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E-commerce robusto e vendas na gringa: o contra-ataque da Martins Fontes diante do avanço da Amazon

Em entrevista à EXAME, Alexandre Martins Fontes, CEO e dono da rede de livrarias, explica como as vendas online ganharam protagonismo no faturamento da empresa e as estratégias para sobreviver em um mercado desafiador

Livraria Martins Fontes, da Avenida Paulista, a unidade mais popular e mais rentável da rede (Divulgação)

Livraria Martins Fontes, da Avenida Paulista, a unidade mais popular e mais rentável da rede (Divulgação)

Mateus Omena
Mateus Omena

Repórter

Publicado em 4 de outubro de 2025 às 08h00.

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Quem caminha pela Avenida Paulista — principalmente próximo à Casa das Rosas — se depara com um imenso corredor de vitrines que expõe uma infinidade de livros. A parte mais complicada é saber para onde olhar e qual título escolher, até decidir entrar de vez numa das livrarias mais tradicionais de São Paulo.

Este é um dos segredos da rede Martins Fontes para fisgar o público. A empresa de 65 anos continua fiel ao modelo de negócio das lojas físicas, oferecendo um vasto acervo à aqueles que preferem conhecer boas histórias pelo toque do papel. Agora, encara o desafio de manter o crescimento das vendas em meio aos impactos da digitalização no setor e à concorrência com grandes players do mercado, como a Amazon e o Mercado Livre. Para sair vitoriosa dessa briga, a Martins Fontes aposta na ampliação de seu acervo, inovação de seu próprio e-commerce e na expansão das vendas a outros continentes.

De acordo com Alexandre Martins Fontes, CEO e dono da rede de livrarias, a transformação digital do setor impulsionou o alcance e os rendimentos de várias empresas. E a resposta rápida a essa movimento ajudou a posicionar seu negócio entre as principais livrarias do país.

"A venda online ajuda a levar os livros para mais pessoas, especialmente em um país grande como o Brasil que anda mal servido de livrarias. Sempre acreditei no potencial da venda digital e investimos nesse trabalho há muitos anos. Por meio dessa estratégia, estamos entre as maiores livrarias do país", afirma o empresário, em entrevista à EXAME.

Além da loja na Avenida Paulista, a empresa conta com mais duas unidades nas regiões da Consolação e Pacaembu, e outra em Santos. Alexandre Martins Fontes conta que o contato direto com as obras, as recomendações dos vendedores e os eventos com autores renomados tornam a experiência das lojas físicas irresistível aos compradores — e isso ainda tem um grande peso nas vendas.

Contudo, a venda digital tenta suprir um gigantesco desafio da empresa. No ano passado, a unidade da Paulista, a maior e mais rentável de toda a empresa, registrou receita de R$ 20 milhões com a venda de quase 280 mil exemplares no primeiro semestre de 2025. Enquanto no mesmo período do ano anterior, foram vendidos aproximadamente 490 mil livros, com geração de receita de R$ 31,5 milhões. [/grifar](No entanto, a empresa não divulgou os resultados das outras unidades

As vendas na internet representam atualmente quase 50% do faturamento total da empresa, com um crescimento contínuo de dois dígitos ao longo dos últimos vinte anos. De janeiro a junho de 2025, a Martins Fontes alcançou a receita de R$ 10 milhões com a venda de mais de 120 mil livros. No primeiro semestre do ano passado, foram vendidos mais de 204 mil livros pelo e-commerce, com receita de R$ 16 milhões.

As cartas na manga

Alexandre Martins, CEO e dono da rede de livrarias Martins Fontes (Divulgação)

Desde 2007, a Martins Fontes tem se dedicado ao comércio eletrônico, oferecendo um vasto acervo de 230 mil títulos disponíveis para pronta entrega. A livraria vai além dos bestsellers e investe em um catálogo diversificado, incluindo livros importados e obras raras.

"Além dessa quantidade de livros para pronta entrega, contamos com mais de 1 milhão de produtos cadastrados. Pouquíssimas livrarias conseguem armazenar isso", explica o CEO.

