Estação Preço de Fábrica: local combina reciclagem, rastreabilidade e pagamento justo aos catadores (GREEN MINING/Divulgação)
EXAME Solutions
Publicado em 7 de novembro de 2025 às 16h59.
Última atualização em 7 de novembro de 2025 às 16h59.
O Brasil ainda patina na reciclagem, com um índice inferior a 6%, segundo o SNIS — taxa praticamente estagnada há anos. Materiais com alto potencial de reuso continuam sendo descartados em locais sem controle ambiental. Embora mais de 90% do que é reciclado no país passe pelas mãos dos catadores, eles são os que menos se beneficiam financeiramente dessa cadeia. Com renda instável e pouca visibilidade, esses trabalhadores são o verdadeiro motor da logística reversa, obrigatória por lei desde 2010.
A Lei de Incentivo à Reciclagem, regulamentada em 2024, abriu caminho para a expansão de projetos com impacto socioambiental concreto e mensurável. Empresas tributadas pelo lucro real podem destinar até 1% do Imposto de Renda devido (pessoas físicas, até 6%) a iniciativas aprovadas pelo Ministério do Meio Ambiente, em um modelo similar ao da Lei Rouanet. O valor é abatido do imposto devido, e os repasses são feitos para contas controladas pelo governo federal, vinculadas aos projetos autorizados.
A startup de logística reversa inteligente Green Mining foi uma das pioneiras a ter projetos aprovados e a primeira a inaugurar uma estação viabilizada por essa legislação. Em parceria com a ONG Ecos da Natureza, criou o projeto Estação Preço de Fábrica, que combina reciclagem, rastreabilidade e pagamento justo aos catadores.
“A reciclagem não está avançando como deveria no Brasil. Apesar de a logística reversa ser obrigatória desde 2010, ela ainda não pegou de fato. Com a Lei de Incentivo à Reciclagem, conseguimos viabilizar projetos reais e com impacto concreto, facilitando o engajamento de empresas e ampliando o investimento no setor”, afirma Rodrigo Oliveira, CEO da Green Mining.
Nas estações, qualquer pessoa maior de 18 anos pode levar materiais separados e limpos — como vidro, papelão, PET e embalagens longa vida — e receber o pagamento via Pix na sexta-feira seguinte. Os valores pagos são superiores aos praticados por sucateiros e atravessadores. “O catador consegue deixar o filho na escola, comer melhor, pensar no futuro. Isso dá dignidade”, resume Oliveira.
Os pagamentos semanais garantem previsibilidade e segurança financeira aos trabalhadores. “Antes, o catador ganhava cerca de 20% do valor do material; com o projeto, pode receber até cinco vezes mais. Como a operação é custeada pela lei, o valor real chega a quem mais precisa”, completa o CEO.
O projeto, que começou em 2021 com apoio do Grupo Boticário, ganhou força após a regulamentação da lei. Até outubro de 2025, movimentou R$ 6,1 milhões, com mais de 6,2 mil toneladas de recicláveis recebidas e 6 mil pessoas atendidas. A renda média mensal dos catadores participantes varia entre R$ 1.800 e R$ 2.500, acima do salário mínimo.
“Tem catador que, depois de começar a entregar material nas nossas estações, conseguiu sair da carroça e comprar um veículo. Isso é mobilidade social”, relata Oliveira.
Grandes marcas, como Grupo Boticário, Electrolux e Unilever, já aderiram à iniciativa via a nova lei. Parceiro desde 2021, o Grupo Boticário é pioneiro em circularidade: criou a Fundação Grupo Boticário em 1990 e mantém, desde 2006, o Boti Recicla — o maior programa de logística reversa do setor de cosméticos no Brasil. Hoje, mantém três estações ativas (em SP e BA) e participa de outras três (MG e SP).
“Em 2024, o volume de resíduos coletados aumentou 74% em relação ao ano anterior. Isso mostra o potencial do modelo para engajar e aumentar a renda dos catadores, que representam 80% dos beneficiados”, afirma Luis Meyer, diretor de ESG do Grupo Boticário. O projeto ajuda a empresa a avançar na meta de reciclar ao menos 45% do equivalente às embalagens geradas até 2030 — já tendo alcançado 40% em 2024.
“A nova lei vai além do cumprimento de normas: amplia capilaridade e otimiza investimentos na economia circular. Ela nos permite potencializar nossa estratégia de circularidade e gerar impacto socioambiental positivo”, complementa Meyer.
Atualmente, nove unidades estão ativas em São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Tocantins. As próximas serão em Belém (PA) e São Paulo (SP), viabilizadas com recursos da nova lei. A unidade de Belém será inaugurada em novembro, durante a COP. A Green Mining também possui projetos aprovados ou protocolados no Rio de Janeiro, em Porto Seguro e em Curitiba, priorizando cidades onde empresas ofereçam espaço e apoio logístico.
A meta é ambiciosa: dobrar o número de unidades até 2026. “São Paulo comporta até 120 estações, mas podemos abrir em qualquer município onde houver empresas dispostas a apoiar”, conclui Oliveira.