Negócios

Do campo à mesa: a queijaria artesanal paranaense que virou referência nacional

Com 600 quilos de produção mensal e rótulos premiados no Brasil e no exterior, Gelir Maria Giombelli busca agora expandir a presença da Vila Belli

Gelir Maria Giombelli, à frente da Queijaria Vila Belli: "Se existe um sonho, vale continuar.”

Gelir Maria Giombelli, à frente da Queijaria Vila Belli: "Se existe um sonho, vale continuar.”

Caroline Marino
Caroline Marino

Jornalista especializada em carreira, RH e negócios

Publicado em 25 de novembro de 2025 às 11h30.

Aos 59 anos, Gelir Maria Giombelli transformou décadas de trabalho no campo em um empreendimento que ganhou espaço no universo da produção artesanal brasileira. À frente da Queijaria Vila Belli, instalada em uma área de três alqueires no interior do Paraná, ela e o marido produzem cerca de 600 quilos de queijo por mês – quatro rótulos premiados em concursos regionais, nacionais e internacionais. A virada de visibilidade começou em 2024, quando venceu o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios na categoria Campo, e ampliou-se em 2025, com o 3º lugar na categoria Produtora Rural na etapa nacional da premiação. Os reconhecimentos colocaram seu trabalho no mapa do empreendedorismo feminino brasileiro e abriram novas perspectivas para a marca expandir a presença no Paraná e, futuramente, chegar a consumidores de outras regiões.

A paranaense percebeu cedo que o futuro da propriedade não estaria em ampliar o rebanho ou depender do leite in natura, vendido a cerca de R$ 2,10 o litro. O salto veio ao reposicionar o negócio para o mercado de queijos artesanais. Embora o Brasil produza 1,3 milhão de toneladas de queijo por ano e figure entre os cinco maiores produtores globais, é o nicho artesanal que mais cresce: entre 8% e 12% ao ano, com mais de 180 premiações conquistadas na última década e um consumidor disposto a pagar até cinco vezes mais por alimentos de origem conhecida. Nesse ambiente, pequenas queijarias como a Vila Belli encontram espaço para competir com identidade, técnica e história.

Da infância rural ao renascimento no campo

Filha e neta de agricultores, nasceu no distrito de La Salle, em Palotina (PR). A rotina entre escola, lavoura e ordenha começou cedo. Aos 12 anos, após a mãe adoecer, passou a cuidar das irmãs mais novas, dos afazeres da casa, das vacas e do queijo feito para consumo próprio. A vida adulta seguiu marcada por recomeços – na lavoura do Paraná; em tentativas de abrir áreas no Mato Grosso, durante o tempo em que morou na região; nas vendas em mercados locais; e no desafio de sustentar a família diante da imprevisibilidade do campo.

A consolidação começou quando ela voltou definitivamente ao Paraná. A mãe, recuperada, havia estruturado uma pequena queijaria com Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e mantinha uma clientela fiel. Gelir entrou no negócio, mas enfrentava um casamento marcado por controle e violência — situação que só se rompeu após acionar a Lei Maria da Penha. A separação trouxe proteção, mas também dívidas e a responsabilidade integral pela fábrica e pelos três filhos. “Trabalhava de segunda a segunda para dar conta do trabalho, das crianças e das contas”, lembra.

Já numa fase de transição, conheceu o marido atual, que se tornou parceiro no manejo do rebanho e na produtividade da pequena fazenda. A profissionalização veio com cursos do Sebrae e a participação em um programa que, em 2019, a levou à Itália para conhecer indústrias tradicionais e pequenas queijarias familiares. Em Bergamo, diante de prateleiras infinitas de Grana Padano, percebeu que a escala não era determinante. Identidade, técnica e constância também sustentavam negócios longevos. “Achava que queijo fino era só para fábrica grande. Lá percebi que bastava ter disposição para aprender e fazer bem feito”, diz.

A consolidação da Vila Belli

A partir dali, a empreendedora ingressou no Projeto de Queijos finos do Biopark, em Toledo (PR). Lá aprimorou genética e qualidade do leite, formalizou processos e desenvolveu novas receitas. O portfólio se consolidou com quatro itens: Colonial fresco e maturado, Tomme Negro, criado com o Biopark, e Belagio, produto autoral com erva-cidreira, premiado já no primeiro lote.

Os concursos ajudaram a fortalecer reputação e abrir portas. Em 2024, além da visibilidade, o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios trouxe recurso financeiro usado para trocar o sistema de ordenha, um investimento essencial para manter a produção. “Foi um divisor de águas. Passei a ser vista, ouvida, reconhecida. Nunca imaginei que minha história seria contada em nível nacional”, afirma.

Apesar da expansão, a Vila Belli permanece pequena e familiar. Toda a operação é tocada por Gelir e marido, com ajuda eventual de uma diarista. A contratação de mão de obra segue sendo a maior dificuldade, assim como lidar com redes sociais, vendas online e a burocracia para registrar novos produtos. Mesmo assim, o horizonte é ambicioso: fortalecer o mercado no Paraná e, gradualmente, buscar canais para chegar a outras regiões.

Futuro, sucessão e o papel das políticas públicas

A visão de futuro de Gelir também passa pelo fortalecimento do setor como um todo. Ela defende políticas específicas para pequenas propriedades, com foco na sucessão familiar – tema que a toca diretamente, já que os filhos deixaram o campo em busca de estudo e trabalho. “Falta um olhar mais carinhoso dos governos para manter os filhos dos agricultores na roça. Quem nasce aqui tem outro cuidado com a terra.”

Às mulheres que desejam empreender, especialmente na zona rural, costuma dizer que a jornada é cansativa, mas possível. Para a empresária, buscar apoio, trocar experiências e dar um passo de cada vez são atitudes que fortalecem qualquer projeto. No caso dela, a caminhada ganhou forma no cheiro do leite fresco, na paciência da maturação e na rotina silenciosa das madrugadas na ordenha – trabalho que se transformou em autonomia, propósito e futuro. “Se existe um sonho, vale continuar”, finaliza.

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