os americanos.
É comum que as negociações diplomáticas entre dois países ocorram por vários canais, com respeito à hierarquia. De modo geral, as conversas ocorrem entre cargos de mesma estatura: secretários falam com secretários, ministros com ministros e presidentes com presidentes.
Neste modelo, os profissionais de cargos de escalões inferiores buscam alinhar possíveis acordos ao longo de várias rodadas de conversas, em que negociam concessões. Esses acordos depois serão fechados e anunciados pelos presidentes.
Lula e Trump, no entanto, nunca conversaram oficialmente desde que o americano tomou posse, em janeiro.
O líder brasileiro disse estar disposto a falar com o republicano, mas até a publicação desta reportagem, não havia indicativo de que os dois teriam algum contato direto.
Do lado brasileiro, o vice-presidente Geraldo Alckmin chefia as negociações. Ele também é ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que tem a função de ampliar e regular as vendas de produtos brasileiros no exterior.
O MDIC tem buscado contatos com Departamentos (equivalentes a ministérios) dos Estados Unidos, como o Departamento do Tesouro e o Escritório do Representante de Comércio (USTR), ligado à Presidência dos EUA, que realizará a investigação pedida por Trump para apurar supostas práticas desleais do comércio brasileiro.
Lula e Alckmin: governo pode negociar com os EUA (Foto de EVARISTO SA / AFP) (Evaristo Sá/AFP)
Além disso, o governo brasileiro conta com a estrutura do Ministério de Relações Exteriores, conhecido como Itamaraty.
O ministério coordena as relações do Brasil com outros países e chefia a embaixada e os consulados do Brasil nos Estados Unidos.
Nesta semana, o ministro Mauro Vieira, que chefia o Itamaraty, viajou aos EUA para uma reunião da ONU em Nova York e também poderá falar com autoridades do governo americano.
O Itamaraty tem, ainda, dois canais principais. Um deles é a embaixada do Brasil em Washington, que busca contato direto com o Departamento de Estado (setor que chefia a diplomacia dos EUA) e a Casa Branca. A embaixadora brasileira nos EUA é a diplomata Maria Luiza Viotti.
Do outro lado, em Brasília, autoridades do Itamaraty conversam com a embaixada dos EUA, mas há um entrave: Trump não nomeou um embaixador para o Brasil, e a representação é chefiada por um encarregado de negócios, Gabriel Escobar, que atua como um embaixador interino.
A falta de um embaixador oficial dificulta as negociações, pois Escobar tem menos poder para negociar em nome do governo americano.
Além disso, governadores e senadores buscam negociar com os EUA de forma paralela. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, teve uma reunião com Escobar no dia 11 de julho e prometeu abrir um diálogo envolvendo as empresas paulistas que exportam aos EUA.
Nesta semana, uma comitiva de senadores brasileiros foi a Washington se encontrar com parlamentares e outras autoridades americanas.
Os deputados e senadores de lá não têm poder direto para definir o rumo das tarifas, mas podem fazer pressão sobre Trump nos bastidores.
Ao mesmo tempo, entidades empresariais do Brasil e dos EUA têm se articulado para tentar ajudar a avançar as negociações.
Empresários americanos podem conversar com autoridades norte-americanas para tentar reduzir os impactos das novas taxas.
Tarcísio de Freitas: governador de São Paulo teve reunião com chefe da embaixada dos EUA (Celso Silva / Governo do Estado de SP/Flickr)
Embora haja atores de diversos segmentos envolvidos nas conversas, apenas autoridades do governo federal podem fechar acordos com o governo americano em nome do Brasil.
Assim, para adotar mudanças que valham para o país todo, como uma abertura de mercado ou redução de tarifas para os EUA, o documento precisa ser assinado por autoridades de Brasília. O governo federal controla o acesso de mercadorias ao Brasil, por meio da Receita Federal.
Além disso, o Brasil também segue as regras do Mercosul. Assim, os países do bloco precisam cobrar as mesmas tarifas de exportação de outros países.
Ou seja: se o Brasil decidir reduzir tarifas aos EUA, precisaria também entrar em acordo com Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia para que eles agissem da mesma forma.
Ao mesmo tempo, os estados poderiam oferecer vantagens pontuais a empresas estrangeiras, como facilidades burocráticas ou isenções de impostos locais.
Em outros acordos comerciais fechados pelo governo Trump, países e blocos como a União Europeia se comprometeram a reduzir barreiras comerciais, abrir mercados para produtos dos EUA, comprar mais produtos americanos e investir no país. Essas opções podem ser colocadas na mesa de negociação pelo Brasil.
Os países europeus, por exemplo, disseram que vão comprar US$ 750 bilhões em produtos de energia dos EUA e investir US$ 600 bilhões no país até 2028, entre outras medidas. Com isso, conseguiram baixar a tarifa americana para 15%.
No entanto, Trump disse que a taxa extra ao Brasil tem ligação com os processos judiciais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. O presidente americano defende que as ações sejam encerradas.
O governo brasileiro decidiu que este tema não é negociável, pois a Justiça brasileira tem independência.
Acatar uma ordem de um líder estrangeiro sobre processos no Judiciário seria um desrespeito à soberania do Brasil, ou seja, o direito do país de decidir sobre seus assuntos internos sem interferência externa.
Com a aproximação do prazo, há também a possibilidade de que o Brasil busque negociar isenções pontuais, para itens como café e suco de laranja, comprados em grande quantidade pelos americanos.