Turistas chinesas no templo de Sensoji, em Tóquio, em 15 de novembro (Greg Baker/AFP)
Repórter
Publicado em 22 de novembro de 2025 às 08h00.
Comentários feitos pela premiê japonesa Sanae Takaichi sobre Taiwan iniciaram um período de incertezas e tensões diplomáticas entre o Japão e a China, que vem afetando diversos setores além da política e diplomacia.
As recentes escalações do conflito foram o cancelamento de shows e a mudança na rota de cruzeiros.
Em meio à crise, cerca de uma dúzia de shows de músicos japoneses nas principais cidades da China foram cancelados pelas autoridades, segundo apuração da Reuters.
“Em uma conversa de menos de um minuto, o proprietário do local veio até mim e disse que a polícia lhe informou que todos os shows com japoneses estavam cancelados — e que não havia discussão”, disse Christian Petersen-Clausen, promotor de shows e documentarista alemão que mora na China há 13 anos. Petersen-Clausen iria se apresentar com o quinteto de Jazz japonês The Blend.
A cantora japonesa Kokia também teve um show cancelado. “Todos ficaram na fila até a hora do início, mas mesmo assim não nos deixaram entrar. Depois, a equipe da cantora saiu para nos dizer que a banda estava pronta, mas que o local não os deixava se apresentar”, disse uma postagem na plataforma RedNote.
Vídeos no X, antigo Twitter, mostram fãs enfurecidos de Kokia em frente à casa de shows, pedindo a devolução de seu dinheiro.
“Às vezes vemos esse tipo de sentimento (antijaponês) na internet... mas não vemos isso nesses shows”, disse á Reuters o promotor do rapper japonês Kid Fresino. “Nunca, jamais, vi ninguém trazer política para esses momentos.”
Casas de eventos e promotores também estão proibidos de assinar e de fazer publicidade para eventos com personalidades japonesas.
Músicos não são os únicos afetados: o turismo no Japão também sofre com o desvio de cruzeiros chineses,orientados a não aportar nos portos japoneses e a se manter longe do país.
O cruzeiro chinês Adora Magic City, que faria várias paradas pelo Japão antes de seguir para a Coreia do Sul, cancelou abruptamente seus planos para aportar nas cidades japonesas de Fukoka, Sasebo e Nagasaki.
Em vez disso, deverá passar cerca de dois dias na ilha turística sul-coreana de Jeju, outra de suas paradas, onde geralmente aporta por apenas 9 horas, de acordo com o site oficial da ilha.
As mudanças podem beneficiar o turismo na Coreia do Sul, conforme dezenas de cruzeiros mudam abruptamente suas rotas para evitar o Japão.
Dados da agência de viagens Qunar mostram que a Coreia do Sul se tornou o maior destino para turistas chineses no último fim de semana, entre os dias 15 e 16 de novembro.
As empresas coreanas Lotte Tour Development, que opera cassinos e hoteis na ilha de Jeju, a agência de viagens Yellow Balloon Tour e a loja de departamentos Shinseage viram lucros de 20%, 24% e 6%, respectivamente, devido às expectativas do aumento de turismo chinês, segundo dados da Reuters.
O fundador da agência de viagens chinesa Moment Travel notou uma mudança drástica na percepção sobre viagens ao Japão: “o sentimento agora é que quem for será um traidor”, disse, à agência.
A crise entre os dois países começou depois de uma entrevista da premiê do Japão. Respondendo perguntas sobre as forças de autodefesa do país (JSDF, na sigla em inglês), Takaichi disse que um cenário de invasão chinesa em Taiwan justificaria a mobilização de suas tropas e intervenção militar, sob o pretexto de que tal cenário ameaçaria a sobrevivência do Japão. Ainda adicionou que um ataque às forças americanas patrulhando a região traria a mesma resposta.
A China, que considera a ilha de Taiwan como uma de suas províncias, nunca abriu mão de sua narrativa de unificação – tampouco de ameaças militares e de invasão para tomar o controle da ilha.
A crise foi agravada por comentários provocadores por parte da China, que advertiu os seus cidadãos a evitar viagens ao Japão, o que prejudica muitos estabelecimentos e companhias que dependem do forte turismo chinês no país.
Por sua vez, o governo japonês enviou um alerta nessa semana aos seus cidadãos na China, para que tomem cuidado com sua segurança e evitem multidões.
Xi Jinping, presidente da China (Elvis Barukcic/AFP)
Diplomatas chineses conhecidos por sua rigidez com o Japão voltaram aos holofotes em meio à crise.
“A comunidade internacional deve se concentrar mais em compreender as verdadeiras intenções do Japão e em verificar se o país ainda pode seguir o caminho do desenvolvimento pacífico”, disse à mídia local Mao Ning, uma representante do Ministro do Exterior da China.
Mao disse ainda que Taiwan “sofreu muito” devido aos “crimes e atrocidades” cometidas pelo Japão depois que o país “ocupou a ilha de maneira forçada e exerceu um controle colonial”, no começo do século 20.
Embaixadas chinesas em países do Sudeste Asiático se juntaram à narrativa.
“Os crescentes apelos do Japão para a expansão militar merecem a vigilância de todos os países que sofreram os estragos da guerra — e as recentes declarações de seu novo líder só aumentam a preocupação”, postou a embaixada da China em Manila, capital das Filipinas, no X.
“A China de hoje não é mais a China do passado”, afirmou a embaixada. “Se o Japão ousar levar adiante a intervenção militar no Estreito de Taiwan, isso constituirá um ato de agressão — e a China certamente retaliará com determinação!”
Wang Lutong, embaixador da China na Indonésia, publicou no X um vídeo com comentários do ministro das Relações Exteriores Wang Yi à imprensa em março, acompanhado do comentário: “A verdade é que provocar problemas em nome de Taiwan é convidar problemas para o Japão”.
Além disso, Fu Cong, o representante permanente da China para as Nações Unidas, disse no X: “Como a comunidade internacional pode confiar no compromisso declarado do Japão com o desenvolvimento pacífico?”
As embaixadas chinesas em Camberra, capital da Austrália, e em Washington DC também condenaram as ações e comentários de Takaichi nas redes sociais.
Presidente de Taiwan, Lai Ching-te, durante uma coletiva no Gabinete Presidencial em Taipei (ESCRITÓRIO PRESIDENCIAL DE TAIWAN/AFP)
Em meio às tensões, o Ministério das Relações Exteriores de Taiwan disse, em comunicado: “Nos últimos anos, a China tem enviado frequentemente aeronaves e navios de guerra para realizar atividades militares em grande escala no Estreito de Taiwan e no Mar da China Oriental”, adicionando que essas atividades prejudicam a estabilidade e a paz na região, e que a soberania da ilha pertence aos seus habitantes.
Além disso, o presidente de Taiwan, Lai Ching-te publicou em suas redes sociais nessa quinta-feira, 20, fotos suas comendo sushi. "Isso demonstra plenamente a sólida amizade entre Taiwan e o Japão”, disse com o prato de sushi.
Falando com repórteres em frente ao parlamento taiwanês nessa sexta-feira, o Ministro do Exterior de Taiwan Lin Chia-lung disse: “Neste momento crítico, devemos também apoiar o Japão para estabilizar eficazmente a situação e pôr fim ao comportamento intimidador dos comunistas chineses”.