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O negócio destes gêmeos surgiu de uma "briga" com torcida organizada. Hoje eles fazem R$ 15 milhões

Gêmeos por trás da Myhood estruturam um mercado antes informal: licenciamento de vídeos virais, com foco em direitos autorais, escala e hard news

Felipe e Alexandre Salvatore, da MyHood: “A gente tem uma das maiores comunidades digitais do mundo, um consumo altíssimo de conteúdo viral, e nenhuma estrutura para isso. Era um mercado informal e desorganizado” (MyHood/Divulgação)

Felipe e Alexandre Salvatore, da MyHood: “A gente tem uma das maiores comunidades digitais do mundo, um consumo altíssimo de conteúdo viral, e nenhuma estrutura para isso. Era um mercado informal e desorganizado” (MyHood/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 3 de maio de 2025 às 08h47.

Tudo começou com um gráfico sobre futebol.

O paulista Felipe Salvatore queria provar, com dados, qual era o melhor time brasileiro da história. O vídeo viralizou — e foi parar nas redes da torcida organizada de times de São Paulo. Mas sem crédito.

Felipe denunciou a postagem por uso indevido e tirou o vídeo do ar. Horas depois, recebeu uma ligação: era o presidente da torcida. Em vez de ameaças, uma conversa cordial e até proposta de parceria.

Ali, Felipe e o irmão gêmeo, Alexandre, perceberam algo óbvio, mas mal explorado: ninguém sabia direito quem era dono do que nos vídeos da internet — e quase ninguém pagava por isso.

Foi assim que nasceu a Myhood, uma plataforma que transforma vídeos virais em conteúdo licenciado para veículos e marcas.

A empresa funciona como uma “Reuters do TikTok”: rastreia conteúdos com potencial de engajamento, identifica os autores, negocia os direitos e entrega aos clientes uma versão completa e legalizada — com crédito, autorização, data, local e, quando necessário, até redação de pauta.

Hoje, com mais de 10 mil vídeos licenciados, a Myhood atende portais como G1, Metrópoles, Jovem Pan, R7 e marcas como Ambev, Skol e a Secretaria de Comunicação do Governo Federal. E projeta 15 milhões de reais em faturamento em 2025.

O negócio cresce rápido porque resolve um problema real num mercado viciado no “repost”. “Tinha muito conteúdo gerado por usuário sendo usado sem autorização. A gente quis mudar isso — mas sem ser os chatos do direito autoral”, diz Felipe.

Em vez de só denunciar, a Myhood criou um ecossistema onde todo mundo ganha: o criador recebe parte da receita, o portal tem segurança jurídica, e o conteúdo chega já formatado para performar nas redes.

“O Metrópoles posta cerca de 200 vezes por dia. Os 30 vídeos que eles usam da gente são os que mais engajam”, afirma Alexandre.

A plataforma entrega até 40 sugestões de vídeos por dia, com base em critérios como viralização, timing e relevância editorial. A remuneração dos criadores é automática e proporcional ao uso dos vídeos, e os clientes pagam uma mensalidade com acesso ilimitado ao acervo.

De briga de torcida a negócio milionário

O ponto de virada veio em 2020, quando Felipe e Alexandre ainda estavam no mestrado em economia. Depois da viralização do vídeo com dados do futebol, a denúncia de copyright e o contato inusitado da torcida organizada, Felipe começou a investigar a legislação de direitos autorais.

“Foi quando eu descobri que dava para derrubar vídeos que usavam nosso conteúdo sem crédito. Mas percebi também que isso não resolvia o problema maior. A gente precisava criar uma estrutura que protegesse os criadores e ajudasse os portais ao mesmo tempo”, diz Felipe.

Eles entenderam que existia demanda dos dois lados: criadores querendo reconhecimento e monetização; publishers querendo conteúdo quente, legalizado e pronto para publicação. A Myhood surgiu para preencher essa lacuna — com foco em escala.

“O nome vem da ideia de Robin Hood: tirar dos grandes que exploram sem crédito e dar para os criadores. Mas, no fim, todo mundo sai ganhando”, diz Alexandre.

