Tiago Filomena, da Finor, e André Fonseca, da Artefact: “Nosso objetivo é ser o ecossistema de serviços em IA mais relevante da América Latina” (Artefact/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 29 de outubro de 2025 às 08h02.
Com a inteligência artificial na crista da onda, virou comum empresas correrem para aplicar a tecnologia no marketing, no atendimento, nos relatórios e até na conversa com cliente. Mas enquanto isso, um outro grupo — bem menor — tem feito dinheiro vendendo a inteligência por trás da IA que as outras estão tentando usar.
É exatamente esse o negócio da Artefact, consultoria francesa especializada em projetos de dados e IA para grandes empresas.
A empresa, avaliada em mais de 1 bilhão de dólares, chegou ao Brasil em 2018 para atender os primeiros clientes multinacionais e desde então se posicionou como fornecedora de soluções de IA sob medida — do desenho da estratégia até a implementação técnica.
Agora, a companhia mira um setor considerado mais fechado e regulado, mas também mais lucrativo: bancos e seguradoras.
Para acelerar esse movimento, a Artefact acaba de comprar a Finor, startup gaúcha especializada no desenvolvimento de algoritmos financeiros, com base técnica construída dentro da UFRGS, a universidade federal do Estado.
A aquisição fortalece a presença da Artefact no Brasil e marca uma virada estratégica: transformar conhecimento matemático profundo — o tipo de conhecimento que não escala sozinho — em plataforma comercial capaz de se espalhar pelo sistema financeiro.
A Finor, fundada em 2020 e com sede em Porto Alegre, entra na estrutura da Artefact com um time de 30 especialistas e portfólio de clientes que inclui Bradesco, Unico, IFC e Edenred.
“Nosso objetivo é ser o ecossistema de serviços em IA mais relevante da América Latina”, afirma André Fonseca, CEO da Artefact para a região. “E isso passa por ter gente muito boa fazendo coisas muito difíceis. A Finor é isso.”
A Finor nasceu dentro do ambiente acadêmico, com perfil técnico antes de virar empresa. Seu cofundador, o professor Tiago Filomena, passou cinco anos nos Estados Unidos, onde fez doutorado na George Washington University com foco em algoritmos para finanças — sistemas matemáticos usados para tomada de decisão, precificação ou análise de risco.
De volta ao Brasil, virou professor da UFRGS e, por alguns anos, seguiu paralelamente na pesquisa e no mercado.
Em 2020, junto com o também professor Guilherme Kirch, fundou a Finor para aplicar esse conhecimento aos problemas reais das instituições financeiras.
“Eu tive um passado super acadêmico. Sempre trabalhei com algoritmos aplicados a finanças. A gente estava nesse mercado de tomada de decisão bem antes de a IA virar hype”, diz Tiago.
O foco sempre foi resolver problemas técnicos difíceis que demandavam precisão matemática e leitura regulatória — algo comum em bancos, mas difícil de encontrar concentrado em startups.
Entre os serviços que a Finor desenvolve estão modelagem de risco de crédito (para prever chance de inadimplência), detecção de fraude (comportamento anômalo em transações), precificação de instrumentos complexos (como derivativos) e otimização de portfólios (decidir onde alocar recursos para melhorar retorno com segurança).
Com a demanda aumentando, surgiu o limite natural de escala: para crescer, seria preciso integrar esse conhecimento a uma estrutura comercial e internacional maior. A aproximação com a Artefact começou assim — antes como parceria técnica, e depois como aquisição.
A Artefact surgiu em 2015 na França e se expandiu rápido pela Europa.
O Brasil passou a fazer parte da estratégia global em 2018, quando a operação local foi montada quase do zero.
“Começamos com dois clientes, um estagiário e uma pessoa que veio da França me ajudar”, diz Fonseca. Hoje, são cerca de 300 profissionais na América Latina.
O plano de expansão ganhou força depois da entrada de fundos globais. Primeiro, a Ardian investiu em 2021. Depois, em 2024, foi a vez da Cinven, com objetivo explícito de acelerar aquisições em mercados emergentes. A América Latina virou prioridade.
Em 2024, a empresa comprou uma consultoria no Chile. A busca por um ativo especializado em serviços financeiros levou à Finor. Segundo Fonseca, a empresa chamou atenção por três motivos: profundidade técnica, perfil empreendedor e cultura compatível.
“O time tem conhecimento específico que não se constrói do dia para a noite. E o perfil empreendedor pesa muito. O Thiago e o Guilherme construíram algo do zero — isso é raro e difícil de achar”, afirma.
Ele também cita o alinhamento de longo prazo: “A Finor não é uma empresa que nasceu surfando a onda do ChatGPT. Ela veio de um lugar de reputação técnica. Isso faz diferença quando você fala de IA para banco.”
A Finor segue funcionando como unidade especializada dentro da Artefact. A marca permanece durante o período de transição, mas já há integração de times e processos.
O objetivo é ampliar a penetração no mercado financeiro e exportar soluções para outros países onde a Artefact atua.
“A integração já começou antes do contrato. Já estávamos atendendo clientes juntos”, diz Fonseca. A diferença, agora, é escala: a infraestrutura global da Artefact inclui processos de venda, equipes internacionais e parcerias comerciais com grandes grupos.
Do lado da Finor, a aquisição resolve o gargalo de expansão.
“A gente sempre teve um corte técnico muito forte. Agora temos um parceiro com capacidade de escala comercial”, diz Tiago. Segundo ele, fez diferença o fato de a operação brasileira da Artefact também ter sido construída do zero: “A gente queria entrar num ecossistema que passou pelo mesmo caminho, de ter que construir sem legado.”
Um dos exemplos que André usa para explicar o trabalho é o de uma grande cervejaria, cliente da Artefact. A produção tinha uma etapa manual: a definição da cor da cerveja, feita “no olho”, o que gerava inconsistências. A Artefact criou um modelo de IA que prevê exatamente a quantidade de malte torrado a ser usada.
“É um problema técnico, mas cotidiano. A gente tira o feeling e substitui por precisão”, afirma.
No lado financeiro, o exemplo vindo da Finor é de um banco global que comprava carteiras de crédito de outros países. A startup fazia a validação do risco antes da aquisição, analisando se o preço estava correto e se os modelos estavam calibrados.
“É algo bem técnico. Mas o impacto é direto: uma decisão errada custa milhões. O algoritmo ajuda a evitar isso”, diz Tiago.
Esses casos ajudam a traduzir o termo “IA aplicada” — que, no setor financeiro, é menos chatbot e mais cálculo, previsão, auditoria e tomada de decisão.
Com a aquisição, o plano da Artefact fica mais agressivo: chegar a 500 milhões de reais de faturamento na América Latina até 2030, combinando aquisições e expansão orgânica. O setor financeiro passa a ser prioridade, e o Brasil deixa de ser apenas um mercado consumidor — vira também produtor de tecnologia exportável.
“A ideia é usar o conhecimento da Finor no mundo inteiro”, diz André. O movimento também reforça a intenção pública da empresa: “Nossa missão é ser o ecossistema de serviços em IA mais relevante da América Latina.”
Para uma área onde a confiança importa mais do que o glamour tecnológico, a aposta é clara: IA menos espetáculo, mais precisão.