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Vice de Trump criticou defesa da Europa em grupo onde jornalista foi colocado por engano

Repórter foi incluído em grupo com membros do alto escalão do governo e recebeu informações ultrassecretas; Casa Branca diz investigar o caso

Planos de guerra contra os rebeldes Houthis no Iêmen, mostraram desprezo por aliados europeus e indicaram desalinhamento entre os desejos do presidente, Donald Trump, e de seu vice, JD Vance (Angela Weiss/AFP)

Planos de guerra contra os rebeldes Houthis no Iêmen, mostraram desprezo por aliados europeus e indicaram desalinhamento entre os desejos do presidente, Donald Trump, e de seu vice, JD Vance (Angela Weiss/AFP)

Agência o Globo
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Publicado em 25 de março de 2025 às 10h58.

Última atualização em 25 de março de 2025 às 11h02.

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Foi na terça-feira, 11 de março, que o editor-chefe da revista americana The Atlantic, Jeffrey Goldberg, recebeu o primeiro sinal: um pedido de conexão no Signal, um aplicativo de mensagens criptografadas, feito por um usuário identificado como Michael Waltz, o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos. De início, o jornalista não acreditou que pudesse ser o próprio Waltz, mas dias depois outros sinais foram surgindo: primeiro, ele foi incluído — aparentemente por engano — em um grupo de mensagens com membros do alto escalão do governo; depois, começou a receber informações ultrassecretas que anteciparam planos de guerra contra os rebeldes Houthis no Iêmen, mostraram desprezo por aliados europeus e indicaram desalinhamento entre os desejos do presidente, Donald Trump, e de seu vice, JD Vance.

A história, descrita pela imprensa internacional como uma “violação extraordinária da inteligência de segurança nacional” do país, foi divulgada por Goldberg na segunda-feira. No mesmo dia, a Casa Branca confirmou que o secretário de Defesa americano, Pete Hegseth, divulgou planos de guerra dos Estados Unidos em um chat de grupo criptografado que incluída um jornalista, apenas duas horas antes de as tropas do país efetivamente lançarem os ataques contra os rebeldes Houthis no Iêmen.

“Neste momento, a sequência de mensagens relatada parece ser autêntica, e estamos analisando como um número foi adicionado inadvertidamente ao grupo”, disse Brian Hughes, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, em comunicado enviado por e-mail. Ele chamou o grupo no Signal de “uma demonstração da profunda e cuidadosa coordenação política entre altos funcionários”.

A conversa, no entanto, ocorreu fora dos canais seguros do governo que normalmente seriam usados para o planejamento de guerra, considerado altamente sensível. Goldberg acompanhou o diálogo entre os principais membros da equipe de segurança nacional de Trump nos dias que antecederam o ataque no Iêmen — e disse que, pouco antes da ofensiva, Hegseth postou “detalhes operacionais, incluindo informações sobre alvos, armas que os EUA iriam empregar e a sequência dos ataques”.

“Se essas informações tivessem sido lidas por um adversário dos Estados Unidos, poderiam, sem dúvida, ter sido usadas para prejudicar militares e agentes de inteligência americanos, especialmente no Oriente Médio”, escreveu o jornalista. “Estava preocupado que isso pudesse ser uma operação de desinformação, (...) e continuava perplexo com o fato de que ninguém no grupo parecia ter notado minha presença”, acrescentou ele, que, desacreditado, disse só ter considerado o chat como real quando viu que os ataques ocorreram no momento em que Hegseth indicou.

O secretário de Defesa chegou a dizer que o grupo estava “limpo em OPSEC”, a sigla militar para a segurança operacional (Operational Security). Após a divulgação do ocorrido pelo jornalista, porém, vários funcionários do Departamento de Defesa americano expressaram choque pelo fato de Hegseth ter colocado planos de guerra do país em um grupo de chat comercial. Ao The Times, eles disseram que esse tipo de conversa no Signal poderia constituir uma violação da Lei de Espionagem, que trata da manipulação de informações sensíveis.

