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Risco de recessão nos EUA: entenda a origem dos temores do mercado

País teve crescimento firme nos últimos anos, mas medidas de Trump trazem incertezas para os próximos meses

Posto de combustíveis em Chicago: tarifas ao Canadá podem impactar preço da gasolina nos EUA (Scott Olson/AFP)

Posto de combustíveis em Chicago: tarifas ao Canadá podem impactar preço da gasolina nos EUA (Scott Olson/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 10 de março de 2025 às 12h09.

O risco de uma recessão nos Estados Unidos voltou a ser debatido nos últimos dias, após alguns indicadores mostrarem um esfriamento da economia do país e o presidente Donald Trump dizer que a economia americana está em um "período de transição".

Um dos dados que mais chamaram a atenção foi a do braço do Banco Central americano (Fed) de Atlanta. O indicador GDPNow, que busca prever o PIB dos EUA a partir de vários dados disponíveis, passou a apontar uma retração de 2,4% no PIB do país no primeiro trimestre de 2025, na taxa anualizada.

O dado precisa ser visto com cautela, mas foi suficiente para fazer os mercados levantarem as sobrancelhas. Há duas semanas, por exemplo, o modelo indicava um crescimento de 2,3% da economia. Trata-se, portanto, de um indicador volátil. Segundo o comunicado do Fed de Atlanta, o que mais pesou foi a expectativa de menos exportações americanas.

"Após as divulgações recentes do Institute for Supply Management, do US Bureau of Economic Analysis e do US Census Bureau, as previsões do crescimento das despesas reais de consumo pessoal e do investimento real bruto privado doméstico no primeiro trimestre aumentaram de 0,0% e 2,5%, respectivamente, para 0,4% e 4,8%", diz trecho da nota do Fed. "Enquanto isso, a estimativa da contribuição das exportações líquidas para o crescimento do PIB real no primeiro trimestre caiu de -3,57 pontos percentuais para -3,84 pontos percentuais."

Para entrar em recessão, um país precisa ter dois trimestres seguidos de queda na economia. Houve uma desaceleração no fim do ano: até o fim do terceiro trimestre de 2024, o crescimento anualizado foi de 3,1%. Mas, no final do quarto trimestre, o PIB dos EUA fechou o ano com um crescimento de 2,3% — uma diferença de 0,8 ponto percentual.

O risco de recessão passou a ser ainda mais citado após uma entrevista de Trump, no domingo, 9. Perguntado se esperava uma recessão neste ano no país, ele disse que está ocorrendo um período de transição.

"Eu odeio prever coisas assim. Há um período de transição porque o que estamos fazendo é muito grande. Estamos trazendo a riqueza de volta para a América. É uma grande coisa", disse Trump.

O presidente, no cargo há quase dois meses, determinou a criação de uma série de tarifas comerciais, a países como México, China e Canadá. Além disso, as medidas anunciadas têm sido adiadas e modificadas de forma frequente, o que gera um clima de incerteza.

Neste contexto, pesquisas mostram que os americanos estão ficando mais cautelosos. O consumo real caiu em janeiro, pela primeira vez em dois anos, segundo o Financial Times.

Um levantamento da Universidade de Michigan apontou que a expectativa média de inflação para o ano seguinte atingiu 3,3% em janeiro. Em novembro, o indicador estava em 2,6%. Outro levantamento aponta que 48% das pessoas esperam alta do desemprego nos próximos meses. Em 2024, eram 32%.

Alguns outros dados indicam cautela. O gasto de construção para a indústria estagnou no começo deste ano, após altas contínuas desde 2021. Um índice do banco Goldman Sachs que mede novos pedidos na indústria, além de outros dados, passou para 48,3, o que indica retração (acima de 50, há expansão).

Efeitos das medidas de Trump

As medidas de Trump afetam a economia de várias formas, segundo economistas. O setor automotivo, por exemplo, tem cadeias de produção integradas entre Canadá, México e EUA, com cada parte da fabricação feita em um país. Assim, as tarifas criadas pelo novo presidente, se forem de fato implantadas, vão encarecer a fabricação de carros e outros veículos.

As tarifas poderão elevar a inflação por dois fatores principais: importações ficarão mais caras, pois os fabricantes deverão repassar os novos custos aos consumidores finais, e haverá menos competição com produtos importados, o que pode levar fabricantes nacionais a subirem seus preços.

O aumento da fiscalização contra imigrantes também deve reduzir o número de trabalhadores disponíveis, o que aumentará custos de produção. Estrangeiros sem documentos respondem por cerca de 5% da força de trabalho do país, e a retirada deles também afeta outras áreas da economia, pois eles compram produtos e serviços nas cidades onde vivem.

Além disso, Trump criou um departamento para cortar empregos públicos, contratos e investimentos do governo, o que traz mais incertezas. O banco de investimentos Evercore estima que os cortes poderão afetar entre 500 mil e 1,4 milhão de funcionários até o fim do ano.

Trump diz que as tarifas ajudarão a arrecadar recursos para equilibrar as contas públicas e reduzir o déficit fiscal dos EUA. Ele também defende que a medida fará com que mais indústrias se instalem no país, o que traria mais empregos bem-pagos ao país. O presidente promete também reduzir impostos para empresas, como forma de estimular a economia.

Recessão é esperada há anos

O risco de que os Estados Unidos possam ter uma recessão é citado há alguns anos, desde a crise gerada pela pandemia, mas até agora não se concretizou.

O país se recuperou rapidamente do tombo em 2020, quando a economia encolheu 2,2%. Em 2021, houve alta de 6,1%, seguida por avanço de 2,5% em 2022 e de 2,9% em 2023.

O país também enfrentou alta da inflação, que chegou a 9,1% ao ano em junho de 2022. Em resposta a isso, o Fed (banco central americano) deu início a um ciclo de alta nos juros, que foi interrompido em janeiro. A taxa atual está em 4,25% a 4,5% ao ano.

Na sexta-feira, 6, o presidente do Fed disse que a economia americana está em boa condição e que a entidade monitora a situação da economia do país. "Não precisamos ter pressa e estamos bem posicionados para esperar por maior clareza", afirmou.

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