Donald Trump, presidente dos EUA, assina ordem presidencial em evento na quinta, 14 de agosto (Mandel Ngan/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 16 de agosto de 2025 às 06h03.
Desde julho, o governo dos Estados Unidos passou a impor uma série de medidas contra autoridades brasileiras, e deixa claro que a onda de ações não acabou. O cenário, no entanto, segue difícil de prever.
O governo do presidente Donald Trump pressiona o Brasil a suspender o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado. O governo brasileiro deixou claro que não irá interferir neste processo, pois o Judiciário tem independência frente ao Executivo e também não iria se sujeitar a ordens vindas de outro país.
Frente às negativas brasileiras, autoridades americanas seguem postando mensagens em canais oficiais com ameaças e críticas ao Brasil.
"Sempre podemos negociar com os líderes dos poderes Executivo ou Legislativo de um país, mas não há como negociar com um juiz, que precisa manter a pretensão de que todas as suas ações são ditadas pela lei. Assim, nos encontramos em um beco sem saída, onde o usurpador se disfarça de Estado de Direito e os outros poderes insistem que são impotentes para agir", publicou Christopher Landau, vice-secretário de Estado, na segunda-feira, 10, em referência ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Ao mesmo tempo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que atua em Washington para que o governo Trump adote mais punições contra o Brasil, diz que novas medidas estão sendo conversadas.
"Há a extensão da Lei Magnitsty para outras pessoas. Há, na mesa do secretário [de Estado] Marco Rubio, a retirada de vistos, entre outros mecanismos de pressão para tentar fazer com que o Brasil saia dessa crise institucional", disse Eduardo, em entrevista à BBC News Brasil, publicada na quinta-feira, 14.
O deputado disse ainda que medidas estariam sendo debatidas em relação a Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado, e Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara dos Deputados, e contra a mulher de Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes.
"Eu acho que nesse momento, agora, não. Certamente, assim como muitos enxergam o [ex-presidente do Senado] Rodrigo Pacheco (PSD-MG) como uma peça que protegeu esse regime, se no futuro nada for feito, talvez aí a gente tenha também o Alcolumbre e o Hugo Motta figurando nessa posição. O que eu sei é o seguinte: eles já estão no radar e as autoridades americanas têm uma clara visão do que está acontecendo no Brasil e sabem que, por exemplo, o processo de anistia depende de ser iniciado pela mesa do presidente Hugo Motta", disse Eduardo.
Motta disse que "não há clima" para pautar a votação de um projeto de anistia aos acusados de envolvimento nas tentativas de golpe de Estado, como demanda Eduardo.
O governo Trump já aplicou duas punições a Moraes: retirou seu visto e lhe sancionou pela Lei Magnitsky. Com isso, ele não pode mais ter propriedades nos EUA ou fazer negócios com empresas americanas. Mesmo assim, Moraes manteve os processos e ainda determinou que Bolsonaro fique em prisão domiciliar e sem poder postar em redes sociais ou dar entrevistas.
As sanções costumam vir sem aviso aos envolvidos. Os anúncios são feitos por canais oficiais do governo americano, que listam a punição e os motivos. Após serem aplicadas, há pouco espaço para recorrer, pois sua retirada depende da decisão da Casa Branca.
A primeira grande ação veio em 9 de julho, quando Trump anunciou uma tarifa de importação de 50% para os produtos brasileiros. A medida entrou em vigor em 6 de agosto, mas deixou de fora cerca de 700 itens.
Ao justificar a medida, Trump exigiu que o Brasil cancele os processos judiciais contra Bolsonaro e empresas de tecnologia americanas, e também acusou o país de adotar práticas comerciais desleais.
Na última quarta-feira, 13, mais um tema entrou em pauta. O governo Trump retirou o visto de funcionários do Ministério da Saúde por eles terem participado do programa Mais Médicos, que recebeu médicos cubanos na década passada. A gestão Trump compara o programa a um trabalho forçado e disse que outros países que receberam os médicos também serão punidos.
O aviso da retirada de visto diz que "várias pessoas" seriam punidas, mas apenas dois nomes foram tornados públicos: Mozart Júlio Tabosa Sales, atual secretário de Atenção Especializada à Saúde, do Ministério da Saúde, e de Alberto Kleiman, que foi diretor de Relações Internacionais da pasta. Familiares do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foram atingidos também. Há a chance de que mais brasileiros que trabalharam no programa tenham sido punidos.
Apesar das punições, o Brasil tem adotado uma postura mais comedida, de evitar retaliações e, assim, evitar uma piora da crise.
O assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, disse ao jornal "O Globo" que as medidas do governo Trump, como a punição aos envolvidos no Mais Médicos, são "uma provocação à espera de uma reação que sirva de pretextos a ações mais absurdas".
Ao mesmo tempo, o presidente Lula tem feito críticas a Trump em discursos e falado com outros líderes estrangeiros, como o presidente chinês Xi Jinping, em busca de apoio e de alternativas. Lula disse ainda que não pretendia ligar para Trump para falar das tarifas. Do outro lado, Trump tem feito ataques esporádicos ao Brasil. Nesta quinta-feira, o americano voltou a acusar o país de ser um mau parceiro comercial, apesar de os EUA terem superávit na balança comercial.
Nas próximas semanas, dois temas deverão aumentar a tensão entre os dois países: a reta final do julgamento de Bolsonaro e o avanço de uma investigação dos EUA contra práticas comerciais brasileiras.
Na sexta-feira, 15, o STF marcou o julgamento de Bolsonaro para começar em 2 de setembro.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos abriram uma investigação pela Seção 301 por práticas comerciais desleais. O processo cita desrespeito a regras de propriedade intelectual, barreiras a produtos americanos, como o etanol, e críticas ao Pix, que representaria uma concorrência desleal a empresas dos EUA, na visão do governo americano.
O processo está andamento e deverá ser concluído nos próximos meses. Por meio dele, o Brasil poderá sofrer punições comerciais adicionais, como novas tarifas e barreiras comerciais. Uma consulta pública está aberta e uma audiência será realizada no dia 3 de setembro.