Agência de notícias
Publicado em 18 de agosto de 2025 às 14h52.
Com a intensificação dos ataques israelenses na Cidade de Gaza, algumas famílias palestinas começaram a se deslocar para o oeste e o sul do enclave na tentativa de escapar de uma possível ofensiva terrestre, enquanto outras rejeitam as ordens de evacuação do Exército de Israel.
A iminente investida na cidade, que abriga quase um milhão de pessoas, deixa muitos com a sensação de que é “impossível sair”. Além da falta de recursos financeiros, alguns ressaltam dificuldades para se deslocar a pé com familiares idosos, sem ter para onde ir.
— O povo da Cidade de Gaza é como alguém que recebeu sentença de morte e aguarda execução — disse Tamer Burai, empresário local, à rede catari al-Jazeera. — Estou transferindo meus pais e minha família para o sul hoje ou amanhã. Não posso correr o risco de perder nenhum deles caso haja uma invasão inesperada.
O plano de Israel para tomar a Cidade de Gaza, anunciado na semana passada pelo Gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, gerou alarme internacional — e fez milhares de israelenses irem às ruas do Estado judeu no domingo para protestar contra a iniciativa, avaliando que o avanço sobre a região colocará as vidas dos reféns em risco. A decisão também impulsionou novas discussões entre mediadores do Egito e do Catar, que conduzem negociações de cessar-fogo de última hora no Cairo.
O grupo terrorista Hamas declarou estar disposto a discutir uma trégua de 60 dias proposta pelos Estados Unidos e liberar metade dos reféns, mas também busca um acordo mais amplo para encerrar a guerra. Israel, no entanto, insiste na libertação total dos cativos e no desarmamento do Hamas — uma condição que o grupo rejeita. Depois de quase dois anos de guerra, estima-se que 50 reféns ainda estejam no território palestino. Destes, cerca de 20 ainda estariam vivos, segundo avaliação da Inteligência israelense.
— Cada ação hoje é um fio de esperança. [Queremos] um acordo que termine esta guerra e traga os 50 reféns de volta para casa — disse no domingo Lishay Miran-Lavi, esposa do refém Omri Miran. — Presidente Trump, o público israelense quer que eles voltem. O mundo quer que eles voltem. Por favor, faça acontecer. Feche o acordo.
Organizadores afirmaram que os protestos foram os maiores em 22 meses de guerra, com cerca de meio milhão de pessoas nas ruas. Manifestantes bloquearam rodovias, se reuniram em frente a casas de políticos e quartéis militares e acenderam fogueiras. Embora a maior central sindical de Israel, a Histadrut, tenha optado por não aderir à ação, greves dessa magnitude são relativamente raras no país. Muitos negócios e prefeituras decidiram, de forma independente, aderir à paralisação. Pelo menos 32 pessoas foram detidas, informou a polícia local.
Enquanto isso, em Gaza, o cenário é de destruição total: nas últimas 24 horas, segundo o Ministério da Saúde, pelo menos cinco pessoas morreram por desnutrição severa. Outras 17 foram mortas em ataques desde o amanhecer desta segunda, incluindo oito palestinos que buscavam ajuda humanitária. A frequência e intensidade dessas ocorrências motivou a Anistia Internacional a afirmar, também nesta segunda, que Israel está “realizando uma campanha deliberada de fome”.
“[O Estado judeu] está destruindo sistematicamente a saúde, o bem-estar e o tecido social da vida palestina”, escreveu a organização em comunicado, acrescentando que novos testemunhos revelam que “a combinação mortal de fome e doença não é um subproduto infeliz das operações militares de Israel. É o resultado intencional de planos e políticas que Israel desenhou e implementou nos últimos 22 meses”.
— À medida que as autoridades israelenses ameaçam lançar uma invasão terrestre em grande escala da Cidade de Gaza, os testemunhos que coletamos vão muito além de relatos de sofrimento; são uma acusação contundente a um sistema internacional que concedeu a Israel licença para atormentar os palestinos com quase total impunidade por décadas — disse Erika Guevara Rosas, diretora sênior de pesquisa, políticas e campanhas da Anistia Internacional.
Mesmo aqueles que decidem sair da região enfrentam dificuldades diante da intensificação dos bombardeios. Segundo a al-Jazeera, o número de ataques aéreos israelenses em Zeitoun é massivo, e há relatos de disparos de artilharia e robôs carregados de explosivos que destroem prédios e residências na área. O bombardeio ocorre há dias sem interrupção — e, quem decidiu sair em busca de abrigo, precisou se deslocar sob ataques de drones. Não há equipes de resgate que possam alcançar a área, tampouco pessoal médico ou paramédicos disponíveis.
— Como vou sequer chegar lá? Como posso ir embora? Preciso de quase US$ 900 para me mudar, e não tenho nem US$ 1. Como vou alcançar o sul? — disse ao jornal catari Bilal Abu Sitta, homem palestino deslocado.
O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Israel, Eyal Zamir, disse que há planos para evacuar os moradores da Cidade de Gaza em até dois meses, antes de uma operação militar ampliada. Segundo o Canal 12, Zamir teria dito em discussões privadas nos últimos dias que o governo israelense está se preparando para “as complexidades na realocação” dos palestinos, e que por isso está “preparando um conjunto de ferramentas para incentivá-los a deixar a cidade rumo a áreas humanitárias”.
Zamir acrescentou que, concluída essa etapa, “as fases de cercar a Cidade de Gaza, entrar nela e ocupá-la serão realizadas”. Ele afirmou ainda que o Exército buscará “minimizar o uso das forças de reserva tanto quanto possível”. A declaração ocorre enquanto o governo israelense negocia com pelo menos cinco países — Indonésia, Somaliland, Uganda, Sudão do Sul e Líbia — a recepção de palestinos deslocados de Gaza, segundo informou anteriormente o Canal 12. O Sudão do Sul, porém, negou relatos de negociações nesse sentido.