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O 'tripé' que ajudou Milei a baixar a inflação de 211% na Argentina

Presidente tem conseguido manter a inflação sob controle ao apostar em câmbio forte, corte de gastos e fim de emissões sem lastro

Javier Milei, presidente da Argentina, durante discurso na Expoagro (Presidência da Argentina/AFP)

Javier Milei, presidente da Argentina, durante discurso na Expoagro (Presidência da Argentina/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 16 de março de 2025 às 08h01.

O verão em Florianópolis foi marcado pela invasão argentina às lojas. Redes como Decathlon e Havan viram as vendas dispararem, impulsionados pelos compradores do país vizinho. Só a unidade da Decathlon na ilha recebeu em torno de 5.000 clientes por dia, em busca de economias reais. Como comparação, no Brasil, uma camiseta de corrida da Adidas custa R$ 129,99. Na Argentina, um modelo similar sai por 45 mil pesos, cerca de R$ 250.

A principal razão para esta diferença é que o peso ganha força, enquanto o real se enfraqueceu. Como consequência desses dois movimentos, os argentinos passaram a ter mais poder de compra no exterior, e os brasileiros que viajam à Argentina perderam as vantagens de pagar menos.

O reforço do peso é parte da estratégia do presidente Javier Milei para estabilizar a economia. A inflação saiu de mais de 211% na taxa de 12 meses, no início de 2024, para os atuais 79,4%, segundo os dados mais recentes, de fevereiro. A taxa mensal está em 2,4%.

A política de Milei para baixar a inflação se baseia em âncoras, que foram uma espécie de tripé.

Uma delas é o câmbio mais estável, que tem se depreciado em média a 2% ao mês, bem abaixo da taxa de inflação. Além disso, há um âncora fiscal, o corte forte de gastos públicos, e uma âncora monetária, o fim da emissão de pesos sem lastro para pagar gastos públicos.

Milei também conseguiu equilibrar o câmbio ao conseguir atrair de volta ao mercado dólares que os argentinos deixavam em casa ou no exterior, em contas secretas. Ao menos US$ 19 bilhões retornaram ao sistema, segundo o governo.

"Milei aplicou uma política forte para conter a inflação às custas das reservas internacionais. Ele tomou a decisão de direcionar dólares vindos das exportações para o mercado de dólares financeiros, que usam um câmbio fixo", diz Ricardo Amarilla, economista sênior da consultoria Economatica na Argentina.

Logo após tomar posse, no fim de 2023, Milei desvalorizou o peso no câmbio oficial, que passou de 1 dólar por 400 pesos para 1 dólar por cerca de 800 pesos.

No entanto, depois disso, a taxa subiu menos do que a inflação. A cotação oficial está na faixa de 1.080 pesos por dólar, não tão distante do dólar paralelo, o "blue", a 1.230. Nos anos anteriores, o peso se desvalorizava muito mais rapidamente e a cotação paralela era o dobro da oficial.

Em 2024, o peso perdeu 21% de seu valor frente ao dólar, mas os salários em pesos e a inflação subiram acima de 100%.

Com isso, quem ganha na Argentina e gasta no país não teve muita vantagem, já que a inflação reduz o poder de compra, mas ao converter os salários de pesos para dólares a capacidade de gastar no exterior cresceu. Os custos em dólar dentro da Argentina aumentaram em 70% no último ano, segundo estimativas de analistas.

@ciberperiodismo Los argentinos de compras en Brasil 🇧🇷❤️ Se están llevando TODO ‼️ Gabriel nos envía éste vídeo desde Florianópolis y nos cuenta: "José el video es de Decathlon en Florianópolis, pero además averigüé precios de electrónica! No fui al lugar más barato. Fui a havan que es un poco más costoso que angeloni, pero el cambio aún siendo algo desfavorable con las app nos sigue conviniendo un montón. Por ejemplo, pregunté por un bombox jbl 3 que en mercado libre lo ví en 850 lucas, acá me pidieron 2089 reales. Algo así al tipo de cambio en 450 mil Otro tema. Es todo humo lo de aduana. No controlan nada. Con las nuevas regulaciones, pasa todo directo. En aduanas había gente entrando con drones, cámaras, notebooks. Es increíble lo que está perdiendo la argentina en divisas." 📲 Envía tus vídeos desde cualquier país del mundo al WhatsApp 549 362 465-9020 #CiberPeriodismo LA REALIDAD REAL #brasil #argentina #shopping #compra #vacaciones #holiday ♬ sonido original - José Viñuela #CiberPeriodismo

Até onde vai o peso argentino?

Apesar dos avanços da economia argentina, o cenário segue com incertezas. Milei vem renegociando um novo acordo com o FMI, para trazer mais bilhões de dólares para as reservas do Banco Central argentino, que seguem muito baixas.

O presidente também é cobrado para implantar a promessa de campanha de retirar as barreiras para a compra de dólares, o chamado "cepo", e deixar que o câmbio flutue livremente.

Hoje, há cotas e inúmeras regras para cidadãos e empresas comprarem e venderem a moeda americana, o que dificulta o comércio exterior e a entrada de dólares e investimentos no país.

O governo Milei diz que pretende retirar o cepo em 2025 ou 2026, mas sem definir uma data. O BC argentino disse ainda que reduzirá a desvalorização mensal do peso para 1% neste ano, o que fortalecerá mais o peso.

O recado de Domingo Cavallo

Economistas alertam ainda que a moeda argentina pode estar valorizada excessivamente. Um deles foi Domingo Cavallo, ministro da Economia nos anos 1990, durante o governo de Carlos Menem, que adotou na época a política de um peso para um dólar, similar à do início do Plano Real no Brasil.

Cavallo disse que a "valorização exagerada do peso" é parecida com a que ocorreu no final dos anos 1990, que desaguou em uma recessão forte no começo dos anos 2000. Milei disse que a fala de Cavallo era "estúpida" e que avalia que o câmbio está adequado.

"Se o governo desvalorizar o peso, estará morto politicamente", diz Amarilla. "O governo está fazendo de tudo para que o dólar não incomode durante este ano". Haverá eleições legislativas na Argentina em outubro, e Milei terá seu primeiro teste nas urnas desde a vitória de 2023.

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