Repórter
Publicado em 9 de setembro de 2025 às 05h24.
Durante muitos anos, a Noruega foi vista como um exemplo de sucesso econômico: uma nação pequena e isolada que se transformou em uma potência financeira graças à descoberta de recursos naturais e a uma gestão prudente de suas riquezas.
Entretanto, hoje, com um fundo soberano avaliado em mais de US$ 2 trilhões – o que equivale a cerca de US$ 340.000 por habitante – um número grande de analistas aponta que esse mesmo sucesso pode estar dificultando o avanço do país, seja em termos sociais, econômicos ou científicos.
Esse é um debate que ganhou força nas eleições parlamentares, concluídas com a vitória da coalização governista de centro-esquerda do primeiro-ministro Jonas Gahr Store, com 49,2% dos votos, contra 46,6% da aliança de oposição de direita. O Partido Trabalhista foi o mais votado entre as legendas, com 28%, à frente do Partido do Progresso (Frp), com 24,7%, e do Partido Conservador, com 14,4%, segundo dados da Autoridade Eleitoral do país.
Nos anos 1960, a descoberta de vastas reservas de petróleo e gás no Mar do Norte colocou o país como o terceiro maior exportador de energia do planeta e entre os dez mais ricos. O fundo soberano norueguês agora detém 1,5% de todas as ações cotadas globalmente e, no último ano, registrou US$ 222,4 bilhões em lucros provenientes de investimentos, segundo o Norges Bank Investment Management, responsável pelo gerenciamento do Fundo Global de Pensões do Governo norueguês
O país também demonstrou resiliência diante de grandes quedas nos preços da energia, e sua moeda tem se mantido estável, apesar das instabilidades geopolíticas.
Até recentemente, as principais críticas dos cidadãos noruegueses estavam relacionadas ao controle rígido que o governo exerce sobre essa riqueza – apenas 4% do fundo é destinado ao orçamento nacional – e à postura conservadora nas políticas de investimento. No entanto, essas queixas foram ignoradas pela robustez econômica do país, pelo baixo índice de desemprego, pelo sistema de saúde e educação universais e pelos generosos programas de assistência social, que incluem benefícios de desemprego, 49 semanas de licença parental remunerada e altas classificações nos índices globais de igualdade de renda.
Entretanto, novas preocupações começaram a surgir em Oslo: será que tamanha fortuna gerou investimentos públicos irresponsáveis, sustentados pela segurança do fundo soberano? Alguns críticos argumentam que esse fundo tem tornado os noruegueses complacentes e desmotivados, permitindo-lhes tolerar déficits orçamentários, pois suas pensões estão praticamente garantidas.
A combinação das enormes receitas do petróleo e gás com uma política social direcionada para a ampla igualdade é agora vista por muitos como um desafio para a sustentabilidade econômica da Noruega no futuro. Cresce entre os cidadãos a sensação de que o país ganhou na loteria – adotando estilos de vida mais relaxados com jornadas de trabalho de quatro dias e foco em atividades como férias em montanhas para esquiar, andar de bicicleta e passar tempo com os filhos.
Embora a Noruega seja generosa em suas políticas de imigração, o país enfrenta dificuldades para preencher vagas em áreas de trabalho qualificadas, especialmente nas ciências e engenharia. No entanto, devido à estrutura salarial igualitária, até os trabalhadores com menor qualificação recebem salários relativamente altos, o que contribui para o aumento dos custos das exportações norueguesas.
No livro recém-lançado "The Country That Became Too Rich" (O País Que Ficou Rico Demais), o economista norueguês Martin Bech Holte argumenta que o país se tornou economicamente preguiçoso, vivendo dos lucros obtidos com sua riqueza natural em vez de investir em outras alternativas de produtividade.
Além do crescimento lento, Bech Holte destaca dados que sugerem que o país não está aproveitando adequadamente os recursos investidos em sua população.
Um exemplo: os noruegueses tiram uma média de 27,5 dias de licença médica por ano – a maior da OCDE – e as notas dos estudantes em avaliações internacionais de ciências, matemática e leitura caem há mais de dez anos, ficando abaixo da média da organização, embora o país invista quase o dobro da média por aluno. As famílias norueguesas também apresentam a maior relação entre dívida e renda entre os países da OCDE.
"A Noruega deveria ser um ímã para possibilidades e pessoas", disse Bech Holte, chefe do escritório da McKinsey em Oslo, à Bloomberg em agosto. "Em vez disso, é o oposto. Não há ambição, e isso se deve 100% ao fundo do petróleo."
Seu livro gerou grande repercussão no país, esgotando em poucas horas e exigindo uma nova impressão, com 56.000 cópias já vendidas – um número impressionante para uma nação do tamanho da Noruega, especialmente para um livro de não ficção. A obra gerou debates intensos, com o multimilionário corretor de bolsa Jan Petter Sissener gastando uma fortuna em coroas suecas para enviar cópias aos membros do Parlamento e ministros, chamando-o de "o livro do desperdício".
Bech Holte, de 46 anos, formado pela Escola Norueguesa de Economia, apresenta vários exemplos de desperdícios de recursos públicos em projetos que estouraram o orçamento, demoraram mais do que o previsto para serem concluídos ou nunca tiveram uma justificativa econômica sólida. Apesar de algumas críticas sobre imprecisões em seu trabalho, muitos economistas, tanto no setor público quanto acadêmico, apoiam sua visão, alegando que a Noruega poderia ser muito mais rica do que é hoje.
Embora o fundo soberano da Noruega tenha garantido grande parte de sua fortuna por meio de investimentos inteligentes em ações, tecnologia e inteligência artificial, Bech Holte aponta que esses setores, assim como a pesquisa e o desenvolvimento, estão estagnados. Ele acusa as instituições do país de complacência e afirma que a Noruega está vivenciando uma crise científica nacional.
Em vez de atrair inovadores e empreendedores para impulsionar avanços, a Noruega está vendo profissionais partirem, desestimulados por uma estrutura tributária que consideram punitiva ao sucesso, focada em financiar benefícios sociais para cidadãos que poderiam trabalhar, mas escolhem não fazê-lo, argumenta o economista.
"Tentei escrever de uma forma que irritasse as pessoas, para o bem ou para o mal", afirmou Bech Holte. Ele defende cortes drásticos de impostos e restrições aos gastos públicos para devolver à Noruega uma economia mais produtiva.
"Nos tornamos herdeiros, recebemos seis vezes o nosso salário anual no banco, e isso significa que podemos escolher o caminho mais fácil", disse. "Estamos desperdiçando a maior oportunidade que um país ocidental já teve nos tempos modernos."