Shuji Utsumi, CEO global da Sega: espírito 'rock and roll' guia decisões do executivo japonês
Repórter
Publicado em 24 de outubro de 2025 às 14h46.
Última atualização em 24 de outubro de 2025 às 14h47.
Do console no sofá de casa até o filme na sala de cinema, a publicadora japonesa Sega está há décadas na memória brasileira.
Quem cresceu nos anos 80 e 90 provavelmente lembra das tardes passadas com o Master System e o Mega Drive, consagrados como os primeiros videogames que conquistaram uma geração.
Para as novas gerações, o icônico mascote Sonic the Hedgehog se tornou uma figura presente nas telas, seja a do cinema, computador ou smartphone — até bem mais do que esperado pela japonesa.
“Nós já ouvimos que muitos brasileiros pensam no Sonic como um deles, quase como se ele fosse brasileiro também”, diz Shuji Utsumi, CEO global da Sega, em entrevista exclusiva a EXAME. “Para nós, o Brasil não é só um mercado; é uma força cultural”.
Nos últimos anos, o personagem virou estrela de uma franquia. Nos cinemas, superou a marca de US$ 1 bilhão em bilheteiras. Somente no Brasil, foram R$ 16,6 milhões na semana de estreia do segundo filme.
Chegar a tela grande faz parte da nova estratégia da publicadora japonesa de 60 anos, que pertence ao conglomerado Sega Sammy Holdings desde o início dos anos 2000.
Segundo o CEO, a gigante japonesa quer "reviver seu espírito rock and roll". O plano é se destacar em um mercado de jogos global cada vez mais competitivo, liderado por gigantes bilionárias como Nintendo e Sony. Em 2023, por exemplo, a empresa adquiriu a Rovio Entertainment, criadora do Angry Birds.
Nos últimos doze meses, a holding reportou uma receita de US$ 3 bilhões e um Ebitda de US$ 436 milhões (por volta de R$ 16 bilhões e R$ 2 bilhões na cotação atual, respectivamente).
Vale ressaltar que a divisão de entretenimento, responsável pelos jogos e pelas propriedades intelectuais, registrou o equivalente à cerca de R$ 2,37 milhões em vendas líquidas no primeiro trimestre fiscal de 2025.
Em entrevista a EXAME, Utsumi detalha as estratégias globais da empresa, a estratégia transmídia, e a importância da comunidade brasileira no fortalecimento da marca global da Sega.
EXAME: A história da Sega começou nos arcades. Quais lições da filosofia de ‘diversão instantânea’ do design de arcade ainda são relevantes para o desenvolvimento de jogos hoje?
Utsumi: Acredito que “diversão instantânea” é mais relevante agora do que nunca. Nós todos temos tanta coisa acontecendo em nossas vidas e tantas distrações que, para a Sega ser bem-sucedida, nós temos que garantir que nossos jogos tenham um apelo instantâneo.
Tendo trabalhado no PlayStation original, qual a maior diferença que você vê no mercado de consoles de hoje versus a guerra dos consoles dos anos 1990?
U: Os games são tão “mainstream” agora. Eles estão para todo lado. Eu sempre me lembro quando tentei sugerir Crash Bandicoot para os estúdios de cinema e eles quase riram na minha cara só por pensar que aquilo fazia sentido. E agora nós temos três filmes do Sonic muito bem-sucedidos e muitos outros projetos sendo considerados. É uma época muito diferente, em que nossa indústria é realmente uma parte definidora da cultura.
Mesmo com consoles e smartphones, os gamers de computador crescem ano após ano. Qual a visão da Sega sobre esses jogadores?
U: PC gaming é de enorme importância para nós. Na verdade, essa foi uma das primeiras grandes mudanças que implementei quando entrei na Sega como Chief Strategy Officer em 2020.
Naquela época, títulos dos estúdios japoneses da Sega eram focados no Japão e na Ásia, e nos consoles. A Sega lançava primeiro no mercado de consoles japonês e asiático, então no mercado de consoles ocidental, com PC vindo por último.
Nós mudamos isso para uma estratégia de lançamento multiplataforma, mundial e simultânea. Isso fez com que as vendas no mercado ocidental crescessem significativamente.
