Negócios

Amigos da periferia foram estudar nos EUA e hoje faturam R$ 60 milhões ensinando inglês no WhatsApp

Após enfrentarem a barreira do idioma e quase perderem a chance de estudar fora, eles criaram uma edtech que cresceu 950% em um ano

Robson Amorim, Felipe Tiozo, Felipe Silva e Luan Cavallaro, da BeConfident: “A gente começou a conversar sobre como poderíamos trazer esse tipo de imersão para o Brasil, para pessoas que, como nós, não tinham como fazer intercâmbio.” (BeConfident/Divulgação)

Robson Amorim, Felipe Tiozo, Felipe Silva e Luan Cavallaro, da BeConfident: “A gente começou a conversar sobre como poderíamos trazer esse tipo de imersão para o Brasil, para pessoas que, como nós, não tinham como fazer intercâmbio.” (BeConfident/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 24 de setembro de 2025 às 09h33.

Os amigos Robson Amorim, Felipe Silva, Felipe Tiozo e Luan Cavallaro, todos de regiões periféricas de São Paulo, se conheceram ainda crianças.

Eles disputavam feiras de robótica em times adversários, mas viraram amigos. Aos 15 anos, chegaram a representar o Brasil em competições internacionais e foram campeões mundiais em 2015, na África do Sul.

O currículo impressionava, mas faltava algo: falar inglês.

Quando tentaram bolsas em universidades americanas, travaram nas entrevistas e nas provas de proficiência.

“Eu tinha uma trajetória consistente, mas não falava o idioma. Isso dificultava muito. Precisei de um gap year, ano sabático, reaplicar para universidades, até conseguir”, afirma Amorim.

Ele entrou na faculdade nos Estados Unidos, estudou, aprendeu inglês. Nesse período, também viu acender um desejo compartilhado pelos amigos de robótica: o de empreender.

Foi na tentativa de criar um negócio que nasceu a BeConfident, uma startup que ensina inglês por conversas no WhatsApp com apoio de IA.

A empresa soma 100.000 assinantes pagantes e deve fechar 2025 com 60 milhões de reais, segundo a companhia. Um crescimento de, simplesmente, 950% em um ano (de 10.500 para 100.000 assinantes).

Só em agosto, 7 milhões de reais vieram de novas assinaturas. A base total atingiu 2 milhões de usuários.

No horizonte, um mercado bilionário. Apenas 5% dos brasileiros falam inglês — e 1% é fluente, segundo o British Council, organização internacional voltada à promoção da educação e cultura britânica.

Quem explora esse espaço há décadas são as escolas de idiomas. Em 2024, as franquias de ensino faturaram 35 bilhões de reais no país, de acordo com a ABF, a Associação Brasileira de Franchising.

Nos últimos anos, edtechs digitais identificaram uma nova janela: atender o público que não tem tempo (ou paciência) para aulas presenciais longas.

Para além do Brasil, a BeConfident já prepara uma expansão para os Estados Unidos e Europa, com lançamento em 20 países nos próximos meses.

“O aprendizado teórico sem a vivência diária limita o progresso e cria uma barreira significativa para quem busca a fluência real. Para desbloquear a fluência é essencial proporcionar experiências de conversação autênticas e constantes, que simulem o ambiente de um intercâmbio”, diz Amorim.

Na prática, o que Amorim quer é que as pessoas fiquem conversando com um perfil em inglês ao longo do dia pelo WhatsApp. E assim, aprendam inglês numa experiência com um quê de intercâmbio — mas sem necessariamente sair de casa.

Qual é a história de Amorim

Robson Amorim nasceu em Suzano, na região metropolitana de São Paulo.

Desde pequeno, se interessava por tecnologia — e foi por meio da robótica educacional que encontrou o caminho para algo maior.

Ele integrava um dos times de escolas públicas que competiam em torneios locais. Foi assim que conheceu Felipe Silva, Felipe Tiozo e Luan Cavallaro, os três também vindos de bairros periféricos da capital e do entorno.

“Nos conhecemos quando tínhamos uns 10 anos. Estávamos sempre em lados opostos das competições, mas depois de um tempo viramos um time. A gente não só tinha ideias, mas conseguia construir protótipos, produtos reais. Foi aí que percebemos que tínhamos um superpoder de criar coisas”, afirma Amorim.

