Marine Le Pen: uma das principais representantes da extrema-direita na França é acusada de desvio de recursos (Marc Burleigh/AFP Photo)
Agência de notícias
Publicado em 31 de março de 2025 às 14h34.
O Reagrupamento Nacional, partido de extrema-direita da França, convocou uma "mobilização pacífica" contra o que classificou como "ditadura de juízes" após a condenação de sua líder, Marine Le Pen, por desvios de verbas públicas europeias para beneficiar a própria sigla.
Le Pen foi sentenciada a quatro anos de prisão, que deverão ser cumpridos com uso de tornozeleira eletrônica, ao pagamento de uma multa de 100 mil euros (cerca de R$ 624 mil no câmbio atual), e ficará inelegível pelo prazo de cinco anos — o que, na prática, frustra seus planos de concorrer à Presidência em 2027.
"Como muitos franceses, compartilhamos a convicção de que uma parte do sistema de justiça está buscando triunfar onde nossos adversários falharam. Ao proibir Marine Le Pen de concorrer na eleição presidencial de 2027, eles estão tentando impedir sua ascensão ao Palácio do Eliseu por todos os meios", diz a nota divulgada pelo partido, intitulada "Vamos salvar a democracia, vamos apoiar Marine". "Não é apenas Marine Le Pen que está sendo injustamente condenada: é a democracia francesa que está sendo executada. Não é mais o governo dos juízes, mas a ditadura dos juízes, que deseja impedir o povo francês de se expressar".
O caso envolvendo Le Pen, e outras oito figuras do Reagrupamento Nacional, trata de um esquema de uso indevido de fundos da União Europeia, desviados para benefício do partido. A promotoria acusa o RN — e seu antecessor, a Frente Nacional — a usar a alocação orçamentária de 21 mil euros (R$ 131 mil) para subsídio mensal de assessores parlamentares de eurodeputados, para pagar funcionários que na verdade trabalhavam para o partido na França, que se concentravam em temas de política interna, entre 2004 e 2016. Le Pen nega irregularidades e diz que a promotoria está buscando sua "morte política".
O advogado de Le Pen, Rodolphe Bosselut, anunciou que vai apelar da condenação, classificando o veredicto como "um golpe para a democracia". Separadamente, o porta-voz do RN, Laurent Jacobelli, disse que Le Pen continua "em clima de luta". A apelação da líder francesa deve interromper a parte da sentença sobre a multa e o cumprimento da prisão, mas não a inelegibilidade, uma vez que a "execução provisória" determinada pela justiça faz com que os efeitos passem a valer imediatamente. Espera-se que ela faça um pronunciamento às 20h (15h em Brasília).
O desfecho judicial provocou um debate mais amplo na França, no qual parte do espectro político se disse preocupado com o fato do Judiciário retirar da disputa eleitoral uma candidata apontada em pesquisas como favorita a vencer o primeiro turno das eleições presidenciais de 2027, alcançando um segundo turno, enquanto outros afirmam que a sentença corresponde ao cumprimento do devido processo legal, acusando os aliados de Le Pen de tentarem utilizar politicamente a condenação de sua principal liderança.
Jordan Bardella, protegido de Le Pen e provável candidato presidencial em sua ausência, disse nas redes sociais que ela "não apenas foi injustamente condenada", mas a "democracia francesa foi executada". Líderes de extrema direita em toda a Europa demonstraram apoio à extremista, incluindo Viktor Orban, o primeiro-ministro da Hungria, que escreveu em uma publicação no X: "Je suis Marine!".
O primeiro-ministro francês, François Bayrou, ficou "perturbado com o veredicto" contra Le Pen, segundo sua comitiva, que o descreveu como "preocupado com o pronunciamento da sentença". Bayrou foi absolvido no ano passado em primeira instância em um julgamento envolvendo assistentes de eurodeputados de seu partido centrista, o MoDem, e defendeu, em janeiro, que julgamentos contra o MoDem e a RN eram baseados em "uma acusação injusta".
Em contrapartida, políticos de oposição e centristas contestaram a narrativa de um golpe judicial. O Partido Socialista, um dos mais tradicionais do país, disse que "toma nota" da decisão do tribunal, "como faria com qualquer outro", e pediu a "todos que respeitem a independência do judiciário e o Estado de direito"., enquanto Sacha Houlié, legislador centrista, perguntou:
"Nossa sociedade está realmente tão doente que vamos nos ofender com o que não é mais nem menos do que o Estado de direito?", escreveu.
A juíza presidente do Tribunal Penal de Paris, Bénédicte de Perthuis, reconheceu que um político que é impedido de concorrer a um cargo pode vencer mais tarde em apelação, e ela disse que o tribunal não poderia ser indiferente à "necessidade de buscar consenso social", mas a gravidade do caso e a aparente recusa dos acusados em reconhecer os fatos tornaram a desqualificação política necessária.
— [O tribunal tem que] garantir que autoridades eleitas, como qualquer cidadão, não se beneficiem de nenhum tratamento favorável — disse.
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) expressou preocupação com as "reações virulentas" após a condenação, considerando que são "suscetíveis de questionar seriamente a independência da autoridade judicial".
"Ameaças dirigidas pessoalmente aos magistrados responsáveis pelo caso, bem como declarações de líderes políticos sobre os méritos da acusação ou da condenação, especialmente durante as deliberações, não podem ser aceitas em uma sociedade democrática", declarou o CSM em nota.
Doze assistentes também foram condenados por ocultação de crime, com o tribunal estimando que o esquema desviou 2,9 milhões de euros (R$ 18,1 milhões). Todos os funcionários do RN, incluindo Le Pen, foram proibidos de concorrer a cargos, com a juíza especificando que a sanção deve entrar em vigor com efeito imediato, mesmo que um recurso seja interposto.
Entre os condenados está o atual prefeito de Perpignan e ex-eurodeputado, Louis Aliot, que cumprirá 18 meses de prisão, incluindo seis meses sob monitoramento eletrônico, e três anos de inelegibilidade sem execução provisória — "para preservar a liberdade dos eleitores que escolheram seu prefeito", segundo a justificativa da justiça.
O veredicto é um grande golpe para as ambições presidenciais de Le Pen, uma política nacionalista e anti-imigração que era amplamente vista como uma das favoritas na corrida de 2027, apesar de três tentativas fracassadas no passado. Sentada na primeira fileira do tribunal, ela balançou a cabeça ao ouvir a juíza considerá-la culpada e falou rapidamente com seu advogado, deixando a corte antes do fim da leitura da sentença. Ela saiu acompanhada pela eurodeputada Catherine Griset, e não falou com a imprensa.
Com o RN emergindo como o maior partido no Parlamento após as eleições legislativas de 2024, Le Pen acreditava que tinha o ímpeto para finalmente chegar ao Palácio do Eliseu em 2027, devido à preocupação pública com a imigração e o custo de vida. As pesquisas preveem atualmente que ela facilmente lideraria o primeiro turno da votação e iria para o segundo turno.
Em um documentário transmitido pela BFMTV no final do domingo, Le Pen pela primeira vez deu explicitamente sua bênção para Bardella — apelidado de "ciborgue" e um fenômeno eleitoral em disputas recentes — tornar-se presidente.
— É claro que ele tem capacidade para se tornar presidente da república — disse ela.
Mas há dúvidas até mesmo dentro do partido sobre o chamado "Plano B" e se ele tem experiência para uma campanha presidencial.