Para se destacar no e-commerce, a tecnologia tem sido uma grande aliada. A integração com a plataforma VTEX, viabilizada por meio da companhia de software Jitterbit, possibilitou à Martins Fontes aprimorar a experiência digital dos consumidores, com maior transparência sobre as obras disponibilizadas no catálogo e flexibilidade na hora da compra, para que a jornada tenha uma qualidade semelhante ao atendimento presencial.

Para quem está nos bastidores, o sistema também oferece melhor visibilidade do estoque, organização de metadados e uma integração mais eficaz com os parceiros logístico. Segundo Erika Hamassaki, gerente de projetos digitais e e-commerce da livraria, isso "foi um marco que fez a livraria multiplicar por cinco suas vendas online" desde a implementação da ferramenta em 2020.

"Acreditamos que conseguimos esse resultado principalmente pela diversidade do nosso catálogo, que nem toda livraria oferece. Assim, o cliente encontra o livro que procura, recebe um bom atendimento e a experiência se aproxima da que teria na loja física", explica Erika.

Ela também destaca que o aperfeiçoamento da jornada de compra também contribuiu para a fidelização dos clientes. "O cliente da loja física entra na livraria buscando um ponto de encontro, troca de cultura e conhecimento, além de contar com a orientação do vendedor. Nosso maior desafio é trazer parte dessa experiência para o online. Procuramos transpor a vivência da loja física para o momento em que a pessoa busca um produto".

O sistema desenvolvido em parceria com a Jitterbit também tem sido fundamental para o crescimento da operação internacional da Martins Fontes, iniciada em 2023. Hoje, 10% das vendas online são destinadas a mais de 140 países, com destaque para os Estados Unidos, Canadá e Portugal, por meio da parceria da rede com a plataforma de logística internacional ShipSmart.

Segundo Erika, a integração desses serviços dinamizou a operação e a rapidez para a entrega das encomendas em qualquer país. "Com a tática de pronta entrega, os produtos saem do Brasil e chegam na casa de um comprador nos Estados Unidos em até cinco dias".

E agora, a rede de livrarias mira potenciais consumidores da Europa: "Em breve daremos um novo passo. Ao participar de marketplaces da Amazon, vamos expandir nosso alcance para mais 10 países da Europa. É um projeto que está em andamento", adiantou a executiva, sem dar mais detalhes sobre as nações em seu radar.

"Estamos investindo para estar presentes em mais marketplaces fora do Brasil. Existem muitos brasileiros morando fora do país e muitos estrangeiros interessados na cultura brasileira e na língua portuguesa. Hoje, o Brasil tem uma relevância no cenário mundial que não tinha décadas atrás. Estamos convencidos de que há um mercado importante a ser explorado lá fora, e os resultados do nosso trabalho confirmam isso", reforça Alexandre Martins Fontes.

A companhia também está de olho no crescente consumo de livros estrangeiros entre os brasileiros, especialmente entre estudantes de escolas bilíngues e profissionais que buscam desenvolver fluência em novos idiomas para atender às demandas do mercado de trabalho.

"Muitos brasileiros preferem ler a versão original de um livro, seja em inglês, francês ou alemão. Esse mercado ainda é pouco explorado pelas livrarias em geral e, na verdade, nem pelos grandes marketplaces, que em sua maioria, não dispõem de livros importados para pronta entrega no Brasil e o cliente precisa esperar um longo tempo até a encomenda chegar ao seu lar. Mas, esse é um diferencial importante do nosso site", destaca o CEO.

A empresa passou a investir também na curadoria especializada de obras estrangeiras para expandir seu market share. E isso já tem efeito expressivo nos lucros, segundo Alexandre Martins Fontes.

"Importamos livros de arte da França, dos Estados Unidos e da Inglaterra, literatura em espanhol e italiano, porque entendemos que existe um mercado no Brasil para isso e nossos concorrentes não exploram bem esse segmento. Atualmente, a venda de livros importados no online já representa 15% da nossa receita".

