Samira Peixoto, fundadora da San'Mielle: hidromel feito com produtos apícolas da biodiversidade brasileira (Divulgação)
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 30 de maio de 2025 às 15h43.
Em uma pequena sala adaptada na casa do pai, em Cruz das Almas (BA), cidade com pouco mais de 60 mil habitantes, Samira Maria Peixoto Cavalcante da Silva fermentava não só mel, mas também um sonho. Engenheira agrônoma, mestre em Ciência Animal e doutora em Ciências Agrárias, ela usou o conhecimento científico como alicerce para fundar a primeira hidromelaria da Bahia certificada pelo Ministério da Agricultura: a San'Mielle, que produz bebidas a partir da combinação entre mel, leveduras e nutrientes.
A iniciativa, criada em 2022 e certificada em 2024, é resultado de uma trajetória que une paixão, conhecimento técnico e um olhar atento ao potencial dos produtos apícolas da biodiversidade brasileira.
“Quero mostrar que é possível transformar conhecimento em impacto, e que dá para empreender com base em ciência e valorizando o que temos de melhor: a natureza e a nossa cultura”, diz Samira à EXAME.
Conhecido por ser uma das bebidas alcoólicas mais antigas do mundo, o hidromel também ficou famoso pela presença na cultura pop, aparecendo em filmes como O Senhor dos Anéis e Harry Potter, além da série Game of Thrones.
Atualmente, na produção da San'Mielle há duas versões da bebida: uma mais floral, com 7% de álcool, e outra mais encorpada, maturada em chips de carvalho francês, com notas de baunilha e chocolate, e teor alcoólico de 8%.
Os produtos estão no e-commerce da marca e em locais como Meliponário Pólen Dourado (Praia do Forte), Bee Origem (Chapada Diamantina) e Startei (Salvador).
Como reflexo do seu trabalho, Samira venceu a etapa estadual do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios de 2024, na categoria Ciência e Tecnologia. Agora, o plano da empresária é escalar as vendas em todo o país e lançar, até o final deste ano, uma versão seca do hidromel.
San'Mielle: a primeira hidromelaria da Bahia certificada pelo Ministério da Agricultura (Divulgação)
Durante a pesquisa de mestrado, Samira teve a oportunidade de realizar um estágio em Portugal, no Instituto Politécnico de Bragança, onde aprofundou o conhecimento sobre fermentação e o uso do mel na produção de bebidas.
A falta de regulamentação para o uso do mel de abelha sem ferrão no Brasil chamou a atenção da cientista. Ela passou a buscar alternativas para transformar essa matéria-prima em produtos de alto valor agregado.
Após retornar ao país, Samira direcionou suas pesquisas para a criação do hidromel, cujo álcool vem do mel cristalizado. No caso do vinho, por exemplo, o processo de fermentação transforma os açúcares da uva em álcool.
A transição da pesquisa acadêmica para o empreendedorismo, no entanto, não foi imediata. Inicialmente, a meta era seguir como pesquisadora, mas o contato com apicultores e produtores locais revelou desafios que despertaram o interesse em transformar o conhecimento científico em negócio.
A pandemia de Covid-19 impulsionou essa mudança. Por conta do isolamento social, Samira decidiu adaptar uma sala na casa do pai em um pequeno laboratório para seguir com suas pesquisas e, ao mesmo tempo, apresentar o hidromel ao público nordestino, ainda pouco familiarizado com a bebida.
Como pesquisadora e ciente dos riscos de produzir uma bebida artesanal sem a devida regulamentação, ela sabia que precisava da certificação do Ministério da Agricultura, um processo complexo e que demanda alguns recursos. Assim, Samira buscou capacitação em instituições como o Sebrae e que, segundo ela, foi um divisor de águas para o negócio.
“Precisava entender o que era uma empresa, uma marca. Fiz cursos em diversas áreas, desde planejamento de negócios até questões financeiras e precificação, além de participar de iniciativas como Projeto da Indústria e o Programa Agente de Mercado”, conta.
Outro apoio veio da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (FAPESB) que, por meio de um projeto para empreendedoras femininas, concedeu um recurso de R$ 60 mil ao projeto da hidromelaria. O valor possibilitou a contratação de consultorias para a estruturação da empresa, garantindo que cada passo fosse bem calculado.
“Ninguém chega a lugar algum sozinho”, ressalta a empreendedora. A San' Mielle Hidromelaria também conta com a parceria do orientador de mestrado de Samira como sócio, solidificando a base do negócio.
O diferencial do hidromel produzido por Samira está na receita, que utiliza um consórcio de leveduras e nutrientes para acelerar a fermentação, além do compromisso com a sustentabilidade: todos os resíduos são enviados à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) para serem reaproveitados na alimentação animal.
Hidromel baiano: atualmente, a produção da San'Mielle tem duas versões da bebida -- uma mais floral, com 7% de álcool, e outra mais encorpada e com teor alcoólico de 8% (Divulgação)
Os desafios também fizeram parte do caminho, especialmente em um mercado ainda dominado por homens. A empresária enfrentou, por exemplo, questionamentos sobre a sua capacidade. No entanto, ela destaca que sempre se apoiou em sua formação e conhecimento para conquistar respeito. “Desde o início, fui questionada sobre minha capacidade, ouvindo frases como ‘Será que ela entende mesmo?’”.
Nesse sentido, ela destaca a importância do fortalecimento das redes de empreendedorismo feminino “Temos de nos unir cada vez mais”. Samira, inclusive, integra um grupo com 60 mulheres da indústria, que se reúnem quinzenalmente na capital baiana para trocar experiências sobre inovação, tecnologia e autoconhecimento.
Àquelas que desejam empreender, ela deixa um conselho: “Tenha paciência. Se prepare, estude, teste. E, principalmente, busque apoio em redes e instituições como o Sebrae”.
Para Samira, o caminho começa com um sonho e o desejo de realizá-lo. Depois, é preciso coragem, persistência e resiliência. “Ao longo da jornada, encontramos vários tipos de pessoas: algumas dispostas a ajudar, outras nem tanto. Mas acredito que, na vida, nunca perdemos. Ou ganhamos ou aprendemos”, finaliza.