O próximo pontífice herdará uma instituição polarizada, marcada por disputas entre conservadores e progressistas (Alberto Pizzoli/AFP)
Repórter
Publicado em 26 de abril de 2025 às 15h41.
Última atualização em 26 de abril de 2025 às 16h34.
Com a morte do Papa Francisco, a Igreja Católica inicia uma nova etapa de sua história em meio a grandes tensões internas e profundas transformações globais. O próximo pontífice herdará uma instituição polarizada, marcada por disputas entre conservadores e progressistas, e precisará encontrar caminhos para a reunificação sem abrir mão do legado de abertura deixado por Francisco.
Além disso, terá o desafio de equilibrar a continuidade das reformas internas — como a inclusão de mulheres em cargos de liderança — com a necessidade de manter a credibilidade diante das crescentes denúncias de abusos e da perda de fiéis em regiões tradicionais.
No cenário externo, a missão será igualmente complexa. O novo Papa terá que reafirmar a presença moral católica diante das grandes crises globais, como guerras, migrações forçadas e mudanças climáticas, enquanto responde às pressões para adotar um perfil mais conservador.
Mais do que nunca, o pontífice precisará manter um delicado equilíbrio entre a liderança espiritual e a atuação política, sem perder a capacidade de dialogar com um mundo cada vez mais dividido.
"O Papa é chamado a ser a voz do Evangelho no meio de um mundo que grita por justiça, paz e esperança. Silenciar-se diante disso seria trair a sua missão", diz Frei David Santos, diretor executivo da EDUCAFRO Brasil.
A seguir, veja os 6 principais desafios do próximo Papa, segundo pesquisadores e membros da Igreja.
Um dos maiores desafios será sanar as divisões internas que se acirraram durante o pontificado de Francisco. A professora de Antropologia da Religião da Unicamp, Brenda Carranza, explica:
"Me parece que o maior desafio que o futuro Papa vai enfrentar é pacificar internamente a Igreja, no que pode ser entendido como uma polarização entre conservadores e ultraconservadores e progressistas."
Carranza destaca que a pacificação só poderá ocorrer a partir da eleição de uma figura moderada, capaz de dialogar com as 4 tendências internas do catolicismo:
"Essas quatro tendências precisam ser contempladas. O grande desafio será encontrar um perfil que consiga fazer uma média entre forças tão distintas", diz.
Segundo Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FAAP e da FGV, existe uma expectativa de que o próximo Papa adote uma postura mais conservadora.
"Depois de um papado em que houve claras tentativas de reforma e aproximação do povo, podemos esperar uma volta desse pêndulo para um perfil mais conservador, mesmo que o novo Papa venha do Sul global", afirma Vieira
Vieira observa ainda que a tendência política mundial mais inclinada à direita poderá influenciar o novo pontífice a adotar um tom mais espiritual e menos engajado em debates políticos como meio ambiente e economia.
A queda no número de fiéis na Europa e nas Américas, aliada ao crescimento do catolicismo na África e na Ásia, também exigirá atenção, de acordo com Paulo Raphael Oliv. Andrade, professor de Filosofia e Teologia da PUC-SP.
"O desafio interno é como anunciar o Evangelho para pessoas que estão menos sensíveis aos apelos espirituais. E isso envolve transmitir a mensagem cristã sem ceder às pressões de diluição ideológica", afirma.
Para Frei David Santos, diretor executivo da Educafro Brasil, o diferencial do Papa Francisco foi levar a palavra para todos.
"Francisco pregava o Evangelho para o mundo inteiro, não apenas para os católicos”, afirma. “O próximo Papa terá o desafio de levar e viver os ensinamentos de Cristo, assim como fazer bispos e padres viverem o Evangelho com mais plenitude, atualizando-o para os dias de hoje.”
As mudanças administrativas promovidas por Francisco, como a maior inclusão de mulheres em postos de liderança no Vaticano, também estarão na mesa do próximo Papa.
"Esse vai ser um desafio delicado. Hoje há espaço para mulheres na administração do Vaticano, e como isso será tratado pela nova liderança será crucial," conta Vieira.
