Lançamento do satélite Amazonas Nexus: satélite geoestacionário de alto desempenho permite acesso à internet de alta velocidade em todo o continente americano, incluindo os corredores norte e sul do oceano Atlântico, a Groenlândia e a Floresta Amazônica (Hispasat/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 4 de junho de 2025 às 09h46.
Última atualização em 4 de junho de 2025 às 10h00.
MADRI, ESPANHA* -- Não é ficção científica: o Brasil está no radar de uma das maiores operadoras de satélites da Europa. E quem comanda essa missão é um ex-astronauta.
Pedro Duque foi o primeiro espanhol a ir ao espaço. Hoje, pilota uma operação mais terrena (mas nem tanto): ele preside o conselho da Hispasat, gigante europeia do setor espacial, que fornece conexão via satélite em diversos países da América Latina.
O plano da Hispasat é acelerar a presença no Brasil com um novo projeto estimado em até 400 milhões de euros, cerca de 2,5 bilhões de reais, na conversão atual.
Duque falou com a EXAME durante o South Summit Madrid 2025, conferência de inovação organizada pela IE University, que acontece na capital espanhola até 6 de junho.
No encontro, o astronauta defendeu que a internet seja tratada como um direito básico.
“Sem conexão, não tem inovação. Você pode ter energia, escola, hospital, mas sem internet, nada disso anda.”
A movimentação da Hispasat não é pontual. A empresa controla satélites registrados no Brasil há duas décadas, por meio da subsidiária Hispamar, e opera um centro de controle próximo ao Rio de Janeiro. Agora, quer ampliar essa estrutura com um novo satélite, mais barato que o último, mas com capacidade até dez vezes maior.
“Esse satélite foi feito para uma coisa só: fechar a brecha digital. É internet pura”, diz Duque.
O último satélite da Hispamar brasileiro é o Amazonas Nexus, lançado em 2023, com investimento de 500 milhões de euros. O modelo que está sendo planejado para os próximos anos deve custar entre 300 milhões e 400 milhões de euros.
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Pedro Duque, astronauta e presidente do conselho da Hispasat: “Sem conexão, não tem inovação. Você pode ter energia, escola, hospital, mas sem internet, nada disso anda.” (Daniel Giussani/Exame)
A operação da Hispasat no Brasil é discreta, mas extensa.
A empresa está no país desde 2003, quando criou a Hispamar, e hoje opera satélites com bandeira brasileira — registrados formalmente no país e controlados por engenheiros que trabalham em um centro de operações próximo ao Rio.
“Temos muitos engenheiros brasileiros, e os nossos satélites estão registrados no país. Para nós, é tão natural dizer que são satélites brasileiros quanto espanhóis”, afirma Duque. “O Brasil é o país mais técnico da América do Sul. Nenhum outro tem a combinação de abertura regulatória e capacidade tecnológica que encontramos aqui.”
Hoje, a frota da Hispasat atende a diversas aplicações, de televisão a internet em aviões comerciais.
“Se você tem conexão em um voo cruzando o Atlântico, muito provavelmente ela está vindo de um satélite nosso, operado no Brasil.”
No passado, a principal aplicação era o vídeo: ainda há cerca de 500.000 residências na América Latina que recebem sinal de TV via satélite da empresa. Mas isso está mudando.
O novo foco é a conectividade de alta velocidade, especialmente para regiões remotas e serviços públicos.
“Internet para a educação, para a saúde, para quem vive em comunidades isoladas. A pessoa não precisa pegar um barco para ir ao médico se tiver acesso à telemedicina. Isso tem que ser um direito de todos”, diz Duque.
O governo brasileiro já identificou essa prioridade. Segundo ele, há um programa público para conectar 140.000 escolas que ainda não têm acesso à internet. O projeto da Hispasat quer ser parte dessa solução.
Desde que foi adquirida pela estatal espanhola Indra, em 2025, a Hispasat passou a ser um dos principais braços da estratégia europeia para telecomunicações e defesa.
Isso inclui o interesse direto da União Europeia em financiar parte do novo programa de conectividade por satélite na América Latina.
“A ideia é formar alianças com regiões que tenham a mesma visão. A América do Sul pode ser uma dessas áreas”, afirma Duque. “Queremos que a inovação venha também do nosso lado do mundo, e não só dos Estados Unidos ou da Rússia”.
A empresa já conversa com governos da Colômbia, do Chile e do Peru para desenvolver o modelo “condosat” — satélites compartilhados por vários países. A ideia é dividir custos e garantir uma operação mais eficiente e regionalizada.
A proposta da Hispasat é ambiciosa, mas enfrenta desafios. A maior barreira, segundo Duque, não é tecnológica ou financeira. “O problema é convencer os governos de que internet é tão essencial quanto água potável ou eletricidade”, afirma.
*O repórter viajou a convite da IE University