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Silêncio em Seoul: a paralisação geral para o ENEM sul-coreano

Com mais de 550.000 participantes – a maior taxa em 7 anos – o funcionamento normal de capital pausa para o Suneung, o ENEM da Coreia do Sul

Bandeira da Coreia do Sul (Chung Sung-Jun/Getty Images)

Bandeira da Coreia do Sul (Chung Sung-Jun/Getty Images)

Publicado em 14 de novembro de 2025 às 06h01.

A Coreia do Sul organizou nesta quinta-feira, dia 13, as provas de admissão às universidades, semelhantes ao vestibular brasileiro, e, como já é tradição para não desconcentrar os estudantes, diversos voos foram suspensos, a Bolsa abriu uma hora mais tarde e os pais visitaram templos e rezaram por bons resultados.

O temido exame, conhecido localmente como "Suneung", é essencial para a admissão nas melhores instituições de ensino e é amplamente considerado como a porta de entrada para a mobilidade social, a segurança econômica e, inclusive, um bom casamento.

Dependendo das escolhas dos alunos, as cerca de 200 perguntas serão em tópicos entre coreano, matemática, inglês, ciências humanas ou naturais, uma língua estrangeira adicional e Hanja, que são caracteres chineses tradicionais ainda usados em coreano.

Ao todo, a prova dura em torno de 9 horas, sem nenhum tipo de pausa.

Com tanto em jogo, o governo sul-coreano evita perturbações no dia, considerado por muitos o mais importante da vida estudantil.

O controle do tráfego aéreo, em particular, é calculado para coincidir com o momento em que os estudantes farão uma compreensão auditiva em inglês, para evitar barulhos exteriores.

Um total de 140 voos, incluindo 75 internacionais, foram reprogramados entre 13h05 e 13h40 locais devido ao exame, informou o Ministério dos Transportes à AFP.

“Pedimos a todos os passageiros que verifiquem seus horários de partida com antecedência”, disse ao jornal sul-coreano The Korea Herald Joo Jong-wan, chefe de política de aviação do Ministério do Interior.

Enquanto isso, certos serviços aumentam na intensidade: de acordo com o The Korea Herald, a capital de Seoul aumentou as operações do metrô hoje com 29 corridas adicionais entre 6 e 10 da manhã, e 646 veículos adicionais na forma de vans e semelhantes serão empregados para ajudar na mobilidade dos estudantes.

Os mercados e comércios também abriram uma hora mais tarde, mantendo em mente a hora de início do exame, para não atrapalhar com trânsito nas ruas a chegada dos alunos.

Além disso, construções também param, e motoristas são orientados a não buzinar ou até mesmo frear bruscamente perto dos centros de avaliação. Policiais escoltaram pessoalmente alunos que chegaram atrasados e perderam os privilégios da paralisação.

Medicamentos, superstições e rezas – métodos para melhorar a performance

Pais sul-coreanos rezam no templo budista Bongeunsa enquanto seus filhos fazem o exame nacional, conhecido localmente como Suneung, em Seoul, no dia 13 de novembro. (Anthony Wallace/AFP)

No distrito de Gangnam, no sul de Seoul, onde há uma forte concentração de escolas de elite, houve um aumento significativo na demanda por metilfenidato, um medicamento normalmente utilizado para tratar TDAH, conhecido por aumentar o foco e a concentração.

Farmacêuticos na área reportam à mídia local que durante a época do Suneung, interesse na medicação por não pacientes aumenta.

Um deles diz: “Os alunos que normalmente não tomam o medicamento têm vindo perguntar se ele pode ajudá-los a se concentrar.”

Por mais que alguns alunos consumam metilfenidato sob prescrição médica, psiquiatras alertam que os alegados benefícios que a droga promove ainda não são muito bem entendidos em pessoas saudáveis, e que muitos efeitos colaterais – como insônia, ansiedade e palpitações cardíacas – podem piorar o desempenho no dia do exame.

De acordo como Serviço Nacional de Seguros de Saúde da Coreia do Sul, a taxa de prescrição para esses medicamentos é mais alta entre os adolescentes: 2.305 a cada 100.000 pessoas.

A ciência não é a única arma dos alunos: berloques de boa sorte também são comuns. Desde 2006, o Instituto Coreano de Currículo e Avaliações faz lápis coloridos todo ano, com uma cor diferente para cada edição do Suneung.

Considerados conduítes de boa sorte, muitos alunos tentam obter um para fazer a prova – os mais especiais são os que foram usados pelos estudantes com as maiores notas, buscados com a intenção de “absorver” sua sorte e conhecimento.

Brechós também estão inundados com fotocópias das anotações de alunos com a nota perfeita, simulados de estudantes que foram admitidos nas melhores faculdades e até “lanchinhos da sorte” que supostamente trazem calma e boa sorte.

De acordo com sociólogos, esses pequenos rituais refletem o imenso peso mental que as provas têm nos alunos.

Em entrevista ao The Korea Herald, um professor anônimo elabora: “O Suneung não é apenas um exame — é um evento nacional. Nesse ambiente, até mesmo o menor gesto pode ser visto como uma forma de esperança. Os alunos parecem arriscar tudo por esse único dia, que muitos acreditam ser um fator determinante para mudar suas vidas.”

Por fim, depois de levar os filhos aos locais de prova, os pais costumam visitar templos para orar por bons resultados.

