Alessandra França, diretora presidente do Banco Pérola: nome foi dado em homenagem ao projeto de capacitação para jovens do qual ela participou
Repórter
Publicado em 29 de setembro de 2025 às 12h56.
Última atualização em 29 de setembro de 2025 às 13h00.
Aos 23 anos, Alessandra França fundou um banco para aqueles que têm dificuldade em acessar crédito. Hoje, à frente de dois fundos regulados pela CVM, a paulista tenta mostrar que o microcrédito não apenas é viável, como também essencial para o Brasil real.
A história começa no início dos anos 2000, no interior de São Paulo. Desde a infância, França observava que os pais agricultores enfrentavam dificuldades para acessar crédito – uma realidade comum em muitas casas brasileiras.
Mas para França, que cresceu nesse contexto, a experiência virou combustível para construir uma carreira dedicada a resolver esse problema de forma estrutural.
Aos 15 anos, a paulista ingressou como aluna no Projeto Pérola, uma organização de capacitação para jovens de Sorocaba. Após ganhar uma bolsa e virar instrutora, passou a coordenar a ONG, que chegou a ter 500 colaboradores e 50 mil alunos.
Ali, percebeu que faltavam alternativas de crédito para quem queria empreender, mas não tinha acesso ao sistema financeiro tradicional.
Foi com essa inquietação que, em 2009, ela fundou o Banco Pérola, uma associação de crédito voltada para o microcrédito produtivo. O nome foi uma dedicação ao projeto que a capacitou.
A ideia inicial era oferecer recursos financeiros com um olhar mais humano, taxas justas e um atendimento direcionado a quem é ignorado pelos grandes bancos.
Nos primeiros quatro anos, o banco sobreviveu com doações e prêmios.
"Escrevi em tudo quanto é edital. No primeiro ano, emprestamos R$ 44 mil; no terceiro, já eram R$ 500 mil", lembra França.
Com a alta demanda e a limitação de depender apenas de doadores, França começou a buscar alternativas mais sustentáveis.
Em 2014, lançou o FIDC Pérola, um fundo de investimento em direitos creditórios regulado pela CVM. A estrutura permitiu profissionalizar a operação e escalar os empréstimos.
"Foi nosso mergulho no mercado financeiro. A gente ganhou experiência, track record e capilaridade. Mas também aprendemos o peso da regulação", afirma.
Entre 2020 e 2021, com a chegada da pandemia, o Banco Pérola foi convidado a operar três fundos emergenciais voltados para mulheres, imigrantes e periferias.
Foi quando percebeu uma nova camada de vulnerabilidade: empreendedores ainda mais invisíveis, que não tinham CNPJ, nem acesso a produtos básicos de crédito.
A partir dessa experiência, nasceu o Levante, fundo de microcrédito focado no que França chama de “microcrédito raiz”.
Criado em 2023, o fundo já financiou mais de 2.300 pequenos negócios em 27 estados. Os valores são baixos, entre R$ 500 e R$ 5.000, com acompanhamento e educação financeira.
O Levante é operado por uma equipe enxuta e digitalizada. Cerca de 80% dos tomadores são mulheres, boa parte delas em regiões periféricas.
O fundo é administrado pela QI Tech, último unicórnio brasileiro, que comprou a Singular, empresa que já prestava serviço ao Pérola desde 2014.
Apesar dos resultados, o fundo enfrenta um novo desafio: a mudança nas regras contábeis brasileiras de 2025, que reduziu de 12 para 4 meses o prazo para provisões de perdas (PDD).
"Essa mudança faz parecer, no balanço, que estamos perdendo dinheiro. Mas não estamos. O impacto é contábil, e penaliza quem empresta para os mais vulneráveis", diz França. Ela defende que o microcrédito precisa ser visto com outras lentes pelos reguladores.
"Não atendemos quem tem balanço auditado, atendemos quem vende banana no sol, em Roraima, e precisa comprar um toldo", exemplifica. "O microcrédito exige paciência e um olhar diferenciado. Não podemos tratar esse público da mesma forma que os grandes empreendedores".
Além de atuar como CEO, França participa do Conselhão da Presidência da República e da Associação Brasileira de Operadoras de Microfinanças, onde tenta advogar por mais abertura ao capital de impacto.
Em 16 anos, o Banco Pérola já viabilizou crédito para mais de 1,6 milhão de pessoas de forma indireta. Hoje, com dois fundos ativos, cerca de 400 mil pessoas foram diretamente beneficiadas.