Sabrine Matos, fundadora do Plinq: ideia é transformar a empresa em uma 'central de segurança' para mulheres
Repórter
Publicado em 30 de setembro de 2025 às 09h30.
Última atualização em 30 de setembro de 2025 às 09h45.
A curitibana Sabrine Matos não sabia programar. Tampouco tinha um plano de negócios em mãos. Mas depois de ver o caso de feminicídio de uma jornalista, morta por um homem com histórico de violência que ela desconhecia, decidiu agir.
A ideia virou realidade com o Plinq, um site que permite checar antecedentes criminais usando apenas nome, CPF ou telefone. Em menos de dois meses após o lançamento, a ferramenta ultrapassou 10 mil usuárias e viralizou nas redes sociais.
Matos comanda o projeto com o sócio Felipe Bahia — nenhum dos dois com formação técnica em tecnologia. Para tirar o projeto do papel, eles usaram a plataforma no-code da Lovable. “Queríamos algo funcional e rápido, não perfeito”, diz Matos.
O site americano é uma das empresas de IA que mais cresceu nos últimos anos, e já vale US$ 1,8 bilhão com pouco menos de um ano de operação. A ferramenta permite que qualquer pessoa — mesmo sem formação técnica — crie protótipos de produtos com nível de refinamento que, em muitos casos, supera o que seria entregue após semanas por um time tradicional de design.
O espírito empreendedor acompanha Matos desde os 15 anos, quando fundou a Made For Fun, marca de camisetas com estampas de artistas como Demi Lovato e Justin Bieber.
“Comecei com um kit de sublimação que minha mãe me deu. Ia vender em shows, inclusive em São Paulo, sozinha”, lembra. Na época, chegou a faturar R$ 50 mil em uma semana de turnê — tudo no orgânico, com parcerias com fã-clubes.
Aos 18, a marca deu lugar a projetos na área de marketing e consultoria. Matos passou por diversas startups, atuou como profissional de growth e chegou a fundar uma agência especializada em outbound sales, com 20 funcionários. "Foi um aprendizado importante sobre errar rápido, iterar e entender que o sucesso raramente é linear", diz.
Após encerrar essa operação em 2024, assumiu um trabalho mais estável e viu o tempo livre virar combustível para outra ideia. “Estava acompanhando muitas notícias de feminicídio e minha mãe um dia soltou: ‘você tem que fazer alguma coisa com isso, cria uma plataforma’. E eu fui.”
O Plinq nasceu da indignação com o caso de Vanessa Riccardi, jornalista do Mato Grosso do Sul morta pelo ex-namorado. Ela havia feito tudo “certo”: denunciou o agressor, pediu ajuda da polícia, alertou amigos. Mesmo assim, foi assassinada com facadas ao tentar retornar para casa.
“A Vanessa era como eu, como você. E morreu porque não sabia com quem estava lidando. Descobrimos depois que ele tinha histórico de agressão contra mulheres da própria família. E ela morreu por falta de informação”, afirma Matos.
O Plinq não usa dados privados. A base vem de informações públicas, extraídas de tribunais e bases oficiais.
O diferencial é a interface simples: basta preencher o nome completo, telefone e data de nascimento, ou somente o CPF da pessoa a ser consultada.
"Achamos que isso poderia ser um desafio, mas o que descobrimos é que as mulheres sempre dão um jeito de conseguir essas informações", diz Matos.
Em poucos segundos, a plataforma informa a presença de processos criminais, mandados de prisão ou outras ocorrências, com um sistema de 'alertas' (verde, amarelo e vermelho) para facilitar a visualização.
"Se aparece que ele tem uma red flag (bandeira vermelha), aí ela já pode ficar em alerta. Nós mostramos também quais são as ocorrências registradas", diz.
Página mostra exemplo de pessoa identificada com uma 'red flag'
Cada busca equivale a um crédito — hoje, o plano mais comum custa R$ 97 por mês, com acesso ilimitado. “A ideia não é ganhar por volume, mas permitir que as usuárias usem sempre que precisarem”, diz.
O Plinq opera com dados públicos, disponíveis em tribunais de justiça e registros oficiais. O que a plataforma faz é organizar essas informações de forma acessível, sem violar sigilos ou invadir sistemas fechados, como, por exemplo, é o caso do Jusbrasil. Por isso, o serviço é legal.
Ainda assim, o tema gera debates jurídicos: existe o risco de ações por parte de pessoas expostas na ferramenta — mesmo que os dados já estejam disponíveis em outras fontes.
A startup conta com apoio jurídico e monitora de perto mudanças na legislação, especialmente em relação à LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados. “Trabalhamos com o que já é público. Só damos poder à usuária de acessar isso de forma simples”, resume a fundadora.
Matos estima mais de 100 casos em que a plataforma ajudou a evitar situações perigosas. Em um deles, uma amiga prestes a sair com um homem da academia decidiu fazer a verificação. “Ele tinha oito ocorrências, incluindo racismo, tráfico e violência doméstica. Isso muda tudo”, diz.
Em outro caso, uma cliente descobriu que o parceiro com quem se relacionava havia cometido homicídio. “Ela ficou tão abalada que cancelou a assinatura e disse que nunca mais ia namorar”, conta.
O próximo passo é o aplicativo móvel, que vai incluir novos recursos. Entre eles:
A inspiração veio de mais um caso real: uma mulher salva porque um amigo foi atrás dela após ver a localização no WhatsApp. “Queremos transformar o Plinq em um ciclo completo de segurança. Não é só saber com quem você vai sair, mas garantir que você volte para casa”, explica.
Matos também prepara uma rodada pré-seed, primeira captação oficial da empresa. O detalhe? A startup quer fechar a rodada apenas com mulheres investidoras. “Queremos criar um negócio feito por e para mulheres. E isso começa desde quem aposta na gente”, diz.
Ela já tem conversas avançadas com executivas com histórico no setor de tecnologia e acredita que a rodada, estimada em R$ 1 milhão, deve ser fechada em até 40 dias — um ritmo mais acelerado que o padrão do mercado, onde esse tipo de captação costuma levar até seis meses.
O plano de negócios inclui uma receita projetada de R$ 2,2 milhões no primeiro ano, impulsionada por assinaturas individuais e também, eventualmente, por vendas para empresas. “Tem psicólogo, corretor de imóveis, locador de kitnets... todo mundo quer mais segurança.”
Mesmo diante de riscos jurídicos — lidar com informações sensíveis não é tarefa simples —, Matos segue confiante. “Claro que pode ter processo, mas o direito à vida vem antes do direito à privacidade. Se a gente salvar uma mulher, já valeu.”