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Móbile aposta em iniciação científica no ensino médio para alunos com curiosidade acima da média

Na Móbile, projeto anual estimula alunos a investigar temas complexos de forma autônoma, antecipando práticas da vida acadêmica e ajudando a definir escolhas de carreira

Na Escola Móbile, alunos do 2º ano do ensino médio mergulham por 11 meses em projetos independentes de iniciação científica e artística (Arquivo Pessoal Escola Móbile)

Na Escola Móbile, alunos do 2º ano do ensino médio mergulham por 11 meses em projetos independentes de iniciação científica e artística (Arquivo Pessoal Escola Móbile)

Guilherme Santiago
Guilherme Santiago

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Publicado em 22 de outubro de 2025 às 13h25.

Última atualização em 22 de outubro de 2025 às 15h37.

Nas escolas brasileiras, é comum ver esforços concentrados em apoiar alunos com dificuldades de aprendizagem. Mas o desafio de estimular os que demonstram curiosidade intelectual acima da média ainda é recente. Na Escola Móbile, em São Paulo, essa lacuna começou a ser preenchida há mais de uma década com um projeto que antecipa a experiência de pesquisa científica para adolescentes.

Voltado para estudantes do 2º ano do ensino médio, o programa de iniciação científica e artística dura 11 meses e funciona como uma imersão independente em um tema de interesse do aluno. A proposta surgiu quando a escola percebeu que, além de acolher quem precisa de reforço, também precisava nutrir os que desejam ir além. 

“As escolas sempre estiveram preparadas para lidar com as dificuldades dos alunos. Mas e quando ele é excelente, curioso, interessado?”, provoca Rodrigo Mendes, diretor pedagógico do ensino médio da Móbile e biólogo formado pela USP.

Como funciona o projeto

O processo começa no meio do 2º ano, quando os alunos apresentam uma proposta de pesquisa. O único requisito é que o tema não faça parte do currículo escolar. “A ideia é justamente mergulhar em algo que a escola não ensinaria”, explica Mendes. 

Há projetos sobre física no judô, genética do autismo, história da infância, Pink Floyd em ritmo de chorinho e até comparações entre tropicalismo e música brasileira contemporânea.

A escola avalia as propostas, verifica se há professores com repertório para orientar cada tema e seleciona os participantes. Os encontros com orientadores são periódicos e incluem indicações bibliográficas, orientação sobre fichamentos e estruturação do estudo. 

O trabalho culmina em um produto final, geralmente uma videoaula de 10 a 15 minutos, publicada no canal da escola no YouTube — alguns vídeos somam mais de 150 mil visualizações.

“A gente começou com tabuleiros e jogos, mas logo migramos para o vídeo, que é o formato mais acessível e autônomo”, conta Mendes. Nos últimos anos, surgiram também formatos artísticos e híbridos, como videoclipes, contos e investigações com coleta de dados, que ampliaram o alcance do projeto.

O que os alunos aprendem com isso

Mais do que uma experiência extracurricular, a iniciação científica se transforma em um laboratório de autoconhecimento intelectual. “Eu sabia que queria estudar algo ligado ao jornalismo e à linguagem, então pesquisei como os jornais brasileiros retrataram de formas diferentes os conflitos de Ruanda e da Iugoslávia”, conta Anne Louise de Groote da Silva, de 17 anos, autora do projeto “1994 e 1998: o racismo e a geopolítica na cobertura dos conflitos de Ruanda e Iugoslávia”.

Anne Louise de Groote da Silva, 17 anos, investigou o racismo na cobertura dos conflitos de Ruanda e da Iugoslávia — e descobriu na pesquisa o desejo de cursar Direito (Arquivo Pessoal Escola Móbile)

O processo, diz ela, foi intenso: o relatório chegou a ter 54 páginas antes de ser condensado em um vídeo de 15 minutos. “Foi difícil cortar, mas aprendi a sintetizar o que era essencial. E descobri que queria seguir outro caminho: entrei pensando em medicina e saí decidida a cursar Direito”, afirma Anne.

A mudança de perspectiva também atingiu Sophia Lages de Altavila Harris, de 17 anos, autora de “Como a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho é mimetizada pelo tráfico internacional de cocaína”

Ela conta que o projeto a fez descobrir uma paixão inesperada. “Eu entrei achando que seria um tema interessante, mas não uma carreira. No fim, percebi que era economia o que eu realmente queria estudar. Foi a pesquisa que me mostrou isso”, relata.

Sophia Lages de Altavila Harris, 17 anos, analisou a posição do Brasil na economia global e no tráfico de drogas — e encontrou na Economia sua vocação acadêmica (Arquivo Pessoal Escola Móbile)

Para o diretor Rodrigo, esse é um dos principais valores da experiência: permitir que os alunos experimentem o gosto e o peso de um tema antes de transformá-lo em profissão. 

"É um casamento de um ano. Eles aprendem a lidar com a frustração, com a síntese e com a autonomia intelectual. Descobrem se querem mesmo viver disso"Rodrigo Mendes, diretor pedagógico do Ensino Médio da Móbile

Do colégio ao MIT

Outro exemplo notável do impacto do projeto é o de Pedro Sant’Anna, ex-aluno da Móbile e hoje doutorando em Economia no Massachusetts Institute of Technology (MIT)

Sua pesquisa de iniciação, feita quase dez anos atrás, investigou a literatura negra no Brasil – um tema que, à época, unia seu interesse por cultura e questões raciais. “Foi a primeira oportunidade de explorar algo que me interessava e que eu podia estudar de forma autônoma, fora da estrutura das matérias e provas”, lembra.

Pedro Sant’Anna, ex-aluno da Móbile e doutorando em Economia no MIT, iniciou a trajetória científica ainda no colégio, pesquisando literatura negra no Brasil (Arquivo Pessoal Escola Móbile)

Depois de se formar na Móbile, Pedro cursou Economia na FGV e Direito na USP. Seguiu carreira acadêmica e hoje pesquisa discriminação e identidade racial na política e no mercado de trabalho. 

"Acho que foi o primeiro contato real com o método científico. Não sei se a iniciação determinou minha carreira, mas certamente reforçou meus interesses e me aproximou da pesquisa"Pedro Sant’Anna, ex-aluno da Móbile e doutorando em Economia no MIT

Por que isso importa

Para Mendes, o valor pedagógico do projeto vai muito além do produto final. “Os alunos aprendem a sintetizar conteúdos complexos, comunicar com clareza e navegar sozinhos por um labirinto de informações. Desenvolvem ainda mais a autonomia intelectual, a curiosidade e o senso crítico. E isso os transforma”, explica.

Ele destaca ainda que o projeto beneficia também os professores. “Depois de 20 anos ensinando a mesma matéria, o docente reencontra o prazer de aprender temas novos com os alunos. É uma troca viva, uma forma de manter o saber em movimento”, diz.

Ao longo de mais de dez anos, a iniciação científica e artística consolidou-se como um dos projetos mais simbólicos da Móbile – uma escola que acredita que excelência não se mede apenas por notas, mas pela curiosidade e pela capacidade de pensar criticamente. 

Em um país onde o talento jovem muitas vezes é subestimado, Mendes explica que a Móbile aposta em uma lição simples, mas transformadora: educar é também dar espaço para quem quer ir além.

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