O pão com chicharrón, um sanduíche crocante de porco com salsa criolla, prato clássico da culinária matinal peruana que despertou uma discussão política no país (Getty Images/Getty Images)
Agência de Notícias
Publicado em 20 de setembro de 2025 às 14h57.
Última atualização em 20 de setembro de 2025 às 14h59.
Lima, 20 set (EFE) – O pão com chicharrón, vencedor do peculiar “Mundial de Cafés da Manhã” organizado pelo streamer espanhol Ibai Llanos em suas redes sociais, foi durante semanas o grande tema de conversa no país, um fenômeno viral que se transformou em questão de Estado, com a intervenção até mesmo do governo para incentivar as pessoas a votar, diante das críticas de quem vê nisso uma tentativa de desviar a atenção da opinião pública.
Nem mesmo a seleção de futebol, que perdeu a chance de ir ao próximo Mundial ao mesmo tempo em que o pão com chicharrón se proclamava campeão do mundo, tem o poder de unir os peruanos em uma só causa como faz a comida — um elemento absolutamente transversal, presente tanto em restaurantes caros como em barracas de rua, como no caso do ceviche.
A expansão internacional da gastronomia peruana, iniciada pelo chef Gastón Acurio, fez com que os peruanos encontrassem na comida seu maior motivo de orgulho nacional e identidade coletiva, além de “um dos poucos consensos sociais do século XXI”, comenta à EFE o antropólogo peruano Alexander Huerta-Mercado.
E em um país marcado por profundas divisões étnicas, econômicas, sociais e geográficas desde os tempos coloniais — lembra Huerta-Mercado — “a comida tem sido um espaço de prazer que nem o inexistente Estado de bem-estar nem o futebol conseguiram proporcionar”.
A comida crioula sempre esteve à mesa, fruto da mestizaje (mistura) de várias migrações — europeias, africanas e asiáticas —, uma fusão que hoje enche os peruanos de orgulho, seja em restaurantes de luxo ou em competições internacionais de gastronomia.
Embora o pão com chicharrón não seja um café da manhã particularmente barato, os peruanos se mobilizaram em massa para levá-lo ao topo, e até mesmo avós buscaram, com a ajuda de filhos e netos, formas de votar pelo TikTok, Instagram ou YouTube.
O país já tinha experiência nesse tipo de votação online, já que do mesmo modo conseguiu que Machu Picchu fosse escolhida como uma das sete maravilhas do mundo moderno.
Nas últimas semanas, portais digitais acompanhavam minuto a minuto a votação; canais de televisão entrevistavam gastrônomos para falar da receita do pão com chicharrón e faziam entradas ao vivo em chicharronerías de Lima, que registraram aumento de 40% na demanda.
Na capital peruana, foi preparado “o maior chicharrón do mundo”, milhares de pães com chicharrón foram distribuídos gratuitamente, e começaram a ser vendidas camisetas estampadas com o sanduíche.
Ibai “ficava impressionado” de sua casa com a onda de expectativa que se formou e à qual rapidamente aderiram instituições estatais, como o governo e prefeitos.
Não faltou sequer o ex-candidato presidencial Alfredo Barnechea, que nas eleições de 2016 viveu pessoalmente como a comida pode fazer ganhar ou perder votos no Peru, ao rejeitar um chicharrón durante visita a um mercado na campanha, episódio que virou escárnio nacional e derrubou sua intenção de voto.
Ao ser confirmado que o Peru havia vencido o “Mundial de Cafés da Manhã”, a presidente Dina Boluarte — a mais impopular da América Latina, com apenas 3% de aprovação segundo várias pesquisas — celebrou publicamente em um discurso oficial, em meio a questionamentos ao Executivo e ao mal-estar por uma recente reforma do sistema de pensões.
Na sequência, o governo declarou o segundo domingo de setembro como o “Dia Nacional do Pão com Chicharrón de Porco Peruano”.
“Foi um momento um pouco de cortina de fumaça, mas também de alívio social e alegria”, aponta Huerta-Mercado.
“Como antropólogo, desconfiei desse aproveitamento político, mas também é positivo que, em uma realidade tão dura como a do Peru, existam elementos de prazer e orgulho coletivo; que as pessoas não apenas busquem sobreviver, mas viver bem ou, ao menos, viver a alegria de viver”, acrescentou.
Huerta-Mercado vê nesse fenômeno também uma “necessidade de validação que confirme nossa existência no plano global”.
“Já provou o ceviche?” é a pergunta que qualquer estrangeiro que chega ao Peru ouvirá repetidamente, enquanto o anfitrião espera um elogio.
“Me preocupa um pouco essa necessidade que temos de reconhecimento. Quero ver como isso se materializa quando vierem nos entregar uma frigideira dourada”, disse Huerta-Mercado sobre o anúncio de Ibai de viajar ao Peru para entregar o troféu do seu “Mundial”.