O presidente Lula, durante evento em Brasília: país tenta negociar redução de tarifas com os EUA (Evaristo Sá/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 30 de julho de 2025 às 06h02.
A negociação do Brasil com os Estados Unidos sobre as tarifas comerciais de 50% anunciadas por Donald Trump é uma das mais difíceis já feitas pelo país. Uma das principais razões disso, avaliam especialistas, é que os EUA não colocaram na mesa demandas claras e factíveis, mas uma lista ampla e genérica de pedidos, divulgados de várias formas. Há espaço, no entanto, para possíveis concessões em áreas como etanol, terras raras e posicionamento geopolítico.
Autoridades e empresários brasileiros correm para tentar negociar com os americanos uma redução das taxas, ou ao menos um adiamento. Há três semanas, Trump disse, em carta pública, que uma nova taxa de 50% sobre produtos brasileiros entrará em vigor na sexta-feira, 1º, mas ainda não oficializou a medida.
Para especialistas, as demandas americanas podem ser divididas em três partes: jurídicas, geopolíticas e comerciais.
Na carta em que Trump anunciou a taxa contra o Brasil, ele criticou o país pelos processos judiciais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e contra empresas de tecnologia americanas e pediu o fim dessas ações. Esse pedido é considerado impossível de atender, porque há autonomia entre Executivo e Judiciário no Brasil, além de as demandas representarem um desrespeito à soberania brasileira sobre seus assuntos internos.
Na noite de terça, 29, o vice-presidente Geraldo Alckmin se reuniu com empresas americanas como Meta, Google e Amazon para debater mudanças regulatórias. "Estamos propondo uma mesa de trabalho, onde a gente vai verificar: ambiente regulatório, inovação tecnológica, oportunidade econômica e segurança jurídica", disse.
Na parte geopolítica, o Brasil foi criticado pelos EUA por condutas consideradas antiamericanas, como fazer parte do grupo do Brics, integrado também pela China. O Brics foi acusado por Trump de tentar enfraquecer o dólar e, assim, prejudicar os Estados Unidos. Em comunicados recentes, o bloco fez críticas a ações americanas e defendeu aumentar transações sem o dólar, mas está distante de ações maiores, como tentar criar uma moeda comum.
Para Drausio Giacomelli, estrategista-chefe do Deutsche Bank no Brasil, o país poderia conter seu alinhamento com a China como forma de concessão.
"A China tem sido extremamente pragmática e talvez alguns países tenham percebido isso como um sinal de comprometimento de longo prazo. Mas não vemos a China com compromissos ideológicos fortes em nenhuma frente. Então, há espaço enorme para se reorganizar e para se negociar nesse front", afirma.
Giacomelli avalia que o Brasil tem um papel secundário na disputa entre EUA e China — e que deveria evitar ficar em uma posição que possa sofrer danos.
"A própria China tem reduzido a concentração de importações de algumas commodities do Brasil, e o [presidente] Xi Jinping resolveu não vir ao encontro do Brics em meio às negociações com os EUA", diz.
Reunião do Brics, no Rio de Janeiro: durante discurso do presidente Lula, nota-se a ausência do presidente da China, Xi Jinping (Mauro Pimentel/AFP)
Na parte comercial, há mais concessões possíveis.
Em documentos e declarações anteriores, o governo Trump questionou o Brasil por tarifas elevadas contra o etanol americano. O país poderia reduzir essas taxas e se comprometer a comprar uma quantidade maior do produto.
"Estamos profundamente preocupados que as atuais práticas comerciais do Brasil — particularmente em relação ao desmatamento ligado à expansão agrícola, tarifas ao etanol e preferências comerciais discriminatórias — criam desvantagens sistêmicas injustas aos fazendeiros dos EUA que exportam, e às cadeias de suprimento que os apoiam", disse Ronald Seeber, CEO da Kansas Grain and Feed Association, em documento enviado ao governo americano.
Os produtores rurais da região central dos EUA são considerados uma das bases de apoio político de Trump. Ele teve votação expressiva nesses estados em 2024.
No anúncio da investigação aberta pelos EUA por meio da Seção 301, na qual o governo Trump acusa o Brasil de adotar práticas para barrar importações americanas, foram citados outros dois pontos em destaque: os acordos brasileiros para facilitar a importação de carros do México e de insumos químicos da Índia, especialmente para a fabricação de medicamentos.
"Isso pode ser lido como áreas de interesse, porque há menção específica. Essas áreas são talvez as mais promissoras para eventuais negociações, porque envolvem comércio de bens, que estão na mão do poder Executivo", diz Lucas Spadano, sócio de Comércio Internacional do Madrona Advogados e que atuou na missão do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em outros acordos comerciais, como os que foram fechados com a União Europeia, Indonésia e Vietnã, houve compromissos de maior abertura de mercado e de redução de taxas a produtos americanos, o que permitiu a Trump comemorar vitórias.
No entanto, nesses casos, havia déficit comercial dos outros países com os EUA, o que não ocorre com o Brasil. Pelos dados oficiais brasileiros, os EUA registraram um superávit de US$ 1,7 bilhão com o país no primeiro semestre deste ano, um aumento de cerca de 500% em relação a 2024.
O comércio bilateral somou US$ 41,7 bilhões no acumulado de janeiro a junho de 2025. Os produtos mais importados pelo Brasil são motores e máquinas não-elétricas, óleos combustíveis e aeronaves.
Além disso, a taxa média cobrada pelo Brasil de produtos americanos é de 2,7%, segundo dados da Amcham (Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos), o que gera menos espaço para grandes concessões.
Os presidentes Donald Trump e Volodymyr Zelensky, durante conversa na Basílica de São Pedro, no Vaticano, em 26 de abril (Presidência da Ucrânia/AFP)
Um outro ponto de interesse dos americanos são as terras raras, minerais usados para produzir aparelhos eletrônicos de ponta, como smartphones e carros elétricos. O Brasil poderia fazer um acordo para facilitar o acesso dos EUA ao material.
O Brasil tem a segunda maior reserva global delas, estimada em 21 milhões de toneladas pelo Departamento Geológico dos EUA, atrás apenas da China, que tem 44 milhões. No entanto, o Brasil explorou apenas 20 toneladas do material. A China já extraiu 270.000 toneladas.
Trump assinou um acordo com a Ucrânia, por exemplo, garantindo acesso americano a reservas de terras raras do país, em troca de manter o envio de armamentos para a guerra contra a Rússia.
"A agenda dos Estados Unidos é justamente reduzir a dependência da China em relação a minerais e o Brasil tem um potencial muito grande. Ainda assim, é potencial de longo prazo", avalia Spadano.