Agência de notícias
Publicado em 8 de maio de 2025 às 14h03.
Última atualização em 8 de maio de 2025 às 15h02.
Eles o enterraram. Eles o velaram. E se reuniram para escolher seu sucessor. Mas tudo ainda gira em torno do Papa Francisco. Mais de duas semanas após a morte de Jorge Bergoglio, os cardeais que começaram a votar na Capela Sistina na quarta-feira para escolher o próximo Pontífice têm sinalizado se querem seguir o exemplo do argentino, voltar atrás ou encontrar um meio-termo entre os dois.
Em homilias, conversas públicas e privadas e, acima de tudo, em comentários a seus colegas cardeais em reuniões diárias por trás dos muros do Vaticano, as pessoas que escolherão o próximo Papa têm realizado o que equivale a um referendo sobre o legado de Bergoglio. Eles também estão avaliando se querem perpetuar o chamado “efeito Francisco”, a ideia de que uma pessoa carismática, inclusiva e de consciência moral no cenário geopolítico pode atrair novos seguidores e atrair os católicos que abandonaram a Igreja de volta.
Seja qual for o perfil do próximo Papa, o sucessor de Francisco enfrentará muitos desafios para o futuro da Igreja Católica. Veja abaixo os tópicos críticos que estão em jogo.
Durante seus 12 anos de pontificado, Francisco foi manchete mundial por declarações marcantes que incentivaram os liberais, sejam eles católicos ou seculares. Sobre os padres gays, ele disse: “Quem sou eu para julgar”. Do mesmo modo, o Pontífice argentino levantou sua voz em favor dos migrantes, implorou aos líderes mundiais que enfrentassem o aquecimento do clima e criticou o que considerava os excessos do capitalismo e a exploração dos pobres.
Mas essas declarações também fizeram de Francisco alvo de críticas internas sem precedentes, desde a restrição da missa em latim até a acolhida dos migrantes. Uma ala conservadora, especialmente no episcopado americano e africano, também o criticou por sua abertura em relação aos leigos e às mulheres. Sua decisão de abrir caminho para a bênção de casais homoafetivos no final de 2023 provocou uma forte reação.
Nessa perspectiva, o próximo Papa terá de amenizar o atrito entre as diferentes correntes dentro de uma Igreja onde coexistem sensibilidades culturais muito diversas. A questão da sinodalidade — o envolvimento dos protagonistas da Igreja em todos os níveis — também será central.
Apesar das muitas medidas tomadas para combater o abuso infantil na Igreja, como a revogação do segredo pontifício e a obrigação de denunciar os casos à hierarquia, as associações de vítimas expressaram decepção com as ações do Papa Francisco.
Esta questão é um dos maiores desafios para a Igreja e escândalos podem continuar abalando as instituições religiosas nas conferências episcopais de vários países. Muitos Estados asiáticos e africanos consideram essa questão um tabu. Inclusive na Europa, onde a Itália não iniciou uma investigação independente sobre os casos.
A ONG Bishop Accountability, que documenta a violência clerical, pede leis que obriguem a destituição de qualquer abusador comprovado e a publicação dos nomes dos padres condenados pelo direito canônico.
O Papa também é um chefe de Estado e uma autoridade moral cuja voz importa em um mundo atormentado por grandes conflitos, como na Ucrânia, Sudão e Gaza, e que passa por uma transformação caracterizada pela ascensão de governos populistas, pelos perigos associados ao desenvolvimento da inteligência artificial e por uma emergência ecológica.
Francisco irritou Israel, Ucrânia, Rússia e Estados Unidos com suas declarações às vezes abruptas sobre conflitos e migrantes. Seu sucessor escolherá a flexibilidade para acalmar as relações? Também se espera saber quais serão suas posições sobre imigração, tema central do pontificado de Francisco.
