Negócios

A revolução digital e os novos contornos do franchising

Mais do que padronização e escala, o franchising entra em uma nova era: digital, sustentável e orientada a propósito, onde tecnologia, confiança e colaboração definem o sucesso das redes

Do analógico ao digital, o franchising se reinventa: de modelo de expansão a plataforma de valores, inovação e propósito (Paper Boat Creative/Getty Images)

Do analógico ao digital, o franchising se reinventa: de modelo de expansão a plataforma de valores, inovação e propósito (Paper Boat Creative/Getty Images)

Lyana Bittencourt
Lyana Bittencourt

CEO do Grupo BITTENCOURT

Publicado em 1 de outubro de 2025 às 06h06.

O franchising é, há décadas, um dos modelos mais eficazes de expansão de negócios. De origem norte-americana, conquistou o mundo pela sua lógica de escalabilidade, replicabilidade e capacidade de transformar marcas locais em redes globais. No Brasil, tornou-se parte essencial da economia, com presença marcante em setores como alimentação, educação, saúde, beleza, serviços e outros como tecnologia, agronegócio, infraestrutura, e que, embora não tradicionalmente associados ao franchising, também se beneficiam do sistema para ganhar escala e expandir de forma estratégica.

No entanto, se o franchising nasceu como uma estratégia de padronização e crescimento, ele vem assumindo novos contornos na era digital. A transformação tecnológica, a mudança no comportamento dos consumidores e a ascensão de uma economia mais conectada e orientada a propósito, colocaram esse modelo em um processo de reinvenção. Mais do que multiplicar unidades de negócio, trata-se agora de multiplicar experiências, relacionamentos e valores.

O livro “Franchising – A Revolução das Estratégias de Expansão dos Negócios no Mundo Digital”, recém-lançado por Claudia Bittencourt, sócia-fundadora e presidente do conselho consultivo do Grupo BITTENCOURT, mergulha justamente nesse ponto: como compreender o franchising no século XXI, em meio a tantas transformações, e como usá-lo de forma consciente, sustentável e inovadora. A obra, com mais de 420 páginas, é resultado de quatro anos de trabalho e sintetiza 40 anos de experiência prática em mais de 3 mil projetos de expansão no Brasil e no exterior.

É a partir dessa extensa trajetória, alinhada ao contexto atual, que se pode discutir de forma mais ampla como o franchising se tornou uma verdadeira revolução nas estratégias de expansão de negócios em um mundo digital e hiperconectado.

Modelo consolidado de expansão

O franchising é, por essência, um sistema em rede. Ele exige que a marca desenvolva um modelo de negócio testado, documentado e replicável, permitindo que empreendedores operem sob a sua bandeira. Ao cumprir essas etapas, aumenta-se consideravelmente o potencial de sucesso da operação.

Em contrapartida, os franqueados recebem não apenas o direito de uso da marca, mas também suporte contínuo, know-how, treinamentos, processos estruturados e estratégias de marketing e inovação. Esses elementos reduzem riscos, proporcionam maior segurança e ampliam as chances de sucesso.

No Brasil, esse modelo cresceu de forma acelerada. A combinação entre empreendedores em busca de menor risco e marcas interessadas em expandir com capital de terceiros criou o terreno perfeito para o avanço do sistema. Hoje, redes de franquias estão espalhadas em todos os estados, gerando milhões de empregos diretos e indiretos.

No franchising, tudo se potencializa. Boas práticas fortalecem toda a rede, enquanto erros e ações que contrariam os princípios e valores dos envolvidos podem rapidamente comprometer a reputação e os resultados do negócio. A força da rede pode ser virtude ou risco, dependendo de como é gerida.

Esse caráter multiplicador exige um cuidado especial do franqueador. Ao expandir, não basta conhecer profundamente o negócio de origem. É preciso avaliar a maturidade organizacional, a saúde financeira, a clareza da proposta de valor e a estrutura necessária para sustentar a rede. A decisão de franquear é comparável a um check-up completo: só uma empresa saudável e preparada pode se lançar com segurança na jornada da expansão.

