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Vikram Gandhi, da Harvard Business School, e a beleza do blended finance

Vikram Gandhi, professor de Administração na escola de negócios de Harvard, acredita que modelo de investimento que combina recursos privados, gastos públicos e filantropia é caminho para desenvolvimento sustentável — e viabilizador de projetos de grande magnitude

Vikram Gandhi, professor de Administração na escola de negócios de Harvard:  (Divulgação/Divulgação)

Vikram Gandhi, professor de Administração na escola de negócios de Harvard: (Divulgação/Divulgação)

Estímulo
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Publicado em 26 de março de 2025 às 06h03.

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Vikram Gandhi é um entusiasta das finanças sustentáveis. A vocação ao tema é resultado de mais de duas décadas no mercado financeiro em posições estratégicas e liderando operações regionais de bancos de investimento como Morgan Stanley e Credit Suisse.

É também resultado de uma atuação ativa em iniciativas sociais na Índia, seu país de origem, aconselhando grandes instituições financeiras e governo em favor do desenvolvimento econômico, competitividade global e redução da pobreza.

No país, também foi cofundador da Blended Finance Company, dedicada à aceleração de projetos de blended finance. Vikram é também membro do conselho da Grameen Foundation, uma organização inspirada pelo trabalho de Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz e criador do conceito de ‘microcrédito’.

A inclinação ao tópico também o levou a fundar a Asha Ventures, uma firma de venture capital dedicada à combinação de investimentos de impacto e retorno financeiro na Índia e em países emergentes, cujo propósito é endereçar financiamentos a empresas sociais que têm como base uma clientela que ganha de 3 a 5 mil dólares por ano.

Missing middle

“Focar no missing middle é nossa vocação”, diz Gandhi, em referência às pequenas e médias empresas. “Há uma grande parcela desassistida pelas grandes instituições financeiras e que carregam consigo oportunidades de negócio capazes de transformar a economia”, defende.

Professor de administração na Harvard Business School, Gandhi tem sido um aguerrido evangelista dos financiamentos combinados, ou blended finance, modalidade que combina recursos filantrópicos, privados e públicos para o financiamento de projetos socioambientais.

Nas salas de aula da renomada instituição, acaloradas discussões analisam a capacidade do modelo em auxiliar na mitigação de riscos para o investidor, bem como acelerar projetos socioambientais de grande porte — incluindo aqueles capitaneados pelo poder público.

Fora do campo acadêmico, a guinada corporativa do ESG tem colaborado para o bom desempenho do blended finance. Com centenas de empresas incorporando indicadores socioambientais aos seus planos de negócio, era de se esperar que a modalidade também avançasse a passos largos.

O resultado disso é um salto de 71% no volume financiado via blended finance no mundo em 2023, totalizando US$ 15 bilhões. Os dados são da Convergence, plataforma especializada no tema.

Em busca de exemplos bem-sucedidos de blended finance em economias emergentes capazes de ultrapassar a barreira ambiental, Gandhi analisou o fundo brasileiro Estímulo, de impacto social voltado a pequenos empreendedores, como um estudo de caso em suas aulas na escola de negócios de Harvard.

Destrave de recursos

Criado em 2020 por um grupo de empresários, entre eles Abilio Diniz e Eduardo Mufarej, o Estímulo nasceu como uma resposta à pandemia de Covid-19, para auxílio imediato de empreendedores diretamente afetados pelas barreiras sanitárias.

Com seu modelo de blended finance já azeitado e apoio de empresas como Itaú, Vale, BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), B3, Serasa, Localiza, Energisa e Engie, o Estímulo soma hoje R$ 300 milhões em apoio financeiro para 4,4 mil pequenos negócios de todo país, sendo 90% deles em regiões de baixa renda.

Mesmo sem familiaridade com o contexto brasileiro, Gandhi afirma que a atuação do Estímulo comprova o protagonismo do país na criação de iniciativas que possam viabilizar o blended finance em larga escala.

“Eu achei fascinante que havia uma iniciativa para apoiar pequenos negócios, já que muitos dos nossos cursos focavam em iniciativas climáticas. Então trazer essa nova perspectiva, de usar estruturas financeiras para lidar com emergências sociais, foi fascinante”, disse, ressaltando a atuação do fundo de impacto em um contexto de emergência social, especialmente durante a pandemia.

No atual cenário econômico global, que compreende altas taxas de juros e aversão generalizada ao risco, o papel do blended finance é justamente o de destravar recursos que dificilmente chegariam onde deveriam chegar — e na velocidade exigida, defende.

“É comum que projetos de impacto social sejam deixados de lado em contextos como o atual. Mas há urgência em olhar para isso globalmente. É possível endereçar literalmente todos os objetivos de desenvolvimento sustentável com o blended finance”, afirma o investidor. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.

O blended finance parece ter ocupado um papel protagonista em todas as discussões que envolvem as finanças sustentáveis. Dito isso, como foi a inserção do tema e, especialmente de um estudo de caso sobre isso, no curso de finanças sustentáveis na Harvard Business School? Como foi a devolutiva desse curso, considerando a demanda de alunos e interações durante as aulas?

O feedback oficial foi muito positivo. Eu acho que os estudos realmente ajudam a vislumbrar um contexto global e a relação entre finanças sustentáveis e blended finance — hoje já não se pode falar de uma coisa sem mencionar a outra. Ainda em um contexto global, olhando para os objetivos de desenvolvimento da ONU, há uma lacuna de 4 trilhões de dólares entre o que está sendo gasto hoje e o que precisa realmente ser injetado para alcançar os objetivos estabelecidos para 2030