Dentro da Igreja, Bergoglio ainda expandiu o Colégio de Cardeais para o que chamou de “periferias do mundo", nações distantes do Vaticano com as populações que mais crescem, bem como para alguns lugares onde os católicos são uma minoria esmagadora. Isso irritou quadros mais conservadores entre os purpurados, antes formados majoritariamente por representantes europeus.
Outra questão delicada é a relação com a China. Durante seu pontificado, Francisco fechou um acordo histórico com Pequim que permite ao governo chinês participar do processo de nomeação de bispos católicos no país. Firmado em 2018 em caráter provisório e renovado pelo Vaticano desde então, o acordo visa aumentar a presença da Igreja no mundo. Mas, embora a palavra final continue sendo do Papa, alguns críticos acreditam que isso compromete a independência da Igreja na China.
Qual lugar as mulheres terão nos próximos anos? Francisco abriu portas ao nomear mulheres para cargos importantes, como a Irmã Simona Brambilla, primeira prefeita de um Dicastério (departamento) da Cúria (com a burocracia do Vaticano é conhecido), em janeiro. Mas as esperanças das associações feministas de uma abertura ao diaconato feminino foram frustradas pelos resultados da última assembleia mundial sobre o futuro da Igreja.
Francisco também convidou leigos, incluindo mulheres, para as reuniões de bispos que ele imaginava serem os principais órgãos de tomada de decisão da Igreja.
Alguns cardeais querem seguir em frente com essas mudanças, ou até mesmo dar saltos maiores. Outros querem retroceder. Mas as maiores divisões podem estar nas questões polêmicas em que Francisco se aproximou da fronteira, mas não a cruzou, incluindo a ordenação de mulheres como diáconos católicos e o uso de controle de natalidade.
O 267º sucessor de São Pedro herda uma Igreja de 1,4 bilhão de fiéis cuja distribuição geográfica é desigual — em plena expansão no Hemisfério Sul, mas com redução constante na Europa. No final de 2023, a Igreja tinha 406.996 padres em todo o mundo, um número 0,2% menor que em 2022. O número de padres aumenta na África e na Ásia, mas diminui em outros lugares.
O novo Papa terá de administrar essas dinâmicas diversas para reavivar a frequência à igreja e as vocações, além de enfrentar a concorrência da Igreja Evangélica, especialmente na África.
Durante mais de uma década, Francisco lutou para reformar profundamente a gestão financeira da Santa Sé e introduzir medidas para aumentar a transparência das finanças infamemente obscuras da Igreja. No entanto, o Vaticano continua sofrendo com um déficit orçamentário crônico, queda nas doações dos fiéis e investimentos financeiros com retornos incertos.
De acordo com um levantamento do Wall Street Journal, o déficit orçamentário do Vaticano triplicou desde o início do pontificado de Francisco, e o fundo de pensão enfrenta um passivo de até € 2 bilhões que não seria capaz de financiar.
Nos últimos anos, escândalos de desvio de dinheiro também afetaram a imagem da Igreja Católica, incluindo a compra de um imóvel de luxo em Londres com dinheiro da Santa Sé envolvendo o influente cardeal Angelo Becciu, que não foi autorizado a votar neste conclave.
Próximo dos fiéis, o argentino Francisco quebrou os códigos com um estilo singular, o que o levou a se recusar a aceitar os aposentos papais para ir morar na sóbria residência de Santa Marta, a circular em um simples Fiat 500, a responder cartas de fiéis ou a aceitar o chá mate oferecido a ele pelos peregrinos durante grandes congregações.
Por outro lado, também foi criticado por seu estilo muito pessoal de governar, às vezes considerado autoritário, e por sua excepcional capacidade de comunicação: falava muito em público sobre diversos temas, às vezes preocupando os diplomatas da Santa Sé.
O próximo Papa terá de conseguir se mostrar próximo dos fiéis sem dar a impressão de "imitar" Jorge Mario Bergoglio, e terá de encontrar uma nova maneira de imprimir seu próprio estilo.