Para o empresário, o grande volume de exemplares oferecidos em seu catálogo é, ao mesmo tempo, o maior desafio e a maior força dessa indústria. E na corrida pela preferência do público, ganha aquele que não apenas aproveita as oportunidades, mas faz a melhor gestão de seus fraquezas.

"Além da escassez de livrarias, os brasileiros leem pouco e temos a concorrência com os marketplaces. Mas, o consumidor final sempre reclama que procura um livro e não encontra. Essa complexidade operacional é justamente o charme do nosso negócio. Nenhuma livraria no mundo consegue oferecer tudo que existe no mercado, e nossa aposta é que quanto maior a variedade que oferecemos, melhores serão os resultado. E até agora isso tem dado certo".

A culpa é da Amazon?

Segundo levantamento da Nielsen BookScan em conjunto com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), o mercado editorial brasileiro movimentou R$ 1,65 bilhão entre janeiro e julho de 2025. No mesmo período de 2024, a receita havia sido de R$ 1,50 bilhão, o que indica crescimento de 9,93%. O relatório também mostra que o número de livros comercializados aumentou de 28,9 milhões para 31,7 milhões de exemplares, uma variação positiva de 9,75% no comparativo anual.

Entre os livreiros, há um ambiente de otimismo com as projeções de lucro para o segundo semestre  de 2025. Um estudo feito pela Associação Nacional de Livrarias (ANL) mostra que cerca de 40% das livrarias brasileiras projetam crescimento de até 10% nas vendas nesse período. Apesar disso, o levantamento também identificou que a principal preocupação segue sendo a concorrência com grandes players digitais, que foi apontada por 70% dos livreiros entrevistados, seguida por atração e fidelização do público (33%) e custos operacionais e tributários (17%)

Diante deste cenário, Alexandre Martins Fontes aponta que o faturamento de sua empresa em vendas de livros na internet seria superior às margens atuais se não houvesse uma disputa "predatória", como chamou, provocada por grandes varejistas online como Amazon, Submarino e Mercado Livre.

"Se não tivéssemos uma concorrência predatória ou desleal representada pela Amazon, não tenho dúvida de que nossa venda online seria a principal fonte de receita".

Há muito tempo os representantes do setor de livros criticam as varejistas online de prática de dumping, que consiste na venda de produtos a preço abaixo do custo de produção, com o propósito de desbancar os concorrentes e elevar o market share.  “A Amazon não depende da venda de livros. Ela usa o livro como uma forma de atrair consumidores para sua plataforma. Nós, como livrarias, dependemos exclusivamente da venda de livros e não temos margem para praticar os mesmos descontos baixos que ela oferece”, explica.

Mas, o CEO da Martins Fontes também enfatiza que as disputas com esses marketplaces representam apenas a ponta do iceberg de um desafio mais complexo.

"O problema não é a Amazon ou outra empresa com a mesma operação. O problema está no mercado brasileiro, que permite a destruição do ecossistema das livrarias e que empresas que não atuam no setor sejam responsáveis pela sua precarização".

E enfatiza: "É ótimo vender livros com preços baixos, mas os descontos praticados por essas empresas não levam em contas as consequências, pois livrarias estão fechando e a grande parte da indústria fica cada vez mais concentrada nas mãos de um único player. E isso é um risco também para a cultura nacional".

Para o executivo, a solução se encontra em legislações mais equitativas no mercado editorial. Ele é um dos apoiadores da chamada “Lei Cortez” (PLS 49/2015), um projeto que visa regular o comércio varejista de livros no Brasil para proteger as livrarias, especialmente as independentes, da concorrência predatória de grandes redes e marketplaces. A medida estabelece que, durante os 12 primeiros meses após o lançamento de um livro, o preço não poderá sofrer descontos superiores a 10% em relação ao preço de capa definido pela editora, buscando garantir uma competição mais justa no mercado editorial. Após esse período, os descontos podem ser aplicados sem restrição.

A Lei Cortez havia sido aprovada na Comissão de Educação do Senado Federal em outubro de 2024, mas como a aprovação ocorreu por meio de um substitutivo, o projeto ainda precisa passar por nova votação na mesma Comissão, em turno suplementar, antes de seguir para a Câmara dos Deputados.