Durante quase dez anos, o grupo participou de torneios regionais, nacionais e internacionais. O ponto alto veio em 2015, quando conquistaram o título mundial de robótica na África do Sul, representando o Brasil.

“Foi a primeira vez que um time brasileiro ganhou um mundial na categoria. Isso mudou nossa perspectiva de futuro”, afirma.

Mesmo com reconhecimento, a barreira do inglês persistia.

“A gente participava das competições e apresentava os projetos em português. Na hora da entrevista com os jurados estrangeiros, era tudo improvisado. A gente não tinha base nenhuma. Era um trava-língua”, lembra.

O bloqueio se tornou mais visível quando tentaram dar o próximo passo. Amorim, por exemplo, tentou aplicar para universidades fora do Brasil. Mas o inglês foi uma barreira e tanto. Precisou mais um ano para aprender o idioma antes de aplicar.

A insistência deu certo. Robson foi aceito em uma universidade nos Estados Unidos e se mudou para a Califórnia. Lá, enfim, veio a virada.

“Em poucos meses, meu inglês mudou de 8 para 80. Era como se o idioma estivesse ao redor o tempo todo — no café, no mercado, no ônibus, na aula. A fluência vinha pela convivência, não pelos livros”, diz.

Essa vivência pessoal reacendeu o contato com os antigos colegas de time, que passavam por dilemas parecidos.

“A gente começou a conversar sobre como poderíamos trazer esse tipo de imersão para o Brasil, para pessoas que, como nós, não tinham como fazer intercâmbio.”

Como a BeConfident funciona

A proposta da BeConfident é simples, mas muito tecnológica: ensinar inglês por meio de conversas no WhatsApp, com suporte de inteligência artificial, avatares realistas e feedback em tempo real.

Tudo começa com o hábito: “Na América Latina, mais de 98% das pessoas usam WhatsApp. Elas abrem o aplicativo em média 30 vezes por dia. A gente pensou: por que não transformar esses micro-momentos em prática real de inglês?”, diz Robson.

A ideia é que o aluno comece a treinar logo cedo, com mensagens no WhatsApp adaptadas à sua rotina.

“Se a pessoa acorda às 6h30, a gente sabe que pode mandar uma notificação naquele horário com uma mensagem em inglês, puxando conversa. Pode ser texto, áudio ou até chamada de vídeo com nossos avatares”, afirma.

Esses avatares — que a BeConfident chama de “gringos de IA” — são personagens com sotaques autênticos e perfis distintos.

O aluno escolhe com quem conversar, e cada interação traz vocabulário novo, correções de erros e situações reais do cotidiano.

“Pode ser desde pedir um café, até explicar uma receita ou se preparar para uma reunião de trabalho. Tudo adaptado ao nível do aluno”, diz.

A plataforma vai além do WhatsApp. O sistema também funciona no app da BeConfident e no navegador. E se integra à rotina com base em padrões de uso: o horário em que o usuário costuma estar disponível, o tipo de conteúdo que prefere, e os erros mais comuns.

“Nosso sistema entende quando a pessoa comete muito erro com verbos no passado, por exemplo, e começa a reforçar esse ponto nas conversas seguintes”, diz Amorim.

Além do bate-papo livre, há aulas guiadas por avatares hiper-realistas, com experiências estruturadas.

As aulas seguem um plano de progressão baseado em algoritmos de personalização e são ajustadas conforme o desempenho do aluno. “É como ter um tutor 24 horas, que conhece sua rotina, seus interesses e seus erros frequentes”, resume.

Hoje, a BeConfident oferece um modelo de assinatura anual, com teste gratuito no início. Segundo a empresa, o negócio já soma 100.000 assinantes pagantes e uma base total de 2 milhões de usuários, considerando planos gratuitos e avulsos. Só em agosto, foram 7 milhões de reais em novas assinaturas.

Quais são os desafios e a concorrência no caminho

O mercado de ensino de inglês não é novo — e tampouco fácil de romper.

Além de redes tradicionais com anos de presença física e reconhecimento de marca, há também a disputa com aplicativos globais, como o Duolingo, e com a ascensão de ferramentas genéricas de IA, como o ChatGPT, que também permitem conversas em inglês com custo quase zero.

