Michael Codd, general manager da BRP para a América Latina: “Já chegamos num nível de maturidade igual ao que vemos nos Estados Unidos e na Europa" (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de Negócios
Publicado em 22 de setembro de 2025 às 14h39.
No Brasil, quase todo mundo chama moto aquática de “jet ski”.
Mas o que pouca gente sabe é que Jet Ski é uma marca registrada — e não é dela a liderança do mercado nacional.
Quem comanda mesmo o mercado por aqui é a Sea-Doo, marca da canadense BRP, que hoje responde por mais de 90% das vendas no país e movimenta 2 bilhões de reais por ano.
O crescimento foi tão acelerado nos últimos anos que o Brasil ultrapassou Austrália e Canadá em 2024. Hoje, o país é o segundo maior mercado global da Sea-Doo, atrás apenas dos Estados Unidos. E estamos falando de um mercado global de cerca de 2 bilhões de dólares por ano, com previsão de crescimento médio de 6% ao ano até 2032, chegando a 3,5 bilhões de dólares na próxima década, segundo dados do setor náutico internacional.
“Já chegamos num nível de maturidade igual ao que vemos nos Estados Unidos e na Europa. Para um país como o Brasil, isso é impressionante”, afirma Michael Codd, general manager da BRP para a América Latina.
A operação local da BRP começou com distribuição nos anos 1970, mas ganhou escala nos anos 1990, com a montagem de uma rede própria de concessionárias.
Atualmente, a empresa opera com 83 pontos de venda em todos os estados do Brasil, e investe em algo mais difícil de copiar: comunidade, experiência e fidelização.
“Temos clientes que viajam o país inteiro com o jet na carreta para participar dos nossos passeios. Quando abrimos o evento em Belém, no Pará, esgotou em 12 horas”, diz Codd.
Boa parte da força da marca no país veio da decisão de trabalhar com lojas exclusivas.
A Sea-Doo e a Can-Am são vendidas em pontos de venda com contrato que impede a revenda de outras marcas concorrentes — um modelo que só existe no Brasil e na China.
“Ter exclusividade é uma forma de proteger o valor da marca e controlar melhor a experiência do cliente”, afirma Michael.
Outro diferencial é a variedade de modelos. O mais popular, o Sea-Doo Spark, parte de 80.000 reais e tem 90 HP (cavalo-vapor) — pensado para quem quer entrar no mundo das motos aquáticas sem gastar tanto. Na outra ponta, a linha premium pode passar dos 190.000 reais, com 325 HP e 0 a 100 quilômetros por hora em menos de 4 segundos.
Segundo a BRP, boa parte das vendas vem de clientes que fazem upgrade com frequência.
“Tem gente que troca o modelo todo ano. O mercado de usados gira muito bem também”, afirma o executivo.
Mas a empresa também sabe que o custo de manter uma moto aquática é alto: marina, transporte, manutenção.
Por isso, a marca investe em comunidade e experiência, como o Sea-Doo Social Club — uma espécie de clube de aventuras com passeios organizados em locais como Capitólio, em Minas Gerais, no Rio, em Belém e no litoral paulista.
E para sustentar esse ecossistema, a BRP montou em Campinas um time global de tecnologia e dados, que responde direto ao Canadá.
“É um reconhecimento do talento local e da relevância da operação brasileira”, diz Michael.
Apesar da liderança, o mercado está maduro.
Por isso, a BRP aposta em um modelo de expansão baseado em turismo, acesso e test-drive. Com a nova regulamentação da Marinha, criada em abril de 2024, surgiram os Estabelecimentos de Aluguel de Moto Aquática (EAMA).
A regra permite que turistas pilotem uma moto aquática com uma licença provisória de 30 dias, após um curso rápido de 30 minutos. É uma forma legal e segura de experimentar o produto — e também de gerar novos negócios.
“Não dá pra fazer test-drive de jet. A EAMA resolve isso. É como alugar um carro para experimentar antes de comprar”, afimra Codd.
Hoje são quatro operadores em funcionamento, mas a meta é chegar a 50 unidades em três anos, cobrindo os principais destinos náuticos do país.
O modelo lembra uma franquia: o investidor compra os jets, recebe suporte da BRP e opera dentro de padrões definidos, com apoio na burocracia, treinamento e sistema de agendamento online.
“Tem muita gente que quer empreender no litoral ou em regiões com represas, mas não sabe por onde começar. A gente criou um modelo que facilita o acesso e ainda subsidia parte do investimento”, afirma Fernando.
O público-alvo são turistas e curiosos que ainda não compraram, mas querem conhecer o produto. E para os operadores, é um negócio de recorrência: os veículos são alugados por hora, com potencial de retorno ao longo do ano inteiro.
“É um canal de distribuição, mas também de marca. Quando a pessoa pilota um Sea-Doo, ela entra na comunidade. E depois é difícil sair”, diz Michael.
Se no mar a liderança está consolidada, a BRP agora mira o crescimento fora da estrada.
A marca Can-Am, também controlada pelo grupo canadense, fabrica veículos off-road como quadriciclos (ATVs), UTVs e os side-by-sides — que misturam função de buggy, trator leve e veículo de trilha.
No Brasil, a Can-Am ainda está longe do protagonismo que a Sea-Doo alcançou. Mas o potencial é grande.
“Oitenta porcento das ruas no Brasil são de terra. O país é praticamente um playground natural para veículos off-road”, diz Codd.
A meta é expandir rápido, com foco em agro, turismo e recreação.
Hoje, o produto mais promissor é o Can-Am Defender, um utilitário com cabine fechada, ideal para transporte em fazendas, pecuária e deslocamento em áreas rurais. “Tem cliente que experimenta o veículo por duas semanas e não quer mais devolver. A aceitação no agronegócio está crescendo muito”, afirma Michael.
“Já temos produtor com oito veículos nossos. E o boca a boca está funcionando. No último ano, vimos uma virada especialmente em regiões como o Acre e o interior de São Paulo”, diz .
A estratégia da BRP é usar o mesmo modelo aplicado com a Sea-Doo: rede de concessionárias exclusivas, fortalecimento da marca, suporte logístico e foco em confiabilidade.
Hoje, a Can-Am já tem presença em competições como o Rally dos Sertões, onde venceu os últimos 13 anos seguidos na categoria. Mas a BRP acredita que o maior salto virá mesmo da vida prática no campo.
“O trator é caro, tem manutenção pesada e nem sempre serve para tudo. O Can-Am pode complementar com agilidade e menor custo. E se conseguir emplacar, pode até acessar linhas de financiamento rural no futuro”, afirma Michael.