Concerto do Candelight: espetáculo da Fever já vendeu 500.000 ingressos (Fever/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 23 de setembro de 2025 às 11h33.
No centro de São Paulo, as luzes do teatro vão se apagando aos poucos enquanto o palco se enche de luzes de velas — de LED.
No setlist, Coldplay, Queen e Taylor Swift — tudo em versão instrumental, executada por músicos clássicos.
No fundo, ninguém sabe exatamente o que esperar, mas todo mundo quer filmar. Assim são os Candlelight Concerts, os shows à luz de velas que viralizaram nas redes e já venderam mais de 500.000 ingressos no Brasil. A responsável por esse formato? A Fever, uma plataforma global de experiências ao vivo avaliada em mais de 1,8 bilhão de dólares.
Fundada na Espanha em 2014, a empresa chegou ao Brasil em 2020 — bem no início da pandemia.
A estreia oficial seria com um projeto imersivo baseado em La Casa de Papel, da Netflix, no Banespão (O Farol Santander), em São Paulo.
A data? 15 de março de 2020. Bem (mas bem, mesmo) no início da pandemia.
“A gente tinha tudo pronto quando o mundo parou”, diz Rafael Foresto Machado, general manager da Fever no Brasil. “A pandemia adiou o projeto, mas também abriu espaço para lançar o Candlelight, que virou o nosso maior acerto.”
A aposta deu certo.Em 2024, a operação brasileira dobrou de tamanho e já coloca o país entre os cinco principais mercados da empresa no mundo — ao lado de Estados Unidos, Reino Unido, França e Espanha.
O plano agora é dobrar novamente em 2025, ampliando o portfólio de eventos próprios e reforçando parcerias com grandes produtores e marcas. A empresa não divulga faturamento.
“Nosso maior trabalho é mostrar valor em um mercado que costuma se concentrar só em preço”, afirma Machado. “A Fever entrega mais do que ingressos. A gente traz tecnologia, curadoria e uma jornada de descoberta que começa muito antes da compra.”
Para 2025, a empresa escala tanto os grandes projetos, como experiências imersivas em parceria com gigantes como Warner e Disney, quanto os chamados “pockets” — formatos menores, pensados para rodar cidades do interior.
Também há planos para eventos com realidade virtual e experiências sensoriais. “A gente quer estar em mais lugares e com mais formatos”, diz Machado. “Seja na Avenida Paulista ou no interior do Mato Grosso.”
Criada por três empreendedores espanhóis, a Fever nasceu com a ambição de ser o “Netflix das experiências presenciais”.
Por trás da operação estão Ignacio Bachiller Ströhlein, Alexandre Perez Casares e Francisco Hein. Os três se juntaram em Madri depois de passarem por experiências no setor de tecnologia e pelo mercado financeiro.
O modelo une dados, curadoria e marketing digital para conectar produtores e consumidores.
A empresa atua como plataforma de venda de ingressos, mas também como produtora de eventos — função que ganhou força nos últimos anos com o selo Fever Originals, que inclui o próprio Candlelight, experiências com Harry Potter, Hot Wheels, Titanic e exposições imersivas.
“A gente faz de tudo: vende, divulga, coleta dados e até desenvolve os projetos. É uma plataforma tecnológica com alma de produtora”, diz Machado. “A diferença está na jornada. A pessoa não está só comprando um ingresso, ela é impactada, convencida e guiada até o evento por um funil de dados e conteúdo.”
Além da venda de ingressos, a Fever monetiza via mídia digital, parcerias com marcas e produção de experiências próprias.
O braço editorial da empresa — que inclui os canais São Paulo Secreto e Rio de Janeiro Secreto — serve tanto para distribuir eventos como para mapear tendências de consumo cultural nas cidades.
“É ali que a gente entende o que está quente, o que pode virar experiência, o que ainda falta no mercado”, diz. “Tem equipe local em cada cidade, gente nativa mesmo, que conhece a cena e sabe onde vale apostar.”
A Fever opera com dois modelos principais de receita: comissão sobre a venda de ingressos de terceiros (como uma "etiqueteira premium") e participação direta nos lucros (ou prejuízos) de eventos próprios.
