Mundo

Por que o Brics defende tanto o multilateralismo —e como isso confronta Trump

Bloco faz reunião de cúpula no Rio de Janeiro neste domingo e tem a questão como uma de suas principais bandeiras

Reunião do Brics, no Rio de Janeiro, durante discurso do presidente Lula (Mauro Pimentel/AFP)

Reunião do Brics, no Rio de Janeiro, durante discurso do presidente Lula (Mauro Pimentel/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 6 de julho de 2025 às 13h59.

Um dos principais temas da reunião de cúpula do Brics, realizada neste domingo, 6, é a defesa do multilateralismo. Ou seja: que os países busquem resolver as questões em debates conjuntos e seguindo as regras internacionais combinadas antes, em vez de buscarem agir por conta própria e com o uso da força.

O tema foi citado com destaque na fala de abertura do encontro, porque o modelo está em crise.

"A ONU completou 80 anos no último dia 26 de junho e presenciamos colapso sem paralelo do multilateralismo. Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque. Avanços arduamente conquistados, como os regimes de clima e comércio, estão ameaçados", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso.

Nos últimos meses, o presidente dos EUA, Donald Trump, tem agido de forma unilateral. Ao impor tarifas de importação a outros países, ele tem ido contra as regras fechadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Trump diz que os EUA são prejudicados nos negócios com outros países, por comprar mais itens do que vende, gerando, um déficit comercial. No entanto, esse tipo de queixa deveria ser julgado pela OMC, que então decidiria se o país poderia aplicar novas taxas.

Da mesma forma, o presidente russo Vladimir Putin decidiu invadir a Ucrânia, em 2022, sob argumento de que o país vizinho seria uma ameaça. Pelas regras internacionais, o caso deveria ter sido levado ao Conselho de Segurança da ONU, mas Putin agiu por conta própria.

Trump agiu de modo similar ao fazer ataques contra o programa nuclear do Irã, em junho, sem aval do Conselho.

Brics debaterá o tema

Neste domingo, as duas sessões plenárias do Brics tratarão destes temas. A primeira, prevista para o fim da manhã, será sobre Paz, Segurança e Reforma da Governança Global". A segunda, de tarde, tem como tema o Fortalecimento do Multilateralismo, Assuntos Econômico-Financeiros e Inteligência Artificial”

"Se a governança internacional não reflete a nova realidade multipolar do século 21, cabe ao Brics contribuir para sua atualização. Sua representatividade e diversidade o torna uma força capaz de promover a paz e de prevenir e mediar conflitos. Podemos lançar as bases de uma governança revigorada", disse Lula.

Para que o multilateralismo funcione, é preciso que as instituições internacionais, como a ONU, o FMI e a OMC tenham poderes de fato para resolver as demandas que surgem.

Assim, outra demanda da reunião do Brics é o avanço na reforma dessas instituições, que foram criadas há cerca de 80 anos, de modo a evitar que países mais fortes, como os Estados Unidos, dominem esses fóruns e possa travar sua atuação.

O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, tem cinco membros permanentes e com poder de vetar sozinhos as decisões. São eles EUA, China, Rússia, Inglaterra e França. O Brasil e a Índia defendem há anos uma mudanças das regras e a criação de mais assentos permanentes.

"Uma mudança concreta agora no curto prazo é bem improvável, mas essas mudanças demoram um tempo de amadurecimento. Independente da mudança acontecer agora não, o Brics tem um papel fundamental de manter esse tema na agenda", diz Marianna Albuquerque, pesquisadora do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID-UFRJ).

Foto de família com os líderes do Brics, no Rio de Janeiro (Pablo Porciúncula/AFP)

Estratégias de mudança

Uma das formas de pressionar por mudanças é que novos países que queiram se juntar ao Brics precisam passar a defender também a reforma das instituições globais. Hoje o Brics tem 11 países, sendo que seis deles foram admitidos no ano passado.

"Quanto mais o Brics se expande, isso se torna uma forma do Brasil e da Índia, que tem o interesse nessa reforma do Conselho de Segurança, de negociarem e angariarem mais apoio", diz Albuquerque.

Assim, os países precisam concordar com uma reforma, embora não necessariamente defender que Brasil e Índia entrem no Conselho de Segurança como membros plenos, uma demanda histórica dos dois países.

Além disso, os países integrantes do Brics precisam assumir um compromisso de não impor sanções unilaterais a outros países, como as que a Europa impôs contra a Rússia após a invasão da Ucrânia. Medidas do tipo precisam ser aprovadas pela ONU, de acordo com o direito internacional.

A pesquisadora aponta, ainda, que a defesa do multilateralismo no Brics não é algo recente.

"Apesar de nesse momento parecer que o referente dessa questão do multilateralismo são os Estados Unidos, não é de agora que o Brics defende o multilateralismo. É um ponto colocado como prioridade pelo desde que ele começou a se reunir no início dos anos 2000", diz Albuquerque.

Acompanhe tudo sobre:BricsEstados Unidos (EUA)Conselho de Segurança da ONU

Mais de Mundo

Líderes do Brics se reúnem na abertura da cúpula; veja a foto oficial

Negociações para sistema próprio de pagamento do Brics avançam

Lula critica ataque ao Irã e diz que 'temor nuclear voltou' em fala de abertura do Brics

Paris fecha três espaços de mergulho no Sena devido à chuva um dia após abertura