Hiroyuki Okuzawa, da Daiichi Sankyo: “Temos resultados de pacientes que se curaram completamente. Isso mostra que estamos, sim, caminhando em direção à cura do câncer” (Daiichi Sankyo/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 22 de julho de 2025 às 06h30.
A corrida pela cura do câncer deixou de ser utopia para entrar nos planos estratégicos de gigantes da indústria farmacêutica.
É o caso da japonesa Daiichi Sankyo, que aposta em medicamentos de precisão com tecnologia anticorpo-droga (ADC) para transformar o tratamento oncológico global. Um dos produtos já em uso, o Enhertu, mais que dobrou a taxa de sobrevida em casos de câncer de mama avançado e virou referência em hospitais no Brasil.
A ambição da empresa é clara: se tornar uma das dez maiores companhias de oncologia do mundo até 2030.
A missão será liderada por Hiroyuki Okuzawa, novo CEO global desde abril de 2025, que assumiu o comando no momento em que a farmacêutica fecha um ciclo e inicia outro. A tecnologia já resultou em cinco medicamentos e deve ganhar escala global — inclusive nos mercados emergentes.
Em visita ao Brasil, Okuzawa conversou com a EXAME sobre os planos da empresa para o país e para o futuro do tratamento oncológico.
“Temos resultados de pacientes que se curaram completamente. Isso mostra que estamos, sim, caminhando em direção à cura do câncer”, afirma Okuzawa.
O Brasil, que representa 2,5% da receita global da empresa e já fatura 2,1 bilhões de reais por ano, é peça importante nesse plano.
A subsidiária participa de 31 estudos clínicos e recebeu um investimento de 500 milhões de reais para ampliar a fábrica de Barueri (SP), que vai exportar medicamentos para Canadá, Austrália e países da Ásia.
Veja os principais trechos da entrevista com o CEO global da Daiichi Sankyo.
É extremamente importante para nós. Somos uma farmacêutica japonesa e estamos aqui há 40 anos. Isso, por si só, já é uma prova da importância que damos ao mercado brasileiro, porque há muitas empresas globais que não estão por aqui.
Em termos de vendas, o Brasil tem faturamento de 2,1 bilhões de reais anuais. Convertendo para ienes, é algo em torno de 50 bilhões de ienes. E a Daiichi fatura algo como 2 trilhões de ienes. Isso representa cerca de 2,5% das vendas totais.
A Daiichi Sankyo, como empresa global, tem como objetivo ser uma das dez principais companhias do campo da oncologia até 2030. Para alcançar este objetivo, estamos trabalhando com DxD ADC, um medicamento de tecnologia chamada conjugado anticorpo-droga (nesta tecnologia, quando o anticorpo encontra a célula doente, ele se liga a ela e libera a droga diretamente dentro da célula, destruindo-a de forma muito mais precisa e com menos efeitos colaterais do que uma quimioterapia comum, que atinge o corpo todo). Temos essa tecnologia e lançamos cinco produtos com ela. E estamos trazendo cada vez mais para o Brasil. Um desses produtos bem importantes é o Enhertu. Para você ter uma noção de quão bem-sucedida está sendo essa tecnologia, só com esse produto, a Daiichi Sankyo já se tornou a sexta principal empresa no Brasil no campo da oncologia. E essa é só um desses cinco medicamentos que temos o objetivo de trazer para o Brasil. Os próximos quatro vamos trazer ao longo de 2026 a 2030.
Esses cinco produtos vão ser desenvolvidos em parceria com a AstraZeneca e com a Merck. E essa faz parte de uma estratégia global que estruturamos junto com essas duas empresas, em que cooperamos tanto no desenvolvimento, na produção e também na venda dos produtos.
Comentário de Marcelo Gonçalves, CEO da Daiichi Sankyo no Brasil: E todos os estudos clínicos que a Daiichi Sankyo implementa, ela traz para o Brasil. Isso permite que criemos um dado científico local, com pacientes da realidade brasileira, com o biotipo brasileiro. São 31 estudos acontecendo hoje no Brasil, a maioria deles em hospitais públicos. É uma forma também de pacientes que não teriam acesso a essa tecnologia conseguirem acessar.
Desde 2016 anunciamos investimentos em oncologia. Foi o momento em que entendemos que já havíamos atingido um patamar altíssimo em tecnologias relacionadas ao setor vascular, e que havia espaço para investirmos em um novo setor. E desde 2010 fazíamos pesquisa na área de oncologia, e em 2016 já tínhamos bons resultados com esses estudos, o que nos permitiu começar a lançar o produto chamado Enhertu. E, em menos de 10 anos, os medicamentos de oncologia já representam 45% da receita do grupo globalmente.
Comentário de Marcelo Gonçalves, CEO da Daiichi Sankyo no Brasil: Para você ter uma dimensão desse produto: existia um medicamento para câncer de mama tipo HER2, que é um câncer metastático. Um estudo mostrou que, após dois anos, o tratamento conseguia manter cerca de 35% das pacientes com esse tipo de câncer vivas. No caso do Enhertu, esse número subiu para 74%. É um produto que mudou a realidade do tratamento. Da noite para o dia, os hospitais alteraram o protocolo de tratamento, adotando o Enhertu. É um tipo de produto que acontece a cada 40 anos.
Estamos estudando como vamos lidar com cada uma dessas políticas tarifárias que estão surgindo aí, principalmente nos Estados Unidos com o governo Trump. Até hoje, a importação de remédios não era tarifada. O que pensamos é que, se por conta de tarifas um medicamento excelente como o Enhertu não chegar aos pacientes norte-americanos, vai ser uma perda muito grande para essas pessoas. Mas também já havíamos decidido fabricar o Enhertu dentro dos Estados Unidos, num investimento de 350 milhões de dólares anunciado em abril do ano passado.
