Javier Milei, presidente da Argentina, durante discurso após a divulgação do resultado da eleição (Luis Robayo/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 27 de outubro de 2025 às 16h56.
Última atualização em 27 de outubro de 2025 às 17h43.
Buenos Aires - Na eleição deste domingo, 26, o presidente da Argentina apostou na tática "Milei ou nada". Em uma votação legislativa, em que discussões locais e o apoio de governadores costumam importar mais, Javier Milei enquadrou a disputa como um referendo sobre seu governo. Ele saiu como vencedor, mas uma análise mais detalhada dos números mostra que os desafios na política e na economia permanecem grandes.
Para Daiana Modino, deputada federal pelo PRO, a principal razão da vitória do governo foi o medo da volta do kirchnerismo, o movimento político da ex-presidente Cristina Kirchner. "As eleições de setembro na província de Buenos Aires [vencidas pela oposição] despertaram temor e polarizaram muito esta eleição", afirma, à EXAME.
Ela aponta, ainda, que o uso de cédula única favoreceu Milei, pois, assim, ficou claro, em diversas regiões, qual candidato ele apoiava. Antes, cada região tinha regras próprias de como votar.
"Milei tinha uma mensagem clara: seguimos avançando ou a Argentina irá para trás. Os que se opunham não tinham uma mensagem alternativa, e optaram pela mensagem de que há de deter Milei", diz o analista político argentino Felipe Noguera. "É um erro aceitar os termos que seu oponente coloca."
Na eleição, o partido de Milei, A Liberdade Avança, conquistou 64 assentos e, agora, terá 93 ao todo. Com o apoio do PRO, chega a 108, ainda distante da maioria na casa, de 129. Assim, a busca por apoio de outras legendas continuará sendo necessária para mudanças de peso.
Os 40% dos votos obtidos por Milei surpreenderam, pois ele vinha de uma sequência de más notícias, mas o valor não está distante do que outros presidentes tiveram de apoio em outras eleições de meio de mandato, lembra um estrategista político que trabalha com um dos partidos em Buenos Aires. Em 2017, o partido do presidente Maurício Macri teve 41,75%. Em 2021, a legenda do presidente Alberto Fernández somou 42,75%. Nenhum dos dois, no entanto, se reelegeu dois anos depois.
Outro dado curioso é que o partido que mais perdeu cadeiras não foi a oposição, mas o PRO, aliado do governo desde o começo do mandato. O partido de Macri, de centro-direita, perde espaço para os libertários, mas ainda terá papel importante para garantir a governabilidade.
Na oposição, o segundo partido mais votado, o Força Pátria, amargou derrotas simbólicas importantes, como ver o mapa da Argentina pintado de roxo nas projeções de resultados, já que a legenda do presidente foi a mais votada em quase todas as províncias. No entanto, em termos práticos, o FP perdeu apenas dois assentos, e terá 96 assentos na Câmara, mais do que o partido de Milei conquistou sozinho.
Nas horas após a derrota, a oposição buscou ressaltar que 60% dos eleitores não votaram a favor de Milei. Além disso, houve abstenção acima do normal. Cerca de 32% dos argentinos aptos a votar não compareceram.
"Milei se equivoca ao comemorar este resultado eleitoral, no qual 6 em cada 10 argentinos disseram discordar do modelo que ele propõe. Ele ignora o enorme sofrimento que nosso povo está vivenciando", disse Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires e um dos principais nomes da oposição.
"Por mandato popular, temos duas tarefas: cuidar e defender as inúmeras vítimas do modelo que ataca aposentados, pessoas com deficiência, a ciência, as universidades, a saúde e a educação, além de empresários e trabalhadores", afirmou o governador.
Analistas apontam que a vitória também se deve aos esforços de Milei na reta final, como o de selar o apoio público do presidente Donald Trump. Ao mesmo tempo, a derrota em setembro nas eleições locais de Buenos Aires levou o governo a rever a estratégia e pode ter ajudado a convencer mileístas indecisos a votarem pelo presidente mais uma vez.
Por outro lado, faltou à oposição uma proposta mais clara sobre como encontrar saídas para a crise argentina, que piorou muito nos últimos 15 anos, em meio a governos peronistas.
A oposição também precisa definir quem será seu principal nome. A ex-presidente Cristina Kirchner está em prisão domiciliar e inelegível, e outros nomes, como o do ex-ministro Sergio Massa e de Axel Kicillof, ainda precisam vencer resistências internas no peronismo, apontam fontes próximas ao grupo.
Na economia, empresários e cidadãos esperam mais previsibilidade, e que um ciclo de boas notícias se mantenha, ao menos por algumas semanas.
Algumas das dúvidas que prosseguem são se Milei vai de fato melhorar sua articulação política e fazer acordos melhores com os governadores, que criticam o corte de verbas federais. Com a oposição fragilizada, o custo em popularidade de ficar contra Milei poderá ser maior, mas o presidente também precisa calibrar suas demandas. Ele promete agora avançar com reformas fiscais e trabalhistas, dois temas sensíveis.
"É bastante factível que Milei faça algum tipo de aliança, mas até agora, ele não tem sido um político hábil nisso. Ele briga com todo mundo, até com seu pessoal", diz Noguera.
No campo externo, será preciso manter a proximidade com Donald Trump, um presidente que já mudou de postura com aliados muitas vezes. Os EUA deram um pacote de apoio de US$ 20 bilhões à Argentina, que enfrenta críticas da oposição democrata. Além disso, Trump cortou apoio financeiro a diversos órgãos internacionais desde que tomou posse e repetiu diversas vezes que o dinheiro seria melhor usado para ajudar americanos. Milei depende desta ajuda para segurar o câmbio e evitar que o dólar dispare.
A moeda americana perdeu força nesta segunda-feira, e fechou em 1.460 pesos por dólar, abaixo do patamar de 1.500 que registrou na semana passada. No entanto, vale lembrar que, há um ano, a cotação era de 987,74 pesos por dólar, em um sinal de como as coisas podem mudar bastante em pouco tempo na Argentina.