A transformação digital e os novos contornos do franchising

Se o franchising já era poderoso em tempos analógicos, sua relevância cresceu ainda mais com o advento do digital. A internet, as redes sociais, o e-commerce e as plataformas de gestão trouxeram novas formas de interação entre marcas, franqueados e consumidores.

Há algum tempo, as redes de franquias não se limitam a unidades físicas. O consumidor pode descobrir a marca pelo Instagram, fazer a compra pelo aplicativo, retirar no ponto de venda ou receber em casa. Essa lógica phygital, que integra físico e digital redefine não apenas a experiência do cliente, mas também os papéis de franqueadores e franqueados. Um desafio recorrente, por exemplo, é a integração de canais. Como garantir que o franqueado se beneficie das vendas feitas pela plataforma digital da rede? Como equilibrar os investimentos em marketing nacional e local? Como transformar dados em inteligência estratégica para a rede como um todo? Essas são questões que marcam a nova era do franchising.

Mas, além da técnica, há um ponto central: o digital não substitui o humano, ele o amplifica. A tecnologia pode organizar processos, criar escalabilidade e oferecer insights valiosos. Porém, é no relacionamento de confiança entre franqueador e franqueado e na conexão autêntica com o consumidor que se define o sucesso da rede.

Relações de valor

O franchising não é apenas uma transação comercial; é uma relação de longo prazo. Franqueador e franqueado tornam-se sócios de fato, ainda que juridicamente independentes. E como em qualquer sociedade, a base dessa relação é a confiança.

Para que os valores e princípios da marca sejam preservados, é essencial que os franqueados estejam engajados com o propósito do negócio. Isso significa que a seleção de franqueados não deve se limitar à análise de capital disponível ou experiência prévia, mas considerar também alinhamento de valores, perfil de liderança e capacidade de seguir padrões sem abrir mão da iniciativa empreendedora.

Uma cultura organizacional forte é, portanto, o pilar invisível que mantém a rede coesa. Ela garante que a marca tenha consistência mesmo em diferentes cidades, estados ou países. E essa cultura deve ser construída com base em integridade, maturidade e acordos bem estruturados. Nesse ponto, é importante frisar: não há espaço para improvisos. Franquias que nascem sem estrutura adequada, apenas seduzidas por empreendedores interessados em investir, correm riscos elevados. É preciso profissionalismo desde o início: processos claros, manuais detalhados, suporte contínuo, comunicação transparente e uma liderança inspiradora.

Consumidores exigentes

Em um cenário de consumidores mais críticos e conscientes, marcas que ignoram seu papel social e ambiental correm o risco de perder relevância. Já aquelas que assumem compromissos claros com diversidade, inclusão, sustentabilidade e transparência conquistam não apenas clientes, mas também franqueados mais engajados e colaboradores mais motivados.

Nesse sentido, a expansão deve ser sustentável, não predatória. Por isto, o franchising consciente exige uma mudança de mentalidade. Este conceito dialoga com movimentos globais de capitalismo consciente e ESG (Environmental, Social and Governance). Ele propõe que redes de franquia sejam lucrativas, mas também instrumentos de impacto positivo para a sociedade e para o planeta.

A relação ganha-ganha deve ser real, não retórica. O crescimento deve respeitar os limites da marca, do mercado e da sociedade. E, mais do que isso, deve gerar valor compartilhado, transformando cada unidade em um ponto de impacto positivo nas comunidades onde atua.

Preparação é chave

Expandir nunca é um processo linear. Há riscos, armadilhas e dilemas em cada etapa. Um dos mais comuns é a tentação de crescer rápido demais. Muitos empresários acreditam que quanto mais unidades, maior o sucesso. Mas expansão desordenada pode gerar problemas graves: falta de suporte, inconsistência de marca, insatisfação de franqueados e, em casos extremos, colapso da rede.

