Julianna Peixoto, criadora da P-last: “Manter-se firme e comprometida com seus objetivos é essencial para superar qualquer obstáculo"
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 8 de maio de 2025 às 17h00.
Última atualização em 8 de maio de 2025 às 17h54.
O mundo enfrenta uma crise persistente e silenciosa: os resíduos plásticos. Desde 1950, mais de 9 bilhões de toneladas do material foram produzidas, mas apenas 6% foi reciclado, segundo pesquisadores da Universidade da Califórnia. A cada ano, cerca de 400 milhões de toneladas de plásticos são geradas, incluindo 100 milhões de toneladas de embalagens multicamadas, que não podem ser reutilizadas pelos métodos tradicionais, como aponta estudo do Credit Suisse.
Os impactos negativos são sentidos no meio ambiente, na saúde pública e na economia. As perdas financeiras, por exemplo, podem chegar a US$ 120 bilhões anualmente.
Diante desse cenário, a bióloga brasiliense Julianna Peixoto decidiu transformar mais de 15 anos de estudo em um negócio com a fundação, em 2022, da P-last, deep tech voltada ao desenvolvimento de soluções biotecnológicas para a gestão de resíduos plásticos. "Sempre vi a causa ambiental como uma missão e queria que os resultados de laboratório fossem aplicados de forma prática", afirma.
A startup, que está na fase dos testes de escalabilidade, vem chamando a atenção do mercado e já tem como parceiros Braskem, Grupo Boticário e Basf, além da Universidade de Brasília (UnB).
A jornada começou na UnB com a formação em Ciências Biológicas e especialização em Biologia Molecular. Durante expedições científicas na Chapada dos Veadeiros, Julianna observou plásticos degradados no solo e percebeu ali uma oportunidade de explorar uma abordagem mais inovadora para mitigar a poluição plástica. Esse insight a levou ao estudo de micro-organismos capazes de degradar o material e convertê-lo em bioplástico sustentável.
Para aprofundar mais no tema, realizou um pós-doutorado na Hebrew University of Jerusalem e uma formação executiva em Sustentabilidade no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Voltou ao Brasil determinada a aplicar sua pesquisa em soluções com impacto positivo na sociedade.
Transformar a pesquisa acadêmica numa iniciativa de impacto, no entanto, não foi fácil. A pesquisadora enfrentou dificuldades como falta de experiência em gestão empresarial e dificuldade para captar recursos. “As deep techs, startups que desenvolvem tecnologias baseadas em descobertas científicas, são vistas como um investimento de alto risco, por exigirem aportes elevados em P&D”, explica.
Para superar esses desafios, montou uma equipe multidisciplinar, formada principalmente por mulheres, incluindo especialistas em engenharia química, microbiologia, biologia molecular, gestão de projetos, marketing e estratégia. O networking também desempenhou um papel fundamental. A P-last participou de programas como o Co-Creation Lab, pré-incubadora em Florianópolis, que proporcionou o aprendizado necessário para transformar a ideia em empresa. Além disso, no Braskem Labs, programa de inovação aberta da Braskem, refinou seu modelo de negócio e definiu os tipos de materiais a serem trabalhados.
"As acelerações foram fundamentais para estruturá-la e nos colocaram em contato com grandes companhias, que hoje são nossas parceiras estratégicas", afirma.
No Grupo Boticário, iniciou uma pesquisa para avaliar a viabilidade da tecnologia para a reciclagem de algumas embalagens da marca. Já na Basf, o estudo gira em torno dos plásticos multicamadas, presentes em alimentos como presunto, queijo e frango congelado. “Essas embalagens são feitas de diferentes tipos de plástico, incluindo PET, polietileno e poliamida, e ainda não existe um processo de reciclagem para esses materiais. Como consequência, tudo acaba indo para aterros e incineração”, ressalta.
A startup desenvolveu um processo exclusivo de degradação biológica, utilizando um consórcio bacteriano — diferentes espécies, encontradas no cerrado, que vivem juntas. De maneira prática, essas bactérias conseguem consumir resíduos plásticos sem a necessidade de separação prévia dos materiais e alto uso de energia, como nos métodos tradicionais. Isso reduz custos operacionais e amplia a viabilidade da reciclagem de materiais antes considerados inviáveis, como plásticos multicamadas.
Outra iniciativa é a produção de bioplásticos biodegradáveis que, diferentemente dos plásticos convencionais que levam séculos para se decompor, desaparecem em poucos meses sem deixar detritos tóxicos no ambiente.
Atualmente, o negócio está na fase de escalabilidade da tecnologia e a perspectiva é concluir os testes industriais nos próximos anos para a entrada no mercado. O objetivo é promover uma mudança estrutural na indústria do plástico, sendo um pilar fundamental na transição para uma economia circular.
Julianna destaca a importância da liderança feminina na construção de soluções inovadoras. "Nós, mulheres, temos características fundamentais para alavancar empresas e colocar ideias em prática, como resiliência, paciência e paixão. No entanto, precisamos de força para superar adversidades e seguir em frente", afirma.
Para ela, apesar dos avanços, o mundo ainda é muito masculino e, por diferentes motivos, alguém vai tentar nos fazer desistir. “Mas acredito na nossa força – e isso nenhuma estrutura social ou machista consegue nos tirar”.
A recomendação da empreendedora é manter o foco, a determinação e o propósito. “Manter-se firme e comprometida com seus objetivos é essencial para superar qualquer obstáculo", finaliza.