"Vou a um templo budista perto da minha casa para rezar com outras mães durante as horas de prova", declarou à AFP Han Yu-na, uma mãe de 50 anos.

Alunos cegos, uma luta ainda maior

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Pessoa lendo em braile, através do tato (Digital Vision/Thinkstock)

O desafio é ainda maior para os alunos cegos ou com visão severamente prejudicada. Forçados a fazer a prova totalmente em braile e com apoios auditivos, a maioria desses alunos continua na sala muito tempo após o último aluno ter saído – muitas vezes batendo as 13 horas de avaliação.

Esses estudantes recebem tempo extra de até 1,7 vez a duração do exame em si. Começam no horário normal, às 8h40, mas enquanto alunos sem problemas de visão saem por volta das 17h40, muitos candidatos com problemas de visão saem apenas às 21h40.

Um fator que contribui às horas adicionais é o volume maciço da versão em braile do Suneung: quando todos os caracteres, frases, gráficos e diagramas são convertidos para a linguagem lida através do tato, cada livreto da prova se torna de seis a nove vezes mais grosso do que seu equivalente escrito, de acordo com apuração da BBC.

A seção de língua inglesa, por exemplo, normalmente com 16 páginas passa ater cerca de 100.

No ano passado, havia 111 alunos conduzindo a prova dessa maneira – 99 com baixa visão e 12 totalmente cegos, ou com deficiência visual grave – de acordo com dados do Ministério da Educação da Coreia do Sul.

Han Donghyun, um aluno totalmente cego de 18 anos, conta à BBC sua experiência de preparo:

“É realmente exaustivo porque o exame é muito longo”, disse ele. “Mas não há nenhum truque especial. Eu apenas sigo meu cronograma de estudos e tento controlar minha condição. Essa é a única maneira.”

Até mesmo o apoio auditivo não oferece alívio – as informações ficam totalmente fora de alcance uma vez que foram providenciadas, ao contrário de textos que podem ser relidos indefinidamente. Alunos com deficiência visual precisam lembrar de tudo que escutam da primeira vez, e guardar todos os detalhes apenas com a memória.

Na parte de matemática, os alunos devem interpretar gráficos e equações complexas convertidas ao braile somente com seus dedos, através do tato. Mesmo assim, as condições hoje são melhores do que já foram: desde 2016, candidatos com esse tipo de deficiência podem usar um sistema de anotação em braile chamado Hansone. Antes disso, tinham que fazer todas as contas de cabeça.

“Assim como alunos que conseguem ver escrevem seus cálculos com lápis, nós os inserimos no Hansone para seguir o passo-a-passo, diz Donghyun.

Oh Jeong-won, outro aluno com deficiência visual também de 18 anos, diz que a parte da tarde é a mais difícil.

“Até a hora do almoço, dá para aguentar”, disse ele à BBC. “Mas por volta das 16h ou 17h, depois da prova de inglês e antes da prova de história coreana, é quando fica realmente difícil.

Não há intervalo para o jantar”, explicou ele. “Estamos resolvendo problemas durante o horário em que normalmente comeríamos, então parece ainda mais cansativo. Mesmo assim, continuo porque sei que no final terei uma sensação de realização.”

Adicionando ainda mais à fatiga durante o exame está o desafio de dividir a atenção:

“Quando estou lendo o braile com os dedos e também absorvendo informações através do áudio, sinto-me muito mais cansado do que os alunos com visão normal”, disse ele.

Mas o maior desafio, de acordo com os estudantes, está na preparação – o acesso aos materiais de estudos, como livros didáticos e provas passadas – é mais demorado e difícil em braile. Segundo reportagem da BBC, existem pouquíssimos livros adaptados para a linguagem de tato, e são de difícil obtenção. Muitas vezes, têm que ser digitados em braile palavra por palavra.

Além disso, aulas online também não ajudam muito, já que muitos instrutores utilizam gráficos, imagens e demais referências visuais para sustentar suas explicações, o que faz com que muitas dessas aulas não sejam acompanháveis apenas por áudio.

O maior obstáculo está na obtenção dos materiais oficiais de preparação diretamente conectados às provas. As adaptações em braile demoram meses a mais do que as outras.

“Os alunos com visão recebem seus livros entre janeiro e março e os estudam durante todo o ano”, disse Jeong-won. “Recebemos os arquivos em braile apenas por volta de agosto ou setembro, quando faltam apenas alguns meses para o exame.”

Donghyun compartilhou a mesma preocupação.

“Os materiais em braile só ficaram prontos menos de 90 dias antes do exame”, disse ele. “Eu ficava torcendo para que o processo de publicação fosse mais rápido.”

O professor desses alunos, Kang Seok-ju, diz que a resistência de seus alunos é “excepcional”.

“Ler braile significa traçar pontos em relevo com as pontas dos dedos. O atrito constante pode deixar as mãos bastante doloridas”, destacou. “Mas eles fazem isso por horas.”

O Sr. Kang incentivou seus alunos a valorizarem a conclusão, em vez do arrependimento.

“Este exame é onde eles colocam tudo o que aprenderam desde a primeira série em um único dia”, disse ele. “Muitos alunos ficam desapontados depois, mas eu só quero que eles saiam sabendo que fizeram o que podiam. O exame não é tudo.”

Com informações da AFP

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