Agência de notícias
Publicado em 26 de agosto de 2025 às 13h18.
Um dia após uma sequência de ataques aéreos contra o Hospital Nasser, no sul da Faixa de Gaza, deixar ao menos 20 mortos — incluindo cinco jornalistas — o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas (ACNUDH) afirmou que Israel precisa ser responsabilizado. A organização ressaltou que investigações anteriores sobre ações semelhantes não geraram resultados concretos e alertou para o número crescente de profissionais da imprensa mortos desde o início da guerra, em outubro de 2023.
"Esses jornalistas são os olhos e os ouvidos do mundo inteiro e devem ser protegidos. É preciso haver justiça", disse o porta-voz da ACNUDH, Thameen al-Kheetan, acrescentando que o número de profissionais da imprensa mortos “levanta muitas questões sobre o direcionamento de ataques a jornalistas”. "É responsabilidade de Israel, como potência ocupante, investigar. Mas essas investigações precisam gerar resultados. Ainda não vimos qualquer responsabilização ou consequência."
Segundo al-Kheetan, ao menos 247 jornalistas palestinos foram mortos na guerra em Gaza, a maioria em bombardeios israelenses. O número é o mais alto na História moderna, e mais de três vezes maior do que o registrado nas duas Guerras Mundiais, de acordo com o Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ). Em comparação, a guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, resultou na morte de 18 profissionais.
Ainda na noite de segunda-feira, o Gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou a abertura de uma investigação sobre os ataques ao Hospital Nasser e disse que Israel “lamenta profundamente” o que chamou de “erro trágico”. O texto, no entanto, não citou o aspecto mais polêmico do ataque: o chamado “double tap” — quando uma segunda explosão atinge o mesmo local minutos após a primeira, com o objetivo de causar mais mortes entre os que prestam socorro. A tática militar é controversa e proibida.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo grupo terrorista Hamas, e os veículos para os quais trabalhavam as vítimas, duas explosões atingiram o Hospital Nasser, matando jornalistas e profissionais da saúde. A primeira teria matado ao menos uma pessoa. Minutos depois, a segunda atingiu o mesmo local, quando socorristas e jornalistas já estavam na área.
Funcionários do Hospital Nasser afirmaram à rede britânica BBC que a primeira explosão ocorreu por volta das 10h, no horário local, causando um “pânico generalizado”. A equipe médica discutia rotas de fuga quando o segundo ataque foi feito. A OMS disse que as explosões atingiram o pronto-socorro, a ala de internação e a unidade cirúrgica do hospital. O diretor da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que a escada de emergência também foi danificada.
As identidades dos cinco jornalistas foram confirmadas. Eles trabalhavam para veículos internacionais, como Associated Press, Reuters, al-Jazeera e Middle East Eye. Pouco se sabe, no entanto, sobre os demais mortos. O Ministério da Saúde de Gaza informou que pacientes e socorristas estão entre as vítimas.
Husam al-Masri trabalhava como cinegrafista para a agência Reuters. Ele foi morto no primeiro ataque enquanto operava uma transmissão ao vivo para a agência. Diversos veículos internacionais, incluindo a BBC, utilizaram imagens feitas por ele.
Mariam Dagga, de 33 anos, era uma das poucas mulheres jornalistas cobrindo a guerra em Gaza. Freelancer da agência americana Associated Press, ela costumava reportar direto do Hospital Nasser. Segundo a AP, Mariam tinha um filho de 13 anos que foi retirado de Gaza e levado para os Emirados Árabes Unidos, onde mora com o pai.
Mohammad Salama atuava pela rede catari al-Jazeera e pelo Middle East Eye. Segundo a emissora, ele planejava se casar com outra jornalista, Hala Asfour, assim que houvesse um cessar-fogo.
Ahmed Abu Aziz, 28, era freelancer do Middle East Eye em Khan Younis. De acordo com o veículo, ele sonhava em estudar no exterior. Estava noivo antes da guerra e se casou com a advogada Loucy Saleh no último ano.
Moaz Abu Taha colaborava com diversos veículos, incluindo o jornal israelense Haaretz, para o qual gravou, duas semanas atrás, uma videoconferência mostrando crianças desnutridas no Hospital Nasser. A Reuters também publicou trabalhos dele ocasionalmente.
Na segunda-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou o que classificou como “execuções horrendas” no Hospital Nasser, que segundo ele “evidenciam os riscos extremos enfrentados por jornalistas e profissionais da saúde durante este conflito brutal”. Guterres pediu uma investigação rápida e imparcial.
O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Lammy, afirmou estar “horrorizado” e reiterou o apelo por um cessar-fogo imediato. Já o presidente da França, Emmanuel Macron, chamou os ataques de “intoleráveis” e disse que civis e jornalistas devem ser protegidos. Ele renovou os pedidos para que a ajuda humanitária entre em Gaza e cobrou que Israel “respeite o direito internacional”. O presidente dos EUA, Donald Trump, disse não estar ciente dos ataques, mas afirmou, ao ser questionado, que “não está feliz com isso”.
Organizações de defesa da liberdade de imprensa também condenaram o ataque. Thibaut Bruttin, da Repórteres sem Fronteiras, disse que “há garantias que devem ser asseguradas aos jornalistas em zonas de conflitos”, mas que “nenhuma delas está sendo respeitada”. O Comitê de Proteção de Jornalistas, por sua vez, afirmou que "o assassinato de jornalistas em Gaza por Israel continua sendo televisionado enquanto o mundo assiste e não toma medidas firmes".
A Associação de Imprensa Estrangeira disse que as mortes mais recentes devem servir como um “divisor de águas” e instou líderes internacionais a agirem. A entidade exigiu que Israel “interrompa a prática abominável de alvejar profissionais da imprensa” e afirmou: “Jornalistas demais já foram mortos por Israel sem justificativa”.
(Com AFP)