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Rússia usou o Brasil para 'fabricar' espiões, diz jornal

Operação da Polícia Federal revelou como agentes russos usaram documentos brasileiros verdadeiros para criar identidades falsas e atuar globalmente, segundo o The New York Times

Publicado em 21 de maio de 2025 às 12h36.

Última atualização em 21 de maio de 2025 às 12h41.

Ao longo de anos, o Brasil serviu como uma "fábrica" de espiões para a Rússia, segundo informações publicados pelo New York Times, nesta quarta-feira, 21.

Os agentes construíam identidades falsas completamente integradas, incluindo certidões de nascimento e passaportes brasileiros legítimos, permitindo-lhes atuar disfarçados e viajar para Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.

Entre os casos revelados está Artem Shmyrev, que adotou a identidade de Gerhard Daniel Campos Wittich e manteve uma empresa de impressão 3D no Rio de Janeiro, além de um relacionamento amoroso e uma rotina aparentemente comum. A cobertura era tão convincente que até seus amigos e colegas desconheciam sua real origem.

Como os casos de espionagem foram descobertos?

A descoberta da operação, batizada de “Operação Leste”, envolveu uma investigação meticulosa da Polícia Federal (PF) brasileira, que analisou milhões de registros de nascimento, documentos eleitorais e passaportes em busca de “fantasmas” — pessoas com registros oficiais, mas que jamais viveram no Brasil.

O caso mais emblemático, segundo o NYT, ocorreu em 2022, quando a CIA alertou as autoridades brasileiras sobre um suposto estagiário russo na Corte Penal Internacional, portando um passaporte brasileiro falso.

Ao aprofundar as apurações, os agentes descobriram que vários documentos eram emitidos para pessoas inexistentes, mas com certidões verdadeiras, muitas vezes vindas de áreas rurais com registros menos rigorosos, facilitando a falsificação de histórias de vida.

A estrutura descentralizada do sistema de registros no Brasil foi explorada para dar origem a identidades plausíveis.

A investigação se estendeu por oito países, contando com informações de serviços de inteligência dos Estados Unidos, Israel, Holanda, Uruguai e outras nações. Ao menos nove agentes russos foram identificados, seis deles expostos publicamente pela primeira vez.

Quem eram os espiões

Além de Shmyrev, outros operavam como empresários, modelos ou acadêmicos, e muitos fugiram do Brasil após o avanço das investigações.

A Polícia Federal usou avisos da Interpol para denunciar esses espiões, uma estratégia inusitada que expôs os agentes à comunidade internacional sem precisar acusá-los formalmente de espionagem, já que isso poderia complicar as relações diplomáticas.

Entre os agentes capturados está Sergey Cherkasov, preso por uso de documentos falsos e condenado a cinco anos de prisão, mas cujo processo revelou a complexidade de combater essa modalidade de espionagem.

A infiltração russa no Brasil ocorreu em um momento de tensões globais crescentes após a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, quando governos passaram a priorizar a desmontagem de redes clandestinas, segundo o NYT.

Para especialistas ouvidos pelo jornal norte-americano, o uso do Brasil como “fábrica” de agentes mostra o grau de sofisticação do programa de “ilegais” de Moscou, que preza por oficiais que abandonam por décadas suas vidas anteriores para se tornarem cidadãos de países estrangeiros.

O passaporte brasileiro, com seu amplo acesso a viagens sem visto, somado à diversidade étnica do país, tornou-se uma ferramenta ideal para essas operações.

A exposição dessa rede de espiões evidencia uma mudança na postura brasileira, que historicamente manteve uma posição neutra diante da Rússia, mas agora atua para proteger sua soberania contra infiltrações estrangeiras.

“O que é pior do que ser preso como espião? É ser desmascarado como espião”, disse um investigador brasileiro ao NYT, ressaltando o impacto da operação que abalou o programa russo no país.

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