Negócios

Além do chatbot: as apostas do Google para mudar o mundo com inteligência artificial

No South Summit Madrid, executiva do Google DeepMind detalha como a inteligência artificial pode acelerar diagnósticos, prever desastres e criar novos mercados além dos chatbots

Dorothy Chou (esquerda), diretora de políticas públicas do Google DeepMind: “Tem muita grana indo para produtos que são só um ‘embrulho bonito’ em cima de modelos já prontos” (Daniel Giussani/Exame)

Dorothy Chou (esquerda), diretora de políticas públicas do Google DeepMind: “Tem muita grana indo para produtos que são só um ‘embrulho bonito’ em cima de modelos já prontos” (Daniel Giussani/Exame)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 4 de junho de 2025 às 08h36.

MADRI, ESPANHA* -- Enquanto o mundo corre atrás de criar o próximo ChatGPT, o Google quer usar inteligência artificial, também, para diagnosticar doenças, prever enchentes e até ajudar o planeta a se precaver da próxima crise energética.

Parece ambicioso? Até pode ser. Mas já está em andamento.

Durante o South Summit Madrid, evento de inovação organizado pela IE University na capital da Espanha, a diretora de políticas públicas do Google DeepMind, Dorothy Chou, defendeu que a IA precisa sair das bolhas de tecnologia e começar a atacar problemas concretos da sociedade.

“Estamos superexpostos ao chatbot”, afirmou no primeiro painel do dia. “Mas o que a IA realmente faz bem é previsão. E isso é tudo que precisamos num tempo volátil.”

O DeepMind é o braço de pesquisa avançada em inteligência artificial do Google.

Fundado em 2010 na Inglaterra e adquirido pela big tech em 2014, o laboratório ganhou notoriedade com projetos como o AlphaGo — que derrotou campeões mundiais do jogo de Go — e o AlphaFold, que revolucionou a biologia ao prever estruturas de proteínas. Desde 2023, a equipe foi integrada ao Google Brain, formando o Google DeepMind, unidade que lidera os esforços da Alphabet em IA de ponta.

“A gente segue colocando dinheiro nas soluções mais óbvias, enquanto o potencial transformador da IA continua inexplorado”, diz.

O que está em jogo, segundo ela, é o uso da IA como alavanca científica, com impacto direto em setores como saúde, energia, alimentação e meio ambiente. “Estamos animados com o que essa ferramenta pode fazer, mas ainda falta intencionalidade.”

O que IA pode fazer pelo mundo

Chou trouxe para o palco uma lista de aplicações que já mostram o poder da IA fora do digital.

Um dos exemplos mais concretos está na área da saúde: o diagnóstico de endometriose.

“É uma condição que causa dor imensa em milhões de mulheres e leva até 10 anos para ser diagnosticada por cirurgia. Com IA e ressonância magnética, conseguimos reduzir isso drasticamente", afirma.

Outro caso vem dos próprios data centers do Google, onde o uso de IA ajudou a reduzir até 30% do consumo de energia.

“Funcionou com a gente, mas replicar fora ainda é um desafio, porque os dados das outras empresas não estão tão bem organizados quanto os nossos”, afirma.

Na ciência, o projeto AlphaFold, do DeepMind, virou referência ao prever a estrutura de 200 milhões de proteínas de uma só vez — um processo que antes exigia anos de trabalho de laboratório.

“O mesmo tipo de tecnologia que ajudou a entender o coronavírus pode acelerar tratamentos para doenças raras e negligenciadas”, diz.

A aplicação vai de mini-robôs que circulam pelo cérebro até vacinas desenvolvidas em tempo recorde. “A ciência nunca teve tanta alavanca quanto agora”, afirma. “Mas a gente precisa querer usá-la.”

Onde está o problema

Apesar dos resultados, o setor científico ainda atrai pouco capital de risco.