Neste último ciclo estratégico, pensando em equipamentos, tecnologia, tudo, investimos cerca de 800 bilhões de ienes (cerca de 30 bilhões de reais). A maior parte desses investimentos em produção vai para medicamentos como o Enhertu e outros DxD ADCs. E nós fizemos isso em cinco anos. Então, pensando que vamos continuar e queremos seguir expandindo esse produto, é mais ou menos isso que vai ser necessário para esse próximo ciclo também.
Marcelo, CEO da Daiichi Sankyo no Brasil: A empresa decidiu em 2023 fazer esse investimento na ampliação da nossa fábrica. E, recentemente, neste ano, conseguimos uma segunda rodada de investimento para ampliar o espaço. Com isso, vamos conseguir exportar para países da Ásia, para o Canadá e para a Austrália. O investimento total é de 500 milhões de reais, produzindo principalmente os medicamentos cardiovasculares. Não temos planos atuais de começar a produção de produtos oncológicos aqui.
O preço é baseado na tecnologia. Como desenvolvemos medicamentos extremamente tecnológicos, o valor acaba refletindo isso, porque há todo um investimento necessário para que ele seja desenvolvido. Então, dentro dessa health economics que a gente fala, quanto maior o benefício e maior o investimento, o preço acaba refletindo. E, além disso, precisamos oferecer o produto com extrema segurança. Nós precisamos ter um ambiente adequado — então tem que haver uma infraestrutura minimamente adequada para que a gente possa oferecer o nosso produto, que tem um efeito positivo dentro de um ambiente que possa ser administrado com segurança. Só levamos o nosso produto para onde essa infraestrutura está minimamente adequada.
Marcelo: E também é importante citar que no Brasil tem uma legislação bem específica que estabelece o preço. Basicamente, ela considera os dados científicos versus o comparador. O comparador é um produto que já existe. Então, ela avalia o seu preço versus os resultados científicos. No caso do nosso primeiro produto oncológico, como nós tínhamos um dado científico muito robusto versus o comparador, conseguimos um preço similar ao que já existia. E ela tem uma cesta de produtos, uma cesta de países, que também diz: “olha, o preço tem que estar adequado a essa cesta de países”. Como nós somos o terceiro país, assinamos um termo de compromisso de que, quando outros países da cesta tivessem um preço mais baixo, nós iríamos adequar o preço para fazer. Mesmo que fosse um preço mais baixo, nós assumiríamos — e foi o que aconteceu. Quando a Grécia aprovou o preço, era um preço mais baixo, e nós reduzimos o preço.
As pesquisas são feitas no Japão, então os novos medicamentos surgem no Japão, mas nós sempre buscamos fazer esse desenvolvimento do medicamento de uma forma global. Todos esses medicamentos nascem de uma pesquisa feita nos nossos laboratórios em Tóquio, com cerca de 1.000 pesquisadores. E os testes clínicos são feitos em contextos globais. Temos toda uma infraestrutura para que esses testes clínicos sejam feitos e para que as aprovações sejam adquiridas em cada uma dessas regiões.
Sim. Quando a patente vence, realmente as vendas diminuem. A velocidade com que as vendas diminuem depende de cada região, mas o fato é que vai diminuir. A nossa estratégia diante desse fato é seguir desenvolvendo novos produtos, seguir investindo forte no desenvolvimento de novos produtos.
Sim — e não só no desenvolvimento de novos produtos. Dentro desses anos e anos de pesquisa e desenvolvimento que foram acumulados dentro dessa área de imunologia e também de sistema circulatório, nós temos uma quantidade muito grande de dados que foram obtidos por meio desses dois pontos. E dentro dessas pesquisas, usando todos esses dados, fizemos toda uma análise de uma série de compostos que foram obtidos por dados dessas duas áreas de pesquisa. Aplicando isso em machine learning, nós estamos obtendo dados analisados em uma escala que nunca imaginávamos conseguir obter. Isso nos ajuda também a entender como se comportar em cada país em que buscamos aprovação. E, com a inteligência artificial, esse monte de informações — esses calhamaços — é processado muito mais rápido. Então conseguimos já colocar o produto mais rapidamente para que os testes clínicos comecem a acontecer.
Estamos desenvolvendo produtos como o Enhertu, e também outros nessa categoria de DxD ADCs, em busca da cura. Esse é o nosso objetivo. É para essa direção que estamos caminhando. E, observando os testes clínicos, os dados que nós obtivemos com o Enhertu, nós temos uma parte de pessoas que realmente se curaram por completo. Por isso, os nossos cientistas, cada vez que ouvem esse tipo de resultado, se motivam muito, se encorajam muito para realmente seguir se dedicando para que a pesquisa leve à cura do câncer.
Como você bem mencionou, é uma empresa gigante global. É nessa mesma dimensão que eu sinto a responsabilidade de liderar a empresa. Os nossos cientistas, os nossos pesquisadores que estão lá em Tóquio, são extremamente motivados. Estamos sempre desenvolvendo novos medicamentos, e agora nos dedicando muito a esse campo, nessa área da oncologia, e trabalhando rápido para que, cada vez mais, os medicamentos que nós estamos desenvolvendo cheguem à população. Então eu acho que o mundo também tem uma expectativa muito grande com relação ao que nós estamos fazendo. O meu sentimento é o de, com responsabilidade, atender essa expectativa das pessoas.