Ex-agentes do FBI que trabalharam em casos de vazamento de informações descreveram o episódio como uma “violação devastadora da segurança nacional”. E ex-funcionários da segurança nacional afirmaram que, se celulares pessoais foram usados no chat, o comportamento seria ainda mais grave, considerando os esforços de hackers chineses. Ainda assim, Trump ironizou o ocorrido, compartilhando nas redes sociais uma publicação feita pelo bilionário Elon Musk destacando um artigo satírico de um site conservador que dizia: “Xadrez 4D: Trump, um gênio, vaza planos de guerra para The Atlantic, onde ninguém jamais os verá”.

Desprezo pela Europa

A exposição das mensagens privadas também ofereceu uma visão única e explícita do desprezo dos altos funcionários pelos aliados europeus. Nas conversas, os líderes americanos destacaram como eles acreditam que os europeus estão “se aproveitando” dos esforços dos Estados Unidos para atacar os Houthis, com um usuário identificado como o vice-presidente JD Vance escrevendo: “Eu simplesmente odeio ter que resgatar a Europa de novo”. Como resposta, Hegseth foi enfático: “Compartilho totalmente seu desprezo pelo parasitismo europeu. É patético”.

O desconforto dos aliados europeus com os EUA já era profundo, com Trump afirmando repetidamente que eles não gastam o suficiente em defesa e prometendo tarifas massivas que poderiam desestabilizar as economias de vários membros da União Europeia (UE). Agora, as mensagens deram um passo além: no grupo, Waltz, o Conselheiro de Segurança Nacional, afirmou que Washington contabilizaria os custos do ataque e “cobraria dos europeus”, conforme solicitado por Trump.

Os Houthis — organização apoiada pelo Irã e cujo lema é “Deus é grande, morte à América, morte a Israel, maldição sobre os judeus, vitória para o Islã” — começaram a atacar navios comerciais no Mar Vermelho no final de 2023, supostamente em apoio aos palestinos após o início da guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza. Em 2024, a administração de Joe Biden (2021-2025) lançou uma força-tarefa internacional com Reino Unido, França, Itália e outros parceiros para proteger as rotas marítimas. A UE também iniciou uma missão naval separada, enviando navios de guerra europeus para proteger embarcações de carga.

Em dado momento nas conversas, Vance disse temer que os ataques fossem um erro, considerando que havia, segundo ele, “um risco real de que o público não entenda por que a ação é necessária”. A declaração foi especialmente notável porque o vice não desviou publicamente da posição de Trump em praticamente nenhum assunto. Ainda assim, ele escreveu no chat: “Não tenho certeza se o presidente está ciente de como isso é inconsistente com sua mensagem sobre a Europa agora”.

Ao responder à mensagem de Vance, que sugeria que os ataques fossem adiados, Hegseth indicou que o impacto que a campanha militar teria na opinião pública seria “difícil a qualquer momento”, considerando que “ninguém sabe quem são os Houthis”: “É por isso que precisamos nos concentrar em: 1) Biden falhou e 2) O Irã financiou”, argumentou.

‘Falhas gritantes’

Principal democrata na Comissão de Serviços Armados, o senador Jack Reed disse que a história representa “uma das falhas de segurança operacional e de bom senso mais gritantes” que já viu. O deputado Jim Himes, da Comissão de Inteligência da Câmara, também disse ter ficado “horrorizado” com as denúncias, destacando que, se um funcionário de baixo escalão “tivesse feito [a mesma coisa], provavelmente perderia seu acesso à informações sigilosas e seria alvo de uma investigação criminal”.

Mesmo alguns republicanos demonstraram preocupação. O senador Roger Wicker, presidente da Comissão de Serviços Armados, disse que o assunto seria investigado “de maneira bipartidária”, e o líder da maioria no Senado, John Thune, afirmou que quer entender melhor o que aconteceu. O tom, no entanto, foi amenizado por Mike Johnson, o presidente da Câmara, que disse acreditar que seria “um erro terrível haver consequências adversas para qualquer uma das pessoas envolvidas” no grupo, uma vez que eles “estavam tentando fazer um bom trabalho, e a missão foi concluída com precisão”.

O Pentágono encaminhou perguntas sobre o artigo ao Conselho de Segurança Nacional. Hegseth estava viajando para o Havaí na segunda-feira, sua primeira parada em uma viagem de uma semana pela Ásia. Ao desembarcar no Havaí, ele falou com repórteres que viajavam com ele, chamou Goldberg de “suposto jornalista” e, pressionado sobre o assunto, negou que planos de guerra foram enviados pelo aplicativo de mensagens.

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