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Quais serão os próximos passos para negociar o tarifaço de Trump após a reunião entre Rubio e Vieira

Equipes dos dois governos destravaram diálogo e agora preparam encontro presencial entre os dois presidentes

O chanceler do Brasil, Mauro Vieira (à esq.), com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em encontro em Washington (Itamaraty/Divulgação)

O chanceler do Brasil, Mauro Vieira (à esq.), com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em encontro em Washington (Itamaraty/Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 17 de outubro de 2025 às 12h23.

Última atualização em 17 de outubro de 2025 às 12h57.

A negociação entre o Brasil e os Estados Unidos para rever as tarifas impostas pelos americanos aos produtos brasileiros teve um avanço importante na quinta-feira, 16, mas ainda há vários passos antes de um possível acordo.

Na quinta, o secretário Marco Rubio e o ministro Mauro Vieira, chefes das diplomacias dos dois países, tiveram uma reunião em Washington. Após o encontro, os dois países divulgaram um comunicado conjunto em que disseram concordar em "conduzir discussões em várias frentes, além de estabelecer uma rota de trabalho conjunta".

"Ambas as partes também concordaram em trabalhar conjuntamente pela realização de reunião entre o Presidente Trump e o Presidente Lula na primeira oportunidade possível”, diz o comunicado.

Assim, agora haverá reuniões entre equipes de negociadores dos dois países para identificar pontos em que o Brasil possa fazer concessões, de modo a convencer os americanos a retirar a tarifa de 50% imposta aos produtos brasileiros a partir de agosto.

"A gente conseguiu, com essa conversa, ver frutos da conversa bilateral entre Lula e Trump na ONU. O diálogo foi efetivamente destravado. O grande ponto aqui é olhar para o futuro e ver se esse escalonamento vai continuar", diz José Pimenta, diretor de Comércio Internacional da consultoria BMJ.

Durante semanas, o governo brasileiro tentou entrar em contato para negociar as tarifas, mas não conseguiu interlocução. O cenário mudou em setembro, após uma breve conversa presencial entre Lula e Trump nos bastidores da Assembleia Geral da ONU. Depois, os presidentes tiveram uma ligação telefônica, em 6 de outubro, seguida pelo encontro dos chanceleres, na última quinta-feira.

"Salvo alguma decisão muito personalista [de Trump] no curto prazo, o que a gente tem de ver agora é uma normalização dessas negociações. Mas não dá para dizer que as tarifas vão cair amanhã ou que vai ter um acordo relacionado a terras raras no curtíssimo prazo; não funciona assim", afirma Pimenta.

"Apesar da ausência de anúncios concretos, o tom da conversa marcou uma mudança relevante. Os dois governos demonstraram disposição para reconstruir uma relação pragmática. O tema central foi o tarifaço de 50% sobre as exportações brasileiras", diz Bruna Santos, diretora do programa de Brasil do think tank Inter-American Dialogue, com sede em Washington.

"O Brasil busca reduzir ou suspender a tarifa enquanto as negociações avançam", diz Santos.

Raquel Rocha, diretora sênior de assuntos públicos e governamentais da FTI Consulting, também vê a reunião com resultado positivo, mas faz ponderações. "Esse impacto se traduz na expectativa de melhora nas condições do comércio exterior, redução das barreiras tarifárias e maior segurança para investimentos e exportações brasileiras", diz.

Para ela, o avanço das conversas "pode dinamizar setores exportadores estratégicos, principalmente o agronegócio, a indústria de base, as máquinas e equipamentos e o setor têxtil, além de fomentar relações comerciais mais sólidas e estratégicas para o Brasil".

"No entanto, é importante destacar que esta é apenas parte inicial de um processo longo e intricado de negociação, que ocorre em um período geopolítico particular, sujeito a diversos acontecimentos externos que podem influenciar o progresso das negociações", afirma Rocha.

A lista de demandas atuais dos americanos não foi tornada pública, mas analistas e pessoas próximas às conversas apontam três áreas principais: a abertura do mercado brasileiro ao etanol americano, a redução de regulamentações brasileiras contra empresas de tecnologia dos EUA e o aumento do acesso americano a minerais críticos.

No caso do etanol, o Brasil cobra taxa de 18% sobre o etanol americano, enquanto a tarifa média para produtos americanos é de 5%.

"É difícil obter uma redução transversal das tarifas sobre produtos americanos, mas, no caso do etanol, não acho que seja impossível", diz Thiago Vidal, diretor de análise política na consultoria Prospectiva.

Incógnita política

Além da parte comercial, ainda há dúvidas sobre o aspecto político da negociação. Em julho, Trump anunciou que taxaria o Brasil em 50% para forçar o país a suspender o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, entre outras razões.

Bolsonaro foi condenado por tentativa de golpe de Estado, em setembro, e Trump não falou mais dele. No entanto, o governo dos EUA aplicou sanções contra Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, e outras punições a autoridades brasileiras, que seguem em vigor.

"É um ponto notável o distanciamento de Washington em relação à família Bolsonaro, sinal de que o tema perdeu relevância na agenda bilateral", avalia Santos, do Inter-American Dialogue.

Bolsonaro não foi citado no comunicado conjunto elaborado entre os dois países, após a reunião de quinta-feira, mas o deputado federal Eduardo Bolsonaro segue fazendo campanha contra as negociações brasileiras em Washington. Na quarta-feira, ele diz ter se reunido com autoridades americanas.

Quando Trump e Lula vão se encontrar?

Embora os governos do Brasil e dos EUA tenham dito que uma reunião entre os dois presidentes deverá ocorrer em breve, a data para isso ainda está sendo negociada.

De modo geral, as reuniões entre presidentes tratam de temas que já foram negociados antes pelos diplomatas. Assim, é preciso algum tempo para realizar as conversas técnicas, nas quais se debata o que cada lado pode oferecer. Essas negociações estão em andamento agora.

Depois disso, é preciso definir uma data viável. Uma oportunidade será a reunião de Cúpula da Asean, de 26 a 28 de outubro, em Kuala Lumpur, na Malásia. Trump e Lula disseram que irão ao evento e poderão se reunir às margens do encontro.

Lula também disse que poderia ir aos Estados Unidos se encontrar com Trump. Uma vinda de Trump ao Brasil parece improvável.

As negociações do tarifaço também dependem muito do humor e das decisões pessoais de Trump. Em vários casos, ele fez mudanças bruscas de posição, incluindo, no caso do Brasil, o que torna o cenário ainda bastante incerto.

"Basta um post do Trump na Truth Social para a gente voltar à estaca zero, mas tudo leva a crer que a gente pode caminhar para um final muito melhor do que foi o início conturbado desse governo Trump 2", diz Vidal, da Prospectiva.

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