Premier de Israel, Benjamin Netanyahu, durante visita ao Capitólio, em Washington (Oliver Contreras/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 31 de março de 2025 às 14h42.
Última atualização em 31 de março de 2025 às 14h51.
Duas semanas após o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pedir a destituição do chefe da agência de segurança interna do Estado judeu (Shin Bet) — uma decisão polêmica que gerou acusações sobre busca por controle político e ampliou o embate do governo com a Suprema Corte —, o líder israelense anunciou a nomeação de Eli Sharvit, ex-comandante da Marinha, como sucessor para o cargo de alto nível.
A declaração foi feita apesar das petições apresentadas na Justiça contra a demissão do atual chefe do órgão, Ronen Bar, e ocorreu no mesmo dia em que dois assessores de Netanyahu foram presos por suspeita de corrupção em contato com o Catar.
Poucos dias depois de Netanyahu anunciar a destituição de Bar, o Supremo Tribunal de Justiça do país interveio e suspendeu sua demissão até que a Suprema Corte consiga realizar, em 8 de abril, uma audiência sobre a legalidade da medida. Em uma aparente tentativa de evitar mais uma crise constitucional, o porta-voz do primeiro-ministro, Omer Dostri, afirmou que a posse de Sharvit será adiada até que a sessão do tribunal ocorra. A nomeação dele, porém, ainda precisa da aprovação completa do Gabinete e da validação por uma comissão de integridade pública.
Sharvit serviu por 36 anos nas Forças Armadas de Israel, cinco deles como comandante da Marinha. Em 30 de dezembro de 2022, um dia após a posse do atual governo de Netanyahu, ele assinou uma carta, juntamente com 622 reservistas da Marinha israelense, endereçada à então presidente da Suprema Corte, Esther Hayut, e à procuradora-geral, alertando sobre os riscos da administração à democracia do país. Ele também criticou as políticas ambientais de Donald Trump e, há dois meses, escreveu que o republicano, um forte aliado do premier, estava “empurrando o planeta para a ruína”, publicou o Haaretz.
O ministro do Patrimônio israelense, Amichai Eliyahu, um dos membros mais à direita da coalizão de Netanyahu, se opôs à nomeação e afirmou que Sharvit, assim como Bar, compartilha da opinião dos manifestantes contrários ao governo e “não resolverá o problema”. O líder da oposição, Benny Gantz, por sua vez, elogiou a experiência de Sharvit, mas afirmou ser evidente que o primeiro-ministro “decidiu continuar sua campanha contra o Judiciário e levar Israel a uma perigosa crise constitucional”. Especialistas jurídicos indicam, porém, que esse limite ainda não foi ultrapassado, já que a nomeação não foi confirmada.
"Ao anunciar alguém que conta com amplo consenso, a preocupação de que o premier nomearia apenas um aliado político se dissipou", disse Amichai Cohen, pesquisador do Instituto Israelense para a Democracia e especialista em direito constitucional, acrescentando que Sharvi não parece ser “incondicionalmente leal” a Netanyahu, como alguns temiam.
A tentativa de Netanyahu de destituir Bar, no entanto, é apenas mais um passo dentro de uma série de medidas do líder israelense para ampliar seu poder e reduzir a influência do Judiciário e das forças de segurança. Na semana passada, sua coalizão governista aprovou no Parlamento uma lei que dá aos políticos mais controle sobre a nomeação dos juízes da Suprema Corte, e no início de março o Gabinete iniciou o processo para demitir a procuradora-geral Gali Baharav-Miara, que irritou Netanyahu ao questionar a legalidade de algumas decisões de seu governo, incluindo a de destituir o chefe do Shin Bet.