“Tem muita grana indo para produtos que são só um ‘embrulho bonito’ em cima de modelos já prontos”, afirma Chou. “Eu não invisto nisso. Quero inovação real.”

Ela se refere a startups que fazem mais do mesmo — interfaces em cima de modelos fundacionais, como GPT ou Gemini — em vez de criar novas soluções. “Se o seu investimento não resolve um problema real, talvez ele só esteja seguindo a manada.”

Como investidora-anjo, Chou tem olhado para empresas que desafiam padrões. Um exemplo: uma startup no Reino Unido que compra patentes esquecidas da indústria farmacêutica e tenta levá-las ao mercado com ajuda da IA. “Tem muito remédio promissor que nunca foi lançado porque não dava lucro. Isso precisa mudar.”

Outro caso é de uma fundadora na Califórnia que estuda como vermes se comunicam por substâncias químicas. A hipótese? Que isso pode ajudar a reduzir doenças autoimunes. “Ninguém quer comer vermes, claro. Mas e se a gente puder reproduzir esses compostos de outra forma?”, diz.

Europa tem estrutura, mas precisa aprender a comprar

Segundo Chou, a Europa tem uma chance única de liderar a revolução científica com IA.

Motivos não faltam: universidades de ponta, serviços públicos de saúde e uma cultura de bem-estar social que permite correr riscos. “Aqui, você pode sair do seu emprego e empreender sem medo de ficar sem plano de saúde.”

O clima em Madri, onde a EXAME acompanha o evento de inovação, é de entusiasmo para os próximos passos no ecossistema de inovação. Entre figuras públicas e privadas, o discurso é unânime: há uma grande chance nas mãos para criar um novo polo de tecnologia na Europa.

Mas ainda há uma dor no radar: capacidade de escalar as soluções. E isso passa por compras públicas.

“Startups precisam escolher: ou são boas em tecnologia, ou em contratos. As duas coisas, não dá. Hoje, leva tempo demais para fechar uma venda com governo. E quando demora, o risco é a IA ruim ser a que entra no sistema.”

Para ela, o modelo usado durante a pandemia deveria servir de referência.

“Com o compromisso antecipado de compra das vacinas, governos reduziram o risco para as empresas. Por que não fazer o mesmo com soluções de IA?”

Outro gargalo está nos dados. “A IA que economiza energia nos nossos servidores não funciona em fábricas europeias porque o dado lá fora não está no formato certo. Falta infraestrutura, padrão e colaboração público-privada”, diz.

Investir em ciência é pensar no futuro — e sair da bolha do Vale do Silício

Ao final da palestra, Chou provocou o público a repensar suas escolhas de investimento. “O que você coloca dinheiro diz muito sobre o que você acredita sobre o futuro. Você acha que está tudo bem como está? Ou que é hora de mudar?”

Ela defende que os problemas certos para a IA resolver são aqueles que têm grande volume de dados, múltiplas variáveis e um objetivo claro, definido por especialistas externos.

“Por isso a ciência precisa de metas. Por isso existem comitês como o Nobel.”

O recado não foi só para investidores. Aos governos, Chou fez um pedido direto: “Simplifiquem a burocracia. Se a gente quer colocar tecnologia boa no sistema público, precisa facilitar o caminho para as startups.”

Para ela, as inovações mais promissoras não virão dos mesmos nomes de sempre.

“Tem muita gente talentosa com dificuldade de captar recursos só porque não está nos círculos certos. A gente precisa ampliar o tipo de imaginação que estamos financiando.”

Acompanhe tudo sobre:StartupsInteligência artificialGoogle

Mais de Negócios

É a vez de Jeff Bezos? Briga entre Trump e Musk pode ajudar a Blue Origin

Aos 24 anos, ele largou o emprego e fundou uma empresa que fatura US$ 150 milhões – veja como

Como uma cidade americana virou laboratório de marketing e salvou empresa de aluguel de carros

Gerdau e Newave Energia inauguram usina solar de R$ 1,5 bi em MG