Alexandre Martins Fontes acredita que, se a medida for sancionada, vai contribuir para sustentabilidade do setor, como ocorre em países como França, Alemanha, México, Coreia do Sul e Argentina, que possuem leis que restringem os descontos em lançamentos por um período determinado, para proteger as redes de livrarias.

"As livrarias físicas são a vitrine do nosso mercado. A venda online não pode virar uma inimiga desse modelo de negócio. É preciso que todos os empreendedores, das grandes cidades até pequenos livreiros dos interiores, tenham oportunidades de crescer".

Apesar dessa queda de braço entre as livrarias e marketplaces, os pequenos e médios negócios estão mantendo a rentabilidade com estratégias criativas de vendas, que se mostram soluções de longo prazo até a definição do projeto de lei, afirma Roberta Machado, diretora do Snel, em entrevista à EXAME.

"Mesmo com preços mais altos, temos observado nos últimos anos um crescimento interessante nas vendas feitas por livrarias que trabalham muito bem seu diferencial, com boa curadoria, com eventos, boa divulgação nas redes sociais".

Segundo a representante do setor, livrarias de diversas regiões do país têm apostado também no marketing de influência como um dos principais alicerces das vendas. "Elas viabilizaram a conversão das vendas por indicação de influenciadores comissionados, o que teve efeito muito positivo para catapultar certos fenômenos e gerar demanda também nas lojas físicas".

Para Roberta, a resistência é, no momento, o melhor remédio para as preocupações dos empreendedores do setor diante de um futuro incerto.

"A coexistência harmoniosa entre livrarias e e-commerce dependerá, em última análise, de um pacto entre setor público, pela regulamentação da Lei Cortez, e setor privado, com a inovação e experiência. As livrarias físicas precisam capitalizar o que o e-commerce não pode oferecer: a experiência humana e social. Acredito que o desafio maior no fundo é aumentar a base de leitores".

A meta é crescer, mas com cautela

Livraria Martins Fontes, unidade da Avenida Paulista (Divulgação)

Apesar dos percauços enfrentados pelo segmento, Alexandre Martins Fontes se mantém confiante quanto ao futuro da empresa. Após olhar para o passado, o CEO exalta a evolução de suas livrarias e a reputação conquistada entre os consumidores.

"Em 2005, nossa rede de livrarias não tinha relevância no mercado. Antes, eu jamais pensaria em falar isso, mas, depois de 20 anos, posso afirmar que somos a melhor livraria do Brasil".

O executivo também destaca: "A Martins Fontes da Paulista é uma das livrarias que mais fatura como loja física única no país. Ela é de longe a livraria completa e com maior acervo. Somos os únicos a importar determinados livros estrangeiros, oferecendo experiências exclusivas aos leitores. E recebemos de clientes, editoras e parceiros execelentes feedbacks de nossa operação de pronta entrega". 

Nos últimos anos, o setor presenciou o lançamento de lojas físicas de redes como Livraria da Vila e Leitura, especialmente em shoppings de São Paulo e outras capitais brasileiras. Diante dessa tática dos concorrentes, o dono da Martins Fontes adianta que não pretende dar um passo maior que a perna.

"Não pretendo abrir mais lojas, pois seria difícil para nós reproduzir o padrão de qualidade e eficiência que temos em larga escala. Não temos praça para isso. Nosso projeto é muito diferente da Leitura, que cresceu bastante investindo em unidades de pequeno e médio porte. Nos tornamos sustentáveis e lucrativos com nossas lojas físicas e online, focando na riqueza de produtos e oferta mais atraente aos clientes".

Além de manter o ritmo de crescimento das receitas com vendas online e nas lojas, o CEO também tornar Martins Fontes referência de qualidade em oferta, serviços e alcance.

"Vamos continuar aprimorando nosso atendimento, acervo e curadoria. Estamos atentos também nas oportunidades de expandir nossa presença em mais marketplaces mundo a fora. Queremos ser a livraria que vende não apenas para brasileiros, mas para pessoas de qualquer país que desejar conhecer o Brasil pelos livros".

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