Outro desafio é lidar com a diversidade de perfis de franqueados. Nem todos têm a mesma maturidade empreendedora, a mesma disciplina ou a mesma visão de longo prazo. A capacidade do franqueador de treinar, acompanhar e engajar é determinante para evitar conflitos e rupturas. Por isso, a preparação é chave: conhecer o negócio profundamente, embora importante, não é suficiente para a expansão segura e sustentável. É preciso também planejamento estratégico, análise financeira, adequação jurídica, estudo de mercado e capacidade de adaptação.

A importância da liderança e da confiança

No coração de toda rede de franquias está a liderança. O franqueador precisa ser, ao mesmo tempo, gestor e inspirador. Deve oferecer suporte técnico e estratégico, mas também cultivar um senso de comunidade. Precisa equilibrar autoridade e escuta, disciplina e flexibilidade.

Greg Nathan, especialista em relacionamento no franchising e autor do prefácio do livro, destaca em suas obras que a psicologia das redes é tão importante quanto a técnica. Franqueados são empreendedores independentes que precisam sentir-se parte de algo maior, sem perder autonomia. Quando a liderança consegue criar esse equilíbrio, a rede floresce. Quando não, os conflitos se multiplicam.

É natural que existam tensões na relação entre franqueador e franqueado, especialmente quando ela se baseia em dependência. Nessas circunstâncias, surgem momentos de expectativa, frustração e necessidade de resolução, que fazem parte desse tipo de vínculo.

Porém, a mentalidade mais desejável é a da interdependência, marcada pela sinergia: franqueadores que oferecem suporte consistente, inovação e direcionamento estratégico, e franqueados que defendem a marca, se comprometem com o negócio e se engajam nas iniciativas da rede. Essa postura colaborativa, em que ambas as partes se reconhecem como corresponsáveis pelo crescimento, é considerada um dos principais preditores de redes saudáveis.

O futuro do franchising na economia global

Três vetores vão definir os rumos do franchising nos próximos anos: a inovação tecnológica; o propósito das marcas e; a capacidade de colaboração em rede.

A tecnologia continuará sendo um motor de transformação nos negócios. Ela permite automatizar processos, otimizar operações, criar novos canais de venda e ampliar a capacidade de gestão, oferecendo dados e insights que ajudam a tomar decisões mais rápidas e precisas. No entanto, por si só, a tecnologia não garante sucesso. É aqui que entra o propósito: a razão de existir da marca, que deve estar clara tanto para quem a gerencia quanto para quem a consome. Um propósito forte orienta decisões, conecta emocionalmente consumidores e equipes e dá sentido às ações da empresa.

Mesmo com tecnologia e propósito, o sucesso do franchising depende essencialmente da colaboração e da construção de relações de confiança. O consumidor também faz parte desse ecossistema ao acreditar na marca e se engajar com suas ofertas, fortalecendo a sustentabilidade e a agilidade do modelo.

Nesse cenário, o franchising brasileiro tem uma oportunidade singular: transformar sua diversidade cultural, criatividade e espírito empreendedor em diferencial competitivo, tornando-se referência global em modelos de expansão que aliam inovação, sustentabilidade e impacto social.

Se você quer conhecer as estratégias de franchising que moldam o futuro de grandes empresas nacionais e internacionais e como elas estão transformando seus negócios, mesmo diante de ambientes complexos, hiperconectados e em constante evolução, participe do BCONNECTED 2025, que ocorre nos dias 7 e 8 de outubro de 2025, em São Paulo, com a EXAME como parceira de mídia. Estarei ao lado de grandes executivos de empresas como NVIDIA, McDonald’s, Stix, Natura, Dexco, AmPm e Bold Hospitality Company, compartilhando as melhores práticas e insights para varejo, indústria e franchising.

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