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Quais os próximos passos das conversas entre Lula e Trump — a Venezuela poderá entrar na mesa

Indicação de Marco Rubio para participar das negociações gera preocupação entre analistas

Os presidentes Lula e Donald Trump, em fotomontagem: líderes negociam como retirar tarifas impostas ao Brasil (AFP)

Os presidentes Lula e Donald Trump, em fotomontagem: líderes negociam como retirar tarifas impostas ao Brasil (AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 7 de outubro de 2025 às 06h01.

Última atualização em 7 de outubro de 2025 às 09h48.

A negociação entre Brasil e Estados Unidos teve mais um capítulo importante nesta segunda-feira, 6. Os presidentes Lula e Donald Trump se reuniram para uma conversa por ligação, de 30 minutos, pela manhã, e divulgaram mensagens positivas após a reunião. Os próximos passos, no entanto, seguem incertos, e analistas apontam que outros temas, como a situação política e econômica da Venezuela, poderão entrar nas conversas.

O principal ponto é que não houve nenhum anúncio de medidas concretas. Os dois lados disseram que pretendem marcar uma reunião presencial, mas sem dizer quando nem onde ela ocorrerá.

Lula sugeriu que o novo encontro poderia ocorrer durante a Cúpula da Asean, na Malásia, que será realizada entre os dias 26 e 28 de outubro. Os dois presidentes confirmaram presença no encontro, mas uma conversa bilateral ainda é dúvida.

Trump disse ainda que seu secretário de Estado, Marco Rubio, ficará responsável por coordenar as conversas com a equipe de Lula, que inclui o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).

Os impactos da escolha de Rubio dividem os analistas, que apontam que isso aumenta as chances de que o governo americano busque convencer o Brasil a tomar medidas em relação à Venezuela.

Valentina Sader, vice-diretora do centro de América Latina do think tank Atlantic Council, de Washington, avalia como positiva a realização da conversa e diz que a nomeação de Rubio não deve trazer problemas ao Brasil.

"O fato de o enviado Richard Grenell ter contribuído para uma conversa mais direta entre os dois governos pode ser indicativo de que o escopo das negociações se amplie para além das tarifas e comércio bilateral, podendo vir a incluir temáticas que são prioritárias para os americanos na América Latina, como a questão da Venezuela", afirma, em conversa com a EXAME.

“Demos um passo importante para a negociação, mas o cenário ainda é incerto”, diz Bruna Santos, diretora do programa de Brasil do think tank Inter-American Dialogue.

Santos vê de outra forma a indicação de Rubio. "[Isso] pode manter o componente político da negociação em evidência, o que tende a travar o diálogo técnico com o Brasil", diz.

“Falta, do lado americano, uma figura de perfil mais construtivo e econômico, capaz de conduzir o follow-up e o controle de danos sem a toxicidade da barganha política. A leitura geral é de ausência de plano claro em Washington, o que reforça a necessidade de cautela e coordenação do lado brasileiro”, avalia Santos.

"Os brasileiros acham que correu bem, mas nomear Marco Rubio como o homem de ponta de Trump é o caminho mais difícil para o Brasil. Ele é um cético de longa data em relação a Lula e pode insistir em demandas relacionadas à Venezuela, China e muito mais", disse Brian Winter, analista político e editor-chefe da revista Americas Quarterly, em post no X.

Paulo Figueiredo, que tem atuado nos EUA junto ao deputado federal Eduardo Bolsonaro para convencer o governo Trump a adotar medidas contra o Brasil, disse considerar que a escolha de Rubio é um mau sinal para o governo brasileiro.

“Acordei embasbacado vendo a imprensa comemorando porque Trump colocou Marco Rubio para negociar com o Brasil. Zero de avanço! O grau de desconexão com a realidade é patológico. Como disse: a luz no fim do túnel é um trem”, afirmou, em uma postagem.

Rubio, que é filho de cubanos que imigraram aos EUA e foi senador pela Flórida por 14 anos, tem colocado como prioridade combater regimes de esquerda.

Neste ano, o governo Trump disse considerar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, como chefe de um grupo criminoso. Forças americanas têm afundado barcos na costa da Venezuela, sob a acusação de que eles estariam transportando drogas.

Lula já teve grande proximidade com Maduro e seu antecessor, Hugo Chávez, mas o Brasil se afastou da Venezuela após Maduro reivindicar a reeleição para um terceiro mandato, em 2024, em uma votação questionada internacionalmente, pois os dados eleitorais não foram revelados.

Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA (Nathan Howard/AFP)

Rubio aplicou sanções a Moraes

O Departamento de Estado também foi responsável por aplicar as sanções contra Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em julho, Rubio postou mensagens com ataques à Justiça brasileira e disse ter ordenado a retirada de visto de Moraes.

"A caça às bruxas política do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não apenas viola direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil, atingindo os americanos", publicou Rubio, na rede social X, em julho. "Portanto, ordenei a revogação dos vistos de Moraes e seus aliados na corte, bem como de seus familiares próximos, com efeito imediato", disse.

Em setembro, após a condenação de Bolsonaro, Rubio prometeu que os EUA dariam uma "resposta". Em seguida, o governo americano anunciou sanções contra a esposa de Moraes, Viviane, e uma empresa da família.

No entanto, Rubio não publicou mensagens ou deu declarações contra o Brasil nas últimas semanas e tem acompanhado outras mudanças de posicionamento de Trump, que é seu chefe direto.

"Rubio talvez tenha a noção de que não negociar levaria o Brasil a cair no colo da China", diz Vinicius Vieira, professor de relações internacionais na FGV.

Ele avalia que o governo americano possa se afastar de Bolsonaro em busca de resultados mais concretos no objetivo de trazer mais ganhos materiais aos EUA.

"No fim, talvez prevaleça o pragmatismo empresarial sobre qualquer ideologia. Acho que o próprio Trump sabe que ele não precisa necessariamente de atores similares ao bolsonarismo para ter sucesso na busca dos interesses americanos", diz Vieira.

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