Como você apontou, o número de pessoas jogando games no PC está aumentando rapidamente. O avanço dos dispositivos móveis trouxe uma grande base de jogadores casuais e ajudou a expandir a indústria, mas a demanda por conteúdo rico graficamente e experiências imersivas está claramente aumentando também.
Mudanças no estilo de vida — conversar com os amigos em plataformas como o Discord, jogar enquanto transmite ao vivo, e o crescimento de públicos que querem assistir — são alguns dos maiores condutores do aumento dos jogadores no PC.
Com estúdios no Japão e na Europa, como você cultiva um único ‘jeito Sega’, respeitando as culturas criativas únicas?
U: A Sega é mais como um estúdio de música com vários selos dentro dela. Cada um produz jogos baseados em suas únicas culturas e equipes, e isso nos ajuda a ter um portfólio diversificado com um grande espectro de ótimas experiências.
Qual é o valor estratégico de mercados como o Brasil na construção da marca global da Sega?
U: O Brasil tem um imenso valor estratégico para a Sega em termos de construção da nossa marca global, e isso vai muito além dos números. É uma das comunidades gamers mais apaixonadas e criativas do mundo. A energia e o amor dos nossos fãs brasileiros nos inspiram de verdade.
Nós já ouvimos que muitos brasileiros pensam no Sonic como um deles, quase como se ele fosse brasileiro também. Esse tipo de afeição não tem preço. O Sonic constantemente é ranqueado entre os personagens mais populares, não só nos filmes, mas também em plataformas como Roblox, e o Brasil tem um papel enorme nesse sucesso.
Para nós, o Brasil não é só um mercado; é uma força cultural. Construir conexões fortes, de longo prazo, com os jogadores brasileiros ajuda a Sega a desenvolver sua identidade.
Sonic – O Filme: "Agora nós temos três filmes do Sonic muito bem-sucedidos e muitos outros projetos sendo considerado", diz CEO (Medios y Media)
Além de Sonic, qual franquia da Sega você acredita ter o maior potencial não revelado para uma expansão?
U: É difícil nomear todas, porque algumas talvez sejam óbvias, como Persona e Yakuza/Like a Dragon. Total War e Football Manager são franquias com potenciais enormes e ambas com uma base sólida de fãs. Mas há outras vindas do nosso passado, como Crazy Taxi e Jet Set Radio, que também têm muito apelo.
E mesmo recentemente, nós anunciamos parcerias para coisas como OutRun, que é um jogo clássico dos arcades. Essa é a força da Sega: nós temos tantas ótimas propriedades intelectuais, e todas elas têm muito potencial inexplorado.
Como você decide qual franquia vai renascer e qual vai permanecer como uma memória?
U: A boa notícia é que a Sega tem muitos estúdios e times de desenvolvimento excelentes que estão constantemente pensando em ideias para nossas franquias. Baseado em pesquisa extensa, eu deixo que eles considerem quais grandes jogos podem ser feitos, e coletivamente como companhia decidimos quais projetos fazem sentido para nós.
Eu também devo enfatizar que nosso interesse em reviver o legado não quer dizer que nós vamos evitar introduzir novas propriedades. Você pode ver Metaphor: ReFantazio como um grande exemplo dos nossos estúdios.
Um grande fator nessas decisões é o nível de paixão dos nossos fãs. Quando há um forte entusiasmo, nós reconhecemos que é um sinal importante da comunidade. Você pode se lembrar que anos atrás, o primeiro trailer do primeiro filme de Sonic the Hedgehog saiu e apresentou uma versão do Sonic que não parecia autêntica.
A Paramount, e ela merece um grande reconhecimento por isso, dedicou muito tempo e esforço em ajustes — e até contratou consultores externos — e eu acredito que você pode ver o sucesso que se seguiu.
Como equilibrar a inovação com a prudência financeira necessária para administrar uma empresa global?
U: Nos mais de dez anos antes de me juntar à companhia, a Sega tinha se tornado mais quieta e reservada. Agora, eu acredito que é essencial criar um ambiente e uma mentalidade em que criadores podem assumir mais riscos e ir além dos limites.
Nesse sentido, eu acredito que não é só aceitável, mas até mesmo necessário, que o equilíbrio penda um pouco mais para o espírito “rock and roll”.