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Tarifaço de Trump: quais podem ser os próximos passos das sanções dos EUA contra o Brasil?

Cenário segue difícil de prever, mas impasse entre os países pode motivar novas ações de Trump

Donald Trump, presidente dos EUA, assina ordem presidencial em evento na quinta, 14 de agosto (Mandel Ngan/AFP)

Donald Trump, presidente dos EUA, assina ordem presidencial em evento na quinta, 14 de agosto (Mandel Ngan/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 16 de agosto de 2025 às 06h03.

Desde julho, o governo dos Estados Unidos passou a impor uma série de medidas contra autoridades brasileiras, e deixa claro que a onda de ações não acabou. O cenário, no entanto, segue difícil de prever.

O governo do presidente Donald Trump pressiona o Brasil a suspender o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado. O governo brasileiro deixou claro que não irá interferir neste processo, pois o Judiciário tem independência frente ao Executivo e também não iria se sujeitar a ordens vindas de outro país.

Frente às negativas brasileiras, autoridades americanas seguem postando mensagens em canais oficiais com ameaças e críticas ao Brasil.

"Sempre podemos negociar com os líderes dos poderes Executivo ou Legislativo de um país, mas não há como negociar com um juiz, que precisa manter a pretensão de que todas as suas ações são ditadas pela lei. Assim, nos encontramos em um beco sem saída, onde o usurpador se disfarça de Estado de Direito e os outros poderes insistem que são impotentes para agir", publicou Christopher Landau, vice-secretário de Estado, na segunda-feira, 10, em referência ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Ao mesmo tempo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que atua em Washington para que o governo Trump adote mais punições contra o Brasil, diz que novas medidas estão sendo conversadas.

"Há a extensão da Lei Magnitsty para outras pessoas. Há, na mesa do secretário [de Estado] Marco Rubio, a retirada de vistos, entre outros mecanismos de pressão para tentar fazer com que o Brasil saia dessa crise institucional", disse Eduardo, em entrevista à BBC News Brasil, publicada na quinta-feira, 14.

O deputado disse ainda que medidas estariam sendo debatidas em relação a Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado, e Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara dos Deputados, e contra a mulher de Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes.

"Eu acho que nesse momento, agora, não. Certamente, assim como muitos enxergam o [ex-presidente do Senado] Rodrigo Pacheco (PSD-MG) como uma peça que protegeu esse regime, se no futuro nada for feito, talvez aí a gente tenha também o Alcolumbre e o Hugo Motta figurando nessa posição. O que eu sei é o seguinte: eles já estão no radar e as autoridades americanas têm uma clara visão do que está acontecendo no Brasil e sabem que, por exemplo, o processo de anistia depende de ser iniciado pela mesa do presidente Hugo Motta", disse Eduardo.

Motta disse que "não há clima" para pautar a votação de um projeto de anistia aos acusados de envolvimento nas tentativas de golpe de Estado, como demanda Eduardo.

As sanções que os EUA já aplicaram ao Brasil

O governo Trump já aplicou duas punições a Moraes: retirou seu visto e lhe sancionou pela Lei Magnitsky. Com isso, ele não pode mais ter propriedades nos EUA ou fazer negócios com empresas americanas. Mesmo assim, Moraes manteve os processos e ainda determinou que Bolsonaro fique em prisão domiciliar e sem poder postar em redes sociais ou dar entrevistas.

As sanções costumam vir sem aviso aos envolvidos. Os anúncios são feitos por canais oficiais do governo americano, que listam a punição e os motivos. Após serem aplicadas, há pouco espaço para recorrer, pois sua retirada depende da decisão da Casa Branca.

A primeira grande ação veio em 9 de julho, quando Trump anunciou uma tarifa de importação de 50% para os produtos brasileiros. A medida entrou em vigor em 6 de agosto, mas deixou de fora cerca de 700 itens.

Ao justificar a medida, Trump exigiu que o Brasil cancele os processos judiciais contra Bolsonaro e empresas de tecnologia americanas, e também acusou o país de adotar práticas comerciais desleais.

Na última quarta-feira, 13, mais um tema entrou em pauta. O governo Trump retirou o visto de funcionários do Ministério da Saúde por eles terem participado do programa Mais Médicos, que recebeu médicos cubanos na década passada. A gestão Trump compara o programa a um trabalho forçado e disse que outros países que receberam os médicos também serão punidos.

O aviso da retirada de visto diz que "várias pessoas" seriam punidas, mas apenas dois nomes foram tornados públicos: Mozart Júlio Tabosa Sales, atual secretário de Atenção Especializada à Saúde, do Ministério da Saúde, e de Alberto Kleiman, que foi diretor de Relações Internacionais da pasta. Familiares do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foram atingidos também. Há a chance de que mais brasileiros que trabalharam no programa tenham sido punidos.

A resposta do Brasil

Apesar das punições, o Brasil tem adotado uma postura mais comedida, de evitar retaliações e, assim, evitar uma piora da crise.

O assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, disse ao jornal "O Globo" que as medidas do governo Trump, como a punição aos envolvidos no Mais Médicos, são "uma provocação à espera de uma reação que sirva de pretextos a ações mais absurdas".

Ao mesmo tempo, o presidente Lula tem feito críticas a Trump em discursos e falado com outros líderes estrangeiros, como o presidente chinês Xi Jinping, em busca de apoio e de alternativas. Lula disse ainda que não pretendia ligar para Trump para falar das tarifas. Do outro lado, Trump tem feito ataques esporádicos ao Brasil. Nesta quinta-feira, o americano voltou a acusar o país de ser um mau parceiro comercial, apesar de os EUA terem superávit na balança comercial.

Próximos passos

Nas próximas semanas, dois temas deverão aumentar a tensão entre os dois países: a reta final do julgamento de Bolsonaro e o avanço de uma investigação dos EUA contra práticas comerciais brasileiras.

Na sexta-feira, 15, o STF marcou o julgamento de Bolsonaro para começar em 2 de setembro.

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos abriram uma investigação pela Seção 301 por práticas comerciais desleais. O processo cita desrespeito a regras de propriedade intelectual, barreiras a produtos americanos, como o etanol, e críticas ao Pix, que representaria uma concorrência desleal a empresas dos EUA, na visão do governo americano.

O processo está andamento e deverá ser concluído nos próximos meses. Por meio dele, o Brasil poderá sofrer punições comerciais adicionais, como novas tarifas e barreiras comerciais. Uma consulta pública está aberta e uma audiência será realizada no dia 3 de setembro.

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