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'Safáris humanos': o caso de italianos que pagavam R$ 600 mil para matar civis

Crimes de genocídio foram registrados durante durante a Guerra da Bósnia, entre 1992 e 1996

Mateus Omena
Mateus Omena

Repórter

Publicado em 12 de novembro de 2025 às 20h30.

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A Procuradoria de Milão iniciou uma investigação sobre um caso de crueldade: turistas italianos são suspeitos de ter pago até 88 mil libras (aproximadamente R$ 600 mil) para participar de “safáris humanos” durante o cerco de Sarajevo, entre 1992 e 1996, durante a Guerra da Bósnia.

As vítimas seriam civis desarmados, incluindo crianças, que foram alvos de tiros disparados por estrangeiros ricos que viajavam à região para praticar "tiro ao alvo humano".

De acordo com uma publicação do jornal inglês Daily Mail, a acusação foi feita pelo escritor e jornalista Ezio Gavazzeni, com o apoio do ex-magistrado Guido Salvini e da ex-prefeita de Sarajevo Benjamina Karic. A denúncia aponta que os turistas teriam feito acordos com o exército sérvio-bósnio, comandado por Radovan Karadžić, condenado em 2016 a 40 anos de prisão por genocídio e crimes contra a humanidade.

As investigações revelam que os turistas viajavam de Trieste a Belgrado com a companhia aérea sérvia Aviogenex e pagavam militares para participar de “fins de semana de tiro”. O assassinato de crianças era mais caro, segundo informações do jornal espanhol El País.

Como as acusações começaram?

O documentário "Sarajevo Safari", lançado em 2022 pelo cineasta esloveno Miran Zupanic, foi o ponto de partida para as acusações. O filme reuniu depoimentos sobre o chamado “turismo de atiradores de elite”, uma prática que transformava o cerco de Sarajevo em uma atração macabra para estrangeiros.

Durante o cerco, que durou quatro anos, mais de 10 mil pessoas perderam a vida na cidade — o cerco mais longo a uma capital na história moderna.

"Estamos falando de pessoas ricas, com reputação — empresários — que, durante o cerco de Sarajevo, pagaram para matar civis desarmados. Eles saíram de Trieste para uma caçada humana e depois retornaram às suas vidas respeitáveis", afirmou Gavazzeni, um dos autores da denúncia, ao jornal La Repubblica.

O procurador-chefe Alessandro Gobbi declarou que há uma lista de suspeitos e testemunhas que poderão ser chamados para depor. Gavazzeni estima que até 100 turistas possam ter participado dos massacres. Entre os investigados estão um empresário de Milão, proprietário de uma clínica estética, além de cidadãos de Turim e Trieste.

O Ministério Público da Bósnia chegou a abrir uma investigação semelhante, mas o caso foi arquivado por falta de provas e pela dificuldade de apuração em um país ainda marcado pelos traumas da guerra.

Entenda o conflito por trás do genocídio

A Guerra da Bósnia foi um conflito civil pela disputa de territórios na região da Bósnia e Herzegovina, envolvendo três grupos étnicos e religiosos: os sérvios (cristãos ortodoxos), os croatas (católicos romanos) e os bósnios (muçulmanos).

O conflito começou quando os bósnios declararam a soberania da República da Bósnia-Herzegovina, até então presidida por Radovan Karadžić, de origem sérvia. A minoria sérvia não aceitou essa declaração de independência e pediu apoio de Belgrado, então governada por nacionalistas liderados pelo presidente Slobodan Milošević.

Em julho de 1995, as forças comandadas pelo general sérvio-bósnio Ratko Mladic cercaram a cidade de Srebrenica, resultando no assassinato de mais de 8 mil bósnios muçulmanos, de crianças a idosos.

Durante a invasão, os homens foram separados das mulheres e levados em ônibus para serem executados, após sofrerem abusos e maus-tratos. Este foi o maior massacre em massa na Europa desde a Segunda Guerra Mundial e o primeiro caso reconhecido legalmente como genocídio desde o Holocausto.

Forças sérvias cercaram o enclave muçulmano de Srebrenica no início de 1992, bloqueando a chegada de ajuda humanitária. Mesmo com a presença de tropas de paz da ONU, a pressão sérvia aumentou, e o Exército da República Sérvia da Bósnia invadiu a cidade. Os pedidos de ataques aéreos pela Otan foram recusados e, entre 11 e 13 de julho de 1995, mais de 8 mil homens e rapazes foram executados. Mais de 20 mil pessoas foram forçadas a fugir da cidade.

Após as execuções, os corpos foram enterrados em valas comuns. Alguns foram levados para áreas remotas para esconder a magnitude do massacre. Até hoje, mais de 6,9 mil vítimas foram identificadas por meio de exames de DNA, e muitos sobreviventes ainda buscam respostas sobre seus familiares ou tentam localizar restos mortais.

O conflito se estendeu também à vizinha Croácia. A guerra resultou em uma guerra de três anos e meio entre muçulmanos, sérvios e croatas, com cerca de 100 mil mortos e 2,2 milhões de refugiados.

Os ataques acabaram em dezembro de 1995, com a assinatura do Acordo de Dayton, e o reconhecimento da Bósnia por Belgrado.

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