Amorim reconhece que o cenário é competitivo, mas questiona a eficácia das soluções atuais.

“É normal ter bastante competidor em línguas porque é o maior mercado de edtechs do planeta. Tem 1,5 bilhão de pessoas tentando aprender inglês no mundo. Só que é um mercado muito engessado, com práticas antigas. E, no Brasil, apesar de termos o maior número de escolas de inglês do mundo, só 5% da população fala o idioma”, diz.

A BeConfident tenta se diferenciar pela proposta de imersão real integrada à rotina, algo que nem as escolas presenciais nem apps convencionais entregam.

“A gente criou uma infraestrutura que funciona como uma liga no seu dia a dia. Está no WhatsApp, no browser, no app... entende seus horários, seus erros mais frequentes, o que você gosta de estudar”, explica.

Ele também argumenta que a experiência dentro do app vai além da conversa casual que ferramentas abertas de IA conseguem oferecer.

“A gente já treinou nossos próprios modelos para produzir aulas personalizadas. Se você conversa com o ChatGPT, beleza, mas ele não vai lembrar que você erra no passado ou que gosta de culinária. A gente vai.”

Mesmo assim, um dos principais desafios é educar o consumidor. Fazer com que ele entenda que pode alcançar fluência sem sair do país, desde que mantenha consistência e contato frequente com o idioma.

“A gente quer mudar a mentalidade: mostrar que a fluência pode vir de um ‘intercâmbio digital’. Não precisa comprar passagem, nem largar o trabalho. Mas precisa praticar todo dia”, afirma.

A disputa pela atenção também é parte do problema. “Todo mundo está brigando pelo tempo da pessoa no celular. Nosso produto precisa ser rápido, útil, divertido e adaptável. A gente mede o sucesso da aula não só por quanto tempo ela durou, mas por quantas vezes o aluno voltou no dia seguinte”, diz.

O que vem por aí

Com tração comprovada no Brasil, a BeConfident começou a abrir caminho fora do país.

Hoje, 15% das assinaturas já vêm do exterior, principalmente dos Estados Unidos, onde vivem milhões de imigrantes em busca de fluência em inglês.

A meta agora é mais ambiciosa: lançar o produto em mais de 20 países nos próximos meses, incluindo mercados da América do Norte e Europa.

“A gente começou a expansão global de maneira mais agressiva agora. Nas próximas duas ou três meses, de 30% a 40% das novas assinaturas devem vir de outros países”, afirma Amorim.

Para isso, a startup reforçou a estrutura internacional. Parte do time já está baseado em São Francisco, onde fica o núcleo da operação nos EUA. Os demais funcionários estão espalhados pela América Latina, incluindo Argentina e Brasil. Hoje, a equipe soma mais de 50 pessoas.

A expansão global chamou atenção de investidores.

A BeConfident levantou duas rodadas de investimento, com a participação de quatro fundos. Entre eles, a Latitud, plataforma voltada a startups da América Latina, que tem entre seus fundadores Brian Requarth e Gina Gotthilf, ex-Duolingo.

“A gente está construindo uma marca forte. Temos uma equipe de elite — os melhores do Brasil e alguns dos melhores do mundo — para transformar o jeito de aprender idiomas”, diz.

A expectativa é fechar 2025 com 60 milhões de reais em faturamento.

O crescimento será puxado pela base internacional e pela evolução da tecnologia própria.

“Nosso foco é tornar a experiência cada vez mais multiplataforma e personalizada, com modelos de IA que realmente entendem o aluno”, afirma.

yt thumbnail
Acompanhe tudo sobre:Cursos de idiomasInteligência artificialWhatsAppStartups

Mais de Negócios

Gigante francesa investe 111 milhões de euros no Brasil e inaugura seu primeiro forno sustentável

Esse empresário ganhou US$ 13 bilhões e pode se tornar o mais rico da Ásia em breve

Ele ajudou o PJ a sair da informalidade. Agora, quer tirar o RH da bagunça

Larry Ellison, da Oracle, vale mais que o Bank of America após dobrar riqueza para quase US$ 400 bi