Como funciona a operação da Myhood

A Myhood combina tecnologia, curadoria e processos jurídicos. O primeiro passo é identificar conteúdos com potencial viral nas redes. Um sistema próprio de monitoramento rastreia vídeos em alta e alerta a equipe de curadoria. Depois, jornalistas da empresa analisam o vídeo, checam a veracidade, localização, contexto e fazem contato com o criador.

“Só entra na base quem tem autoria comprovada. A gente verifica tudo: de onde foi gravado até o horário. Se tiver alguma dúvida, o vídeo não entra”, diz Alexandre. O conteúdo é transformado em uma espécie de “pauta pronta”, com texto, descrição e todos os direitos liberados.

A remuneração funciona assim: metade de toda receita gerada com o vídeo vai para o criador. Do outro lado, os portais pagam uma mensalidade — que varia conforme o tamanho da audiência — e podem usar os vídeos de forma ilimitada.

A empresa também tem tecnologia própria de rastreamento global de uso indevido. “Se um vídeo nosso aparece sem crédito em outro canal, a gente é notificado. E temos equipe jurídica pronta para agir, se necessário”, afirma Alexandre.

Os desafios do mercado informal de vídeos

Apesar da tração com grandes clientes, a Myhood ainda encontra resistência de parte do mercado — especialmente páginas menores e perfis que lucram com reposts.

“Tem gente que vive de repostar vídeo dos outros e acha que está ajudando. Mas está só explorando quem criou o conteúdo”, diz Alexandre.

Segundo os irmãos, algumas dessas páginas criaram até um grupo no WhatsApp para atacar a reputação da empresa. “Chamam a gente de vilão, dizem que estamos acabando com a liberdade na internet. Mas a verdade é que estamos só organizando um mercado que sempre foi terra de ninguém”, diz Felipe.

Além das críticas, há um desafio constante de educação.

“Tem muito social media de grande portal que ainda não sabe que não pode simplesmente dar crédito a ‘redes sociais’. Isso não basta. É necessário ter autorização. E isso vale para tudo: de vídeo de pet até denúncia de racismo”, afirma.

Ainda assim, a empresa nunca enfrentou um processo judicial. “A gente joga com o livro na mão. Tudo é documentado, tudo tem contrato. O que existe é resistência de quem quer continuar usando conteúdo sem pagar”, diz Alexandre.

Expansão: de treta news para hard news

Até aqui, o core da Myhood esteve nos vídeos de entretenimento — ou como eles chamam, “treta news”. Mas o plano para 2025 é ir além. “Queremos ser a primeira fonte quando acontecer um acidente, um protesto, uma denúncia grave. Vídeo de impacto, que interessa ao jornalismo sério”, diz Felipe.

Para isso, estão ampliando a rede de funcionários, investindo em automação e reforçando a infraestrutura de curadoria e verificação. A meta é virar fonte primária também para hard news.

“A cobertura do Carnaval, por exemplo, teve dezenas de vídeos nossos sendo usados por portais. A diferença é que o conteúdo vem com tudo verificado. Isso economiza horas do redator e ainda evita problema jurídico”, explica Alexandre.

Segundo eles, o mercado está puxando essa mudança. “As redações estão enxutas. As pautas chegam em cima da hora. Se você tem um conteúdo quente, com direito liberado e verificado, você ganha na frente”, diz Felipe.

O modelo lá fora — e o potencial global

Nos Estados Unidos e Europa, o modelo da Myhood já existe há mais tempo. Empresas como Jukin Media, Storyful e Newsflare foram compradas por grandes grupos, com valuations milionários. “A Jukin foi vendida por 130 milhões de dólares. A Royal tem braço de UGC. Até a Reuters entrou nesse jogo”, afirma Felipe.

A diferença é que, no Brasil, ninguém tinha estruturado esse mercado ainda. “A gente tem uma das maiores comunidades digitais do mundo, um consumo altíssimo de conteúdo viral, e nenhuma estrutura para isso. Era um mercado informal e desorganizado”, diz Alexandre.

A ambição dos irmãos agora é liderar a América Latina — e depois mirar Europa e África. “O Brasil tem tudo para ser exportador de modelo. A gente tem capilaridade, talento criativo e uma cultura de compartilhamento forte. Só faltava estrutura”, afirma Felipe.

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