Leonardo Santos, da Semantix: “Manter uma empresa pública custa entre 25 e 30 milhões de reais por ano. Num cenário geopolítico instável, com inflação e capital escasso, isso deixou de fazer sentido. Era hora de voltar” (Semantix/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 3 de outubro de 2025 às 11h52.
Última atualização em 3 de outubro de 2025 às 12h24.
Leonardo Santos cresceu na zona norte de São Paulo, filho de uma família de classe média que apostou na educação como diferencial.
Estudou no Senac, teve os primeiros contatos com tecnologia ainda adolescente e, já na vida adulta, passou pela Microsoft.
Foi ali, trabalhando com grandes plataformas globais, que entendeu um incômodo que se tornaria missão: o Brasil consumia tecnologia, mas não criava propriedade intelectual.
Esse incômodo se transformou em oportunidade.
Em 2010, Santos fundou a Semantix, quando o termo inteligência artificial ainda era restrito ao meio acadêmico. Começou com projetos de big data, vendendo a ideia de que dados poderiam virar valor de negócio.
“O machine learning já era real naquela época. Só que ninguém chamava de IA”, diz o executivo. "O mercado era cético, as empresas não sabiam nem por onde começar. A missão da Semantix era quase de evangelização".
Mais de uma década depois, a empresa já tinha atendido bancos como Bradesco, comprado startups e se tornado a primeira deep tech da América Latina a abrir capital na Nasdaq. Só que o que parecia um ápice virou ponto de inflexão.
Dois anos após o IPO, Santos decidiu tirar a empresa do pregão americano, retomar o controle e voltar ao Brasil. “Crescer a qualquer custo não faz mais sentido. A gente precisa ser caixa-positivo, com propósito e eficiência”, afirma.
O novo plano é claro: transformar a Semantix em uma potência de IA 100% brasileira, mirando 1 bilhão de reais em receita até 2030. O desafio será de multiplicar por oito a receita de 2025, projetada em 120 milhões de reais.
A empresa cresceu 37% entre os dois primeiros trimestres de 2025 e está em processo de novas aquisições. “A gente vai anunciar uma aquisição nos próximos meses. E posso garantir: a Semantix vai voltar a ser maior do que foi em toda a sua história”, afirma o CEO.
O foco agora é consolidar o mercado nacional, especialmente em setores regulados como finanças, saúde e telecom, onde a demanda por IA com governança tem crescido de forma exponencial.
Leonardo Santos fundou a empresa após uma imersão no Vale do Silício em 2008, onde viu de perto como Facebook e Airbnb estavam criando novas arquiteturas de dados.
Voltou ao Brasil com a convicção de que grandes empresas nacionais precisariam, em breve, da mesma estrutura — e decidiu construir isso localmente.
“Voltei em 2009 com esse espírito. A gente começa a Semantix com o objetivo de ajudar grandes empresas brasileiras a processar dados. Foi ali que começou o big data no Brasil”, afirma.
Nos primeiros anos, a empresa desenvolveu soluções baseadas em plataformas open source, até criar sua própria propriedade intelectual. A estratégia atraiu investidores como o Bradesco, que embarcou na tese desde o início.
A expansão veio com aquisições: empresas de algoritmos de varejo, dados de saúde e integração de sistemas.
“A gente entendeu que 70% dos problemas em IA estão na engenharia de dados. Então fomos para a base: como integrar, limpar e governar esses dados”, afirma Santos. A tese era simples — sem dado limpo, não há IA que funcione.
Em 2020, com a digitalização acelerada pela pandemia, a empresa triplicou de tamanho e passou a ser cortejada por fundos e compradores estratégicos. Decidiu então abrir capital via SPAC, uma alternativa mais rápida para acessar a Nasdaq. Em 2022, a Semantix estreava com valuation de 1 bilhão de dólares. O timing parecia certo. Mas a janela não durou.
“Manter uma empresa pública custa entre 25 e 30 milhões de reais por ano. Num cenário geopolítico instável, com inflação e capital escasso, isso deixou de fazer sentido. Era hora de voltar”, diz o executivo.
Enquanto ficou na Nasdaq, as ações sofreram uma desvalorização de cerca de 87% do valor.
A saída da Nasdaq foi seguida por um processo de reestruturação interno.
Santos voltou ao comando executivo, reorganizou áreas, cortou excessos e retomou o que chamou de “modo fundador”.
A empresa agora está listada apenas no balcão americano, fora do mercado tradicional, e com capital fechado no Brasil.
“Eu não acredito nessa guerra de nuvem entre Estados Unidos e China. IA é soberania nacional. O Brasil precisa construir seus próprios modelos e sua própria inteligência”, afirma.
Hoje, a Semantix oferece uma plataforma completa, que vai da engenharia de dados até a IA aplicada — incluindo a “Lloro”, uma IA treinada em português, pensada para empresas reguladas.
A estratégia agora é crescer com foco: grandes contas, setores regulados e IA com governança.
“A gente não está no pequeno. Atendemos corporates, empresas que precisam de segurança, compliance e eficiência real. Não estamos aqui para fazer mágica com dado público”, diz Santos.
A meta para 2025 é terminar o ano com 120 milhões de reais de receita, mantendo o ritmo de crescimento de dois dígitos.
O crescimento virá também por aquisições — a empresa está prestes a anunciar um novo M&A e segue avaliando alvos em setores onde já atua.
“Não vão sobreviver 100.000 empresas de IA. Vai ter consolidação, e queremos estar entre os consolidados”, afirma.
A explosão de startups de IA criou um novo problema: todo mundo diz fazer inteligência artificial, mas poucos entregam valor real.
“95% das empresas não conseguem extrair valor da IA. Muita gente está no hype, queimando dinheiro e sem saber por onde começar”, afirma o CEO, citando dados do MIT.
A Semantix acredita que a diferenciação virá da governança e da especialização, uma vez que as empresas que contratarem o serviço conseguem ter um controle dos dados que são compartilhados numa eventual conversa com a inteligência artificial.
“Lançamos o primeiro selo de governança de dados e IA do país, junto com a ABRIA, a Associação Brasileira de Inteligência Artificial [que é liderada por Santos]. Isso não é detalhe — é o que separa quem vai operar em setores críticos de quem vai brincar com IA no PowerPoint”, diz Santos.
O objetivo de chegar a 1 bilhão de reais em receita até 2030. “O pior passou. Agora vamos ter um ciclo de capital mais barato e mais interesse em empresas que geram valor real”, afirma.
A expectativa é que o apetite de fundos de private equity volte a crescer a partir de 2026.
A tese da Semantix combina crescimento orgânico com consolidação. Além das aquisições em andamento, a empresa quer expandir sua presença em saúde, finanças e telecom, e também em mercados menos explorados, como agro e varejo. A base tecnológica já existe — a questão agora é escalar.
Mas os desafios são grandes. O mercado está saturado de ofertas genéricas de IA. A concorrência por talento segue acirrada. E a regulação do setor ainda está em construção. “A gente está ajudando a escrever o PL da IA no Brasil. Isso é sério. É sobre soberania, sobre não deixar a tecnologia ser decidida fora do país”, afirma o CEO.