Para André Leonardo Chevitarese, professor de História da UFRJ, o próximo Papa terá de lidar com outras questões internas delicadas, além da promoção de mais mulheres no Vaticano como: o combate aos abusos, o acolhimento às famílias homoafetivas e a modernização da Cúria Romana.
"O Papa precisará enfrentar todos esses pontos, mas o que foi o pontificado de Francisco? Ele dialogou com a queda do número de fiéis, promoveu a renovação da estrutura eclesial e foi firme na gestão dos casos de abusos", conta o professor. "Hoje, 80% da Cúria Romana, do colégio que vai eleger o novo Papa, foi indicada por Francisco."
A questão racial também entra na lista dos desafios. Frei David lembra que o Papa Francisco já fez diversos discursos incentivado a inclusão — especialmente nas escolas, universidades e espaços de poder — locais que ainda refletem desigualdades históricas.
"Entregamos ao Papa Francisco uma carta pé no chão, que coloca o dedo nas feridas reais do racismo no Brasil. Mostramos como a Igreja, que tem a maior rede de escolas do país, precisa se comprometer de verdade com a inclusão dos pobres e dos negros", afirma o diretor executivo da Educafro Brasil.
Embora exista pressão para que o novo pontífice priorize questões espirituais, ele não poderá se omitir em relação a grandes crises globais, especialmente os conflitos armados.
"Não espere um Papa silencioso em relação a conflitos, principalmente as guerras, porque, como um líder religioso, ele sempre será favorável à paz", diz Vieira.
Para Carranza, da Unicamp, o futuro pontífice precisará ter capacidade de diálogo internacional.
"O próximo Papa precisará transitar bem em instâncias multilaterais e continuar a tradição de se posicionar frente aos grandes desafios globais, como a migração, os refugiados, as mudanças climáticas e os conflitos armados", afirma.
Para o historiador da UFRJ, o próximo Papa precisará dar continuidade a pautas que Francisco colocou no centro do debate global, como a defesa da paz, o cuidado com o meio ambiente e o diálogo inter-religioso.
"O Papa Francisco colocou questões fundamentais para a Igreja e para o mundo. Todas as suas pregações nos últimos anos caminharam no sentido de buscar a paz entre russos e ucranianos, e o gesto simbólico de reunir Donald Trump e Volodymyr Zelensky na Basílica de São Pedro neste sábado mostra a força desse cargo."
Os presidentes Donald Trump e Volodymyr Zelensky, durante conversa na Basílica de São Pedro, no Vaticano, durante o funeral de Papa Francisco (Presidência da Ucrânia/AFP)
O Frei David também reforça que o Papa tem como dever falar abertamente sobre o que está errado no mundo.
“O Papa Francisco falava abertamente quando o presidente Trump cometia um erro ou quando os países europeus estavam fechando suas portas para os imigrantes. Ele apontava para um mundo melhor a partir do evangelho de Jesus Cristo, e é isso que esperamos do próximo Papa”, diz.
Chevitarese também destaca que temas como a crise climática ganharam espaço inédito na agenda do Vaticano com a publicação da encíclica Laudato Si'.
"A questão ambiental foi colocada pelo Papa Francisco de forma muito forte. Ele chamou atenção para a exploração predatória dos oceanos, para os riscos da mineração e para a necessidade de uma responsabilidade global com o planeta — uma pauta que muitos líderes ainda hoje tentam negar."
Sobre a postura política do futuro Papa, os especialistas são unânimes: é impossível a neutralidade total.
Para Andrade, professor de teologia, um Papa não possui uma postura neutra.
"O Papa deve manter uma postura espiritual, mas jamais neutra. Ele se posiciona sempre com base em valores evangélicos, sem partidarismos, mas com clareza nas questões essenciais", afirma.
A antropóloga Carranza também defende o mesmo pensamento.
"Todo Papa tem que se posicionar em questões políticas porque ele é chefe de Estado. Se adotar uma postura neutra, sua voz se apaga no cenário internacional", diz. “Não tem como fugir. Calar ou falar já é uma postura política.”