João Henrique Tucci, da Le Cork: “Não queremos estar em qualquer lugar. Preferimos vender menos do que queimar a percepção do produto” (Le Cork/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 7 de julho de 2025 às 09h34.
Última atualização em 7 de julho de 2025 às 09h34.
A cada nove anos, centenas de agricultores no interior de Portugal sobem em sobreiros, árvores típicas da região mediterrânea, para extrair cuidadosamente sua casca. O processo, feito manualmente com machados, não mata a árvore — pelo contrário: ajuda a manter o sobreiro vivo por até 200 anos.
É dessa operação lenta e artesanal que sai a cortiça, um dos materiais mais sustentáveis do mundo e matéria-prima central da Le Cork, marca brasileira de sandálias.
Criada há três anos pelos paulistas João Henrique Tucci e Guilherme Villela, a Le Cork nasceu para explorar um território ainda pouco explorado no Brasil: o de calçados que combinam conforto ortopédico, design e sustentabilidade. As sandálias usam uma palmilha moldável de cortiça, juta e látex natural, montadas com couro brasileiro e acabamento em EVA.
O plano para 2025 é dobrar o faturamento, saindo de 1,5 milhão para 2,5 milhões de reais.
O crescimento será puxado principalmente pelas vendas diretas no e-commerce e pela construção cuidadosa de uma base fiel de clientes, feita em grande parte no boca a boca. “Nos primeiros cinco meses do ano, o varejo cresceu 400%. Todo dia sai produto pelo correio”, afirma Villela.
Para os fundadores, o desafio não é apenas escalar a operação, mas consolidar a proposta da marca. “A gente está criando um novo mercado. Quando o consumidor entende que não é só mais uma sandália, mas uma solução de conforto real, ele vê valor”, diz Tucci.
Nos próximos dois anos, a Le Cork pretende abrir sua primeira loja física — mais do que um ponto de venda, será um espaço de experiência para apresentar a cortiça e mostrar como o produto funciona no pé. A marca também avalia a internacionalização, mas sem pressa: a prioridade é consolidar a operação no Brasil.
Antes de fundar a Le Cork, João Henrique Tucci era executivo de marketing em empresas como Unilever e Nestlé. Em 2015, largou tudo e foi morar na Riviera de São Lourenço, no litoral paulista, onde abriu uma loja de calçados chamada Samburá. Foi ali que percebeu uma demanda recorrente entre os clientes: calçados bonitos que também fossem confortáveis — especialmente para quem tinha dores nos pés.
Do outro lado, Guilherme Villela também tocava sua própria marca de moda. Os dois se juntaram a partir de uma conexão feita por uma pessoa do setor. Começaram a testar palmilhas e fornecedores até chegar à cortiça portuguesa.
“Sabia que as melhores cortiças estavam em Portugal e que seria um grande esforço importar”, afirma Tucci.
Pela internet, os sócios encontraram um fornecedor em Portugal disposto a enviar amostras por correio. Após vários testes no Brasil, chegaram à fórmula atual: uma palmilha moldável, feita com cortiça triturada reaproveitada da indústria de vinho, combinada com juta e látex natural. Com o tempo, a cortiça se adapta ao formato do pé do usuário.
A montagem final é feita no Brasil com couro nacional. “É uma operação binacional. A palmilha vem de Portugal, mas o restante é montado aqui com insumos brasileiros”, explica Villela.
Apesar da proposta inovadora, a Le Cork enfrenta uma barreira comum a marcas que atuam fora do padrão do varejo tradicional: o consumidor ainda precisa ser educado sobre o produto.
“A silhueta da sandália lembra outras marcas. Mas por dentro, é outra história. O desafio é mostrar que a palmilha de cortiça faz diferença real”, afirma Villela.
A cortiça, por ser natural, leve e moldável, é recomendada inclusive por fisioterapeutas. A empresa já tem clientes que chegam com prescrição médica para comprar o produto. Mas o preço mais alto — hoje em torno de 300 reais — pode ser uma trava para quem vê apenas mais uma sandália no site. “Quando a dor está ali e a pessoa experimenta, ela entende. O preço deixa de ser obstáculo”, diz Tucci.
Para crescer sem perder o controle da narrativa, a marca aposta na venda direta.
Cerca de 70% da receita vem do próprio e-commerce. Os outros 30% vêm de cerca de 40 pontos multimarcas espalhados pelo país, escolhidos a dedo.
“A gente não quer estar em qualquer lugar. Preferimos vender menos do que queimar a percepção do produto”, diz Villela.
A cortiça é extraída apenas a cada nove anos e sem derrubar a árvore — apenas a casca é retirada, favorecendo a longevidade do sobreiro.
Estudos indicam que cada tonelada de cortiça pode capturar até 73 toneladas de gás carbônico da atmosfera. Além disso, toda a produção utilizada pela Le Cork possui certificações internacionais, que atestam o manejo responsável das florestas.
A juta usada nas palmilhas é cultivada sem irrigação artificial, e o látex vem da seringueira, também extraído sem danos à planta. Toda a cadeia é pensada para gerar o mínimo de resíduos. “A gente não trabalha só com produto sustentável. A operação inteira tem que fazer sentido ambiental e economicamente”, diz Tucci.
Em 2022, o foco da Le Cork foi testar fornecedores e encontrar um modelo de produção viável. O principal gargalo era a margem: importar cortiça em pequena escala tornava o produto caro e a operação difícil. Com tempo, os fundadores encontraram parceiros no Brasil e em Portugal que permitiram viabilizar o negócio.
O ano de 2025 será dedicado a ampliar a linha de produtos e preparar o terreno para a primeira loja física da marca. O foco seguirá no consumidor urbano de médio e alto poder aquisitivo, entre 25 e 45 anos, preocupado com conforto, estilo e sustentabilidade. A marca também pretende reforçar parcerias com fisioterapeutas e profissionais da saúde, que hoje são grandes promotores da sandália.
“A ideia é crescer entre 50% e 100% ao ano pelos próximos cinco anos. Dá para fazer isso com capital próprio, com controle. A gente não quer correr risco desnecessário”, diz Villela.
A internacionalização está no radar — especialmente em países da América Latina —, mas sem pressa. “O Brasil é um mercado enorme. Tem muita gente para conhecer o produto por aqui ainda”, diz Tucci.