Para Netanyahu e seus aliados, essas medidas fortalecem a democracia israelense ao conceder mais controle aos representantes eleitos. Já para seus opositores, são tentativas de blindar políticos contra investigações e responsabilizações, colocando Israel no caminho do autoritarismo. Críticos também argumentam que a destituição de Baharav-Miara, que é responsável pelo processo de corrupção contra Netanyahu, seria uma tentativa de minar o julgamento. O premier nega tanto as acusações de corrupção quanto a alegação de que busca enfraquecer a Justiça.
A polêmica em torno de Bar reflete essa divisão, já que ele foi afastado após iniciar investigações criminais contra assessores do premier. Desde o ano passado, o Shin Bet investiga se membros do Gabinete vazaram informações confidenciais para um jornal estrangeiro e receberam pagamentos ligados ao governo do Catar. Como parte da investigação, nesta segunda os assessores Yonatan Urich e Eli Feldstein foram presos. Eles são suspeitos de contato com agente estrangeiro, recebimento de suborno, fraude, abuso de confiança e lavagem de dinheiro.
Netanyahu também foi convocado nesta segunda-feira a depor no caso, e seu depoimento foi encerrado mais cedo do que o habitual, após uma audiência a portas fechadas realizada a pedido de seus advogados de defesa. Segundo o jornal israelense Haaretz, outro suspeito, considerado peça central no caso, também é interrogado nesta segunda, e a polícia coletou o depoimento de um jornalista que teve relações profissionais com Eli Feldstein enquanto ele atuava como porta-voz do premier.
Em novembro, o Haaretz revelou que Urich e Einhorn comandaram uma campanha de relações públicas para melhorar a imagem do Catar antes da Copa do Mundo de 2022. A empresa deles, Perception, teria feito uma parceria com outra firma israelense para apresentar o Catar, então o principal financiador do Hamas, como uma força de paz e estabilidade. Tanto Urich quanto a Perception negaram as alegações. Em fevereiro, o Channel 12 publicou que Feldstein teria interagido com jornalistas para melhorar a imagem do Catar durante as negociações para a libertação de reféns. No mesmo mês, a procuradora-geral israelense anunciou que o Shin Bet e a polícia abririam uma investigação conjunta sobre o caso.
A tensão entre Netanyahu e Bar já era grande antes mesmo do ataque do Hamas, em 2023, especialmente por um projeto da reforma da justiça que havia provocado manifestações massivas no país alguns meses antes. A relação, no entanto, piorou significativamente desde que, em 4 de março, foi publicado o relatório de investigação interna que apontava falhas na transmissão de informações de inteligência que poderiam ter alertado as autoridades sobre a magnitude da invasão do Hamas a Israel.
O documento também critica o Executivo e, indiretamente, Netanyahu, ao considerar que “uma política [israelense] de calma permitiu que o Hamas acumulasse um impressionante arsenal militar”. As conclusões do Shin Bet foram publicadas dias após uma investigação semelhante das Forças Armadas de Israel ter revelado que oficiais de alta patente subestimaram o Hamas no passado — e interpretaram de forma equivocada os alertas iniciais de que um grande ataque estava por vir.
Menos de duas semanas após sua publicação, Netanyahu anunciou a destituição de Bar e enfatizou o que chamou de necessidade de “restabelecer a organização, alcançar todos os objetivos de guerra e impedir o próximo desastre”. Netanyahu tem rejeitado pedidos para estabelecer uma comissão estatal de inquérito sobre o ataque de 7 de outubro e, em grande parte, evitado assumir responsabilidade pessoal. Cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas e 250 sequestradas no atentado, e mais de 50 mil palestinos foram mortos no conflito subsequente.
— Devido à contínua falta de confiança, decidi apresentar uma proposta ao governo para encerrar o mandato do chefe do Shin Bet, [Ronen Bar] — disse Netanyahu, dias após ter acusado Bar de estar por trás de uma “campanha de ameaças e vazamentos na mídia” para impedir que ele “tome as decisões necessárias para redirecionar” o órgão. — Sempre, mas sobretudo durante uma guerra como esta, existencial, deve haver total confiança entre o primeiro-ministro e o chefe do Shin Bet.