Ana Lisboa, fundadora do Grupo Altis: “Gosto de saber como as pessoas se sentem, suas histórias e dificuldades. Foi para isso que a empresa foi criada; se me afastar tudo perde o sentido. O objetivo não é dominar o mercado e, sim, transformar vidas”
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 1 de julho de 2025 às 17h08.
Por muito tempo, a gaúcha Ana Lisboa viveu no modo “não posso parar”– e isso quase custou sua saúde. Formada em Direito, mergulhou num ritmo intenso de trabalho, ignorando os sinais do próprio corpo. O que não imaginava é que, anos depois, transformaria sua história, marcada por dores físicas e emocionais, em uma potência empreendedora. Hoje, lidera o Grupo Altis, que oferece soluções para negócios sistêmicos, uma universidade corporativa voltada à saúde mental – a primeira especializada no tema no Brasil e na Europa –, e o Feminino Moderno, movimento que acelera negócios e forma mulheres para ocuparem espaços estratégicos no mercado e na vida. Atualmente, são cerca de 100 mil alunos em 72 países, 40 colaboradores, mais de 1 milhão de seguidores no Instagram e um faturamento de R$ 37 milhões em 2024 – com previsão de alcançar R$ 50 milhões este ano.
À Exame, ela conta o caminho que percorreu para chegar a esse patamar.
Durante três anos, Ana conciliou a graduação com os estágios. Atuou na defensoria pública – atendendo desde vítimas de violência doméstica até mães de dependentes químicos –, e em uma delegacia de polícia, onde ficou por mais um ano após a formação. Depois, enquanto estudava para prestar concurso de delegada, advogou de forma autônoma. Os reflexos começaram a aparecer. Aos 19 anos, retirou o ovário esquerdo; aos 21, teve um tumor na mama e passou por uma reconstrução; aos 22, o nódulo reapareceu. Mas sempre "dava um jeito" de continuar. "Lembro que durante o estágio dizia: 'consigo digitar, é só não levantar os braços'", conta. Quando passou a atender por conta própria, o ritmo intensificou. "Era como se eu não pudesse descansar, pois tinha prazos e pessoas que precisavam de resoluções", diz.
Os problemas de saúde continuaram, até que decidiu buscar apoio na terapia. Em um congresso de Direito, conheceu as constelações familiares e o impacto foi imediato. "Comecei a me perguntar se estava ali por mim ou pela escolha da minha mãe, que insistiu para que eu fizesse Direito".
Foi o ponto de virada. Começou a dar aulas em universidades, além de palestras, e decidiu fazer mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais em Lisboa (Portugal), onde mora atualmente. Assim, iniciou o desenvolvimento de cursos voltados ao atendimento sistêmico na advocacia. Com o isolamento social imposto pela pandemia, em 2020, sentiu que era o momento de outra mudança. “Já estava fazendo psicanálise e decidi atuar como terapeuta”. Em paralelo, passou a fazer lives no Instagram e a produzir conteúdo. Nascia ali o Movimento Feminino Moderno que, mais tarde, seria incorporado ao Grupo Altis.
A criação do empreendimento não seguiu um plano convencional – surgiu da combinação entre propósito, repertório de vida e organização estratégica – ainda que intuitiva no começo. “Trabalho desde cedo para ajudar em casa. Na adolescência, por exemplo, ajudava minha mãe, professora, a complementar a renda com a venda de chocolates e lingerie”.
Dessa bagagem, veio a familiaridade com o empreendedorismo, que se somou à formação em Direito, à experiência em escutar mulheres em situação de vulnerabilidade e às próprias cicatrizes – físicas e emocionais. Foi essa vivência que moldou o desejo de transformar a vida de outras mulheres. “Não aprendi em um curso. Meu corpo e minha alma têm marcas e meu maior ‘branding’ é a minha história”.
O trabalho começou com o atendimento ao público feminino e foi se expandindo ao longo do tempo, incluindo homens e organizações. Atualmente, o grupo combina conhecimento acadêmico e estratégias empresariais para capacitar profissionais e líderes, promovendo uma nova abordagem na saúde mental. Há iniciativas como MBA Imperi, Programa de Mentoria Líderes Sistêmicos e Formação de Conhecimentos Sistêmicos – todos certificados pelo MEC –, além de eventos.
O primeiro passo para tirar o projeto do papel, foi criar um quadro no Trello, aplicativo de gerenciamento de projetos, com um cronograma mensal de ações, conteúdos e cursos que podia oferecer com base nas competências que já possuía. Desde o início, a empresa segue uma tríade de estruturação: primeiro elaborar a visão, depois executar e, em seguida, organizar. “Esse ciclo se repete constantemente no processo de evolução do negócio”, afirma.
Falando em crescimento, nos últimos anos, o Grupo Altis teve uma expansão expressiva. Em 2023, a atuação passou de 34 países para 72, com um crescimento de 72%. Isso exigiu uma reestruturação interna e capacitações em áreas como gestão financeira e estrutura organizacional, e também uma lição valiosa. “Se eu tivesse olhado para essas questões desde o início, teria poupado tempo e dinheiro”, diz. Outra mudança foi o olhar mais apurado para a estratégia, saindo um pouco do operacional, mas sem perder a proximidade com a comunidade que construiu ao longo dos anos. “Gosto de saber como as pessoas se sentem, suas histórias e dificuldades. Foi para isso que a empresa foi criada; se me afastar tudo perde o sentido. O objetivo não é dominar o mercado e, sim, transformar vidas”.
Mais do que habilidades técnicas, Ana acredita que o maior diferencial para empreender está na mentalidade. “Notei uma diferença muito grande em minha trajetória quando entendi que precisava me tornar uma empresária e, com isso, assumir riscos, contratar pessoas e lidar com diferentes perfis e pensamentos”, afirma.
Esse movimento exigiu autoconhecimento, resiliência e disposição para romper padrões, como entender que ser diferente do seu sistema familiar e errar faz parte do processo. “Sempre enxerguei o empreendedorismo como um jogo mais interno do que externo. Nunca me preocupei com a concorrência, por exemplo, pois meus maiores desafios vieram de dentro de mim. É sobre vencer medos, crenças limitantes e aprender a confiar na própria visão”.