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Papa ligou 563 vezes para igreja em Gaza: 'Ele sabia nossos nomes, dizia para não termos medo'

Francisco telefonava todas as noites às 19h para verificar como as cerca de 600 pessoas amontoadas dentro da única paróquia católica do enclave estavam lidando com o conflito

Francisco telefonava todas as noites às 19h (Clément MELKI/AFP)

Francisco telefonava todas as noites às 19h (Clément MELKI/AFP)

Agência o Globo
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Publicado em 23 de abril de 2025 às 09h48.

Última atualização em 23 de abril de 2025 às 09h50.

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Na noite de segunda-feira, após a notícia da morte do Papa Francisco, o celular do reverendo Gabriel Romanelli não tocou às 19h, como normalmente acontecia. Esse era o horário em que o Pontífice ligava para a Igreja da Sagrada Família na Cidade de Gaza todas as noites para verificar como as cerca de 600 pessoas amontoadas dentro da única paróquia católica do enclave estavam lidando com a guerra entre o grupo terrorista palestino Hamas e as forças de Israel.

— Perdemos um santo que nos ensinou todos os dias a sermos corajosos, a sermos pacientes e a permanecermos fortes. Perdemos um homem que lutou todos os dias em todas as direções para proteger esse seu pequeno rebanho — disse à Reuters George Antone, chefe da comissão de emergência da igreja em Gaza, após a morte de Jorge Bergoglio, anunciada na segunda-feira.

Segundo ele, o Papa ligou para a igreja horas depois do início da guerra em Gaza, em 7 outubro de 2023. O gesto virou hábito e Francisco se certificava de falar não apenas com o padre, mas com todos os outros presentes na sala, acrescentou Antone.

— Estamos com o coração partido por causa da morte do Papa Francisco, mas sabemos que ele está deixando para trás uma Igreja que se preocupa conosco e que nos conhece pelo nome, cada um de nós — afirmou, referindo-se aos cristãos de Gaza. — Ele costumava dizer a cada um deles: "Estou com vocês, não tenham medo".

A última vez que Francisco telefonou para Gaza foi no sábado à noite, disse o padre Romanelli ao Vatican News Service.

— Ele disse que estava orando por nós, nos abençoou e nos agradeceu por nossas orações — informou Romanelli, que, assim como Francisco, é de origem argentina. — Para a paróquia de Gaza é um momento muito doloroso, (...) até mesmo os ortodoxos e os muçulmanos vieram nos dar suas condolências.

Um dia depois, no domingo de Páscoa, Francisco voltou a apelar pela paz em Gaza. Em sua última aparição pública, diante de uma multidão de fiéis na Praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano, ele condenou a “situação humanitária deplorável” e expressou sua “proximidade com o sofrimento dos cristãos na Palestina e em Israel e com todo o povo israelense e palestino”.

Pediu também às partes beligerantes para "declararem um cessar-fogo, libertarem os reféns e ajudarem um povo faminto que aspira a um futuro de paz".

Além das ligações noturnas, Francisco costumava telefonar "três, quatro, cinco vezes no mesmo dia" para a Igreja da Sagrada Família na Cidade de Gaza nos dias em que os bombardeios eram mais intensos, contou Romanelli à rede canadense CBC News.

— Foi uma expressão singular de seu amor, de sua preocupação. Uma preocupação real com o bem de todos e um sinal do bom pastor — declarou. — As pessoas se sentem abandonadas, mas o chamado do Papa deu um sinal muito forte de esperança.

Ao todo, Francisco telefonou 563 vezes para a paróquia em Gaza, segundo a Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal). Ele falou sobre o assunto em uma entrevista ao programa 60 Minutes, da CBS News.

— Eles me contam o que acontece lá. (...) Eu os escuto — disse o Papa durante a entrevista, publicada em maio de 2024. — Outro dia, estavam felizes porque puderam comer carne, porque, de resto, eles comem farinha. Às vezes eles passam fome. Eles me contam as coisas, é muito sofrimento.

Dos 2,4 milhões de habitantes de Gaza, cerca de mil são cristãos, a maioria ortodoxos. Na segunda-feira, quando o Vaticano anunciou que Francisco havia morrido aos 88 anos, essa pequena comunidade cristã se reuniu na igreja de Gaza para lamentar e orar em sua homenagem.

— Estamos convencidos de que ele está no céu — comentou Romanelli. — Agora, podemos ligar para ele a qualquer momento.

O patriarca latino de Jerusalém, Pierbattista Pizzaballa, considerado um possível sucessor do Papa Francisco, também elogiou o compromisso do falecido Pontífice com a Faixa de Gaza.

— Gaza representa, de alguma maneira, tudo o que estava no coração de seu pontificado — declarou Pizzaballa a jornalistas, um deles da AFP.

O patriarca latino de Jerusalém, a autoridade católica mais alta no Oriente Médio, explicou que Francisco sempre defendeu a "proximidade com os pobres, os marginalizados" e "a paz", e que esses compromissos eram especialmente evidentes em sua posição sobre a guerra na Faixa de Gaza.

Em novembro de 2023, Francisco se reuniu separadamente com parentes israelenses de reféns mantidos pelo Hamas, bem como com palestinos com família em Gaza, e logo depois disse aos seus seguidores que tinha ouvido diretamente como “ambos os lados estavam sofrendo” no conflito.

Durante sua mensagem de Páscoa de 2024, ele fez um apelo pela paz, pediu a libertação dos reféns e que a ajuda humanitária chegasse aos palestinos, além de um cessar-fogo imediato. Em novembro do mesmo ano, pediu uma investigação para saber se a ofensiva terrestre de Israel em Gaza constituía um genocídio.

Na segunda-feira, o Ministério das Relações Exteriores de Israel excluiu postagens oficiais na rede social X de suas embaixadas em todo o mundo horas após a publicação de condolências pela morte de Francisco. De acordo com o jornal Ynet, a ordem foi enviada a todas as representações israelenses sem explicação e provocou a ira de muitos embaixadores.

“Reagimos às palavras do Papa contra Israel durante sua vida, não falaremos depois de sua morte”, enfatizou um funcionário estrangeiro em condição de sigilo.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, permaneceu em silêncio sobre a morte de Bergoglio. Por outro lado, o Congresso Judaico Europeu (CJE), uma organização secular que representa mais de 2,4 milhões de judeus na Europa, publicou uma nota nesta terça-feira dizendo que "está profundamente triste com o falecimento de Sua Santidade o Papa Francisco".

“Em nome das comunidades judaicas europeias, expressamos nossas mais profundas condolências aos católicos de todo o mundo neste momento de luto”, afirmou, acrescentando que Francisco “foi um firme defensor do diálogo inter-religioso e do respeito mútuo entre as religiões”.

Raya Kalenova, vice-presidente executiva do CJE, informou que “guardamos boas e duradouras lembranças de nossas audiências com o falecido Papa e seu profundo compromisso com a promoção do diálogo com as comunidades judaicas e sua feroz oposição ao antissemitismo”.

Seu compromisso “inabalável” com o “combate ao antissemitismo e a promoção de um espírito de fraternidade entre cristãos e judeus será lembrado com gratidão e admiração”, concluiu a nota.

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