Nos eventos originais, a empresa atua como sócia, investidora e produtora — e em alguns casos, também capta patrocínio ou usa leis de incentivo.
“Nós ganhamos junto com o sucesso do parceiro. Se o evento vai bem, a gente ganha mais. Se vai mal, a gente sente também”, diz Machado. “É diferente das plataformas que só cobram uma taxa por venda.”
No Brasil, a empresa tem buscado projetos com apelo popular e potencial de escalabilidade.
Um exemplo é o Titanic, experiência imersiva desenvolvida na Europa e trazida ao Brasil em parceria com um produtor que já havia feito os eventos de Van Gogh com a Fever em 2020.
“Foi uma sociedade que começou num momento muito incerto, mas que cresceu com base em confiança e execução”, diz Machado. “Quando o Titanic ficou pronto, já estava claro que o Brasil seria um dos mercados principais.”
Em 2022, a operação da Fever começou a ganhar tração real, com abertura de escritório e montagem de equipe local.
Hoje, a empresa atua em 41 cidades brasileiras — e tem capacidade de lançar um Candlelight em locais como Sinop, no Mato Grosso, em menos de uma semana.
“Criamos um processo muito otimizado. Sabemos como contratar músicos, produzir eventos, montar a cenografia. Isso permite escalar rápido, com qualidade e baixo custo operacional”, afirma o executivo.
Segundo ele, o Brasil hoje está entre o top 5 global da Fever em receita e volume de eventos — e já aparece entre o terceiro e o quarto lugar em número de público impactado.
A operação brasileira dobrou de tamanho em 2024, e a meta é repetir o feito em 2025.
“A gente tem volume, tem diversidade de público e uma demanda gigante por experiências diferentes. Mesmo com o real desvalorizado, o número de pessoas compensa.”
A estratégia inclui tanto os grandes eventos, feitos com estúdios como Warner e Disney, quanto os formatos menores e mais escaláveis. “Queremos descentralizar. Não é só Rio e São Paulo. A gente está indo para Ribeirão Preto, Goiânia, Curitiba, e cidades onde ninguém espera um evento imersivo, mas onde a resposta do público é enorme.”
Com o sucesso do Candlelight, surgiram cópias.
“Vimos muitos produtores imitando o conceito, até com nomes parecidos. Mas eu vejo como uma homenagem. Quem tenta copiar mostra que o modelo funciona”, diz Machado. “A diferença está na execução. A qualidade da nossa entrega é muito superior. A gente já fez até com Gilberto Gil, Chico César, AnaVitória, fora os artistas internacionais.”
Outro desafio é o mercado secundário, como os casos de cambismo e revenda não autorizada.
“É um problema global. A gente usa tecnologia para mitigar isso: ingressos dinâmicos, QR codes que se atualizam e ferramentas de fila virtual”, afirma.
A Fever também atua em projetos com grande volume de acessos, como a Bienal do Livro.
“Na última edição, a gente usou o mesmo sistema de fila da final da Champions League para organizar o acesso aos autógrafos do Felipe Neto.”
O setor de eventos também enfrenta desafios estruturais no Brasil: leis desatualizadas, escassez de espaços e insegurança regulatória.
“A gente já viu de tudo nesses cinco anos. Mas isso também cria uma vantagem: a operação aqui é mais complexa, então quando dá certo, vira modelo para outros países.”
Depois de captar mais de 100 milhões de dólares em junho de 2025 — num aporte liderado pelos fundos L Catterton e Point72, dono do New York Mets —, a Fever acelerou sua presença global.
A startup opera em mais de 40 países e já atingiu cerca de 200 milhões de usuários cadastrados. A receita baseada em propriedades intelectuais cresceu 45% em 2024, e o ano fechou com EBITDA positivo.
Para o Brasil, a meta agora é trazer grandes marcas internacionais, desenvolver hubs de realidade virtual e explorar novos temas imersivos — de mitologia à neurociência.
“Estamos olhando para formatos que ainda não existem por aqui”, diz Machado. “Queremos experiências que ativem todos os sentidos, que tenham escala, mas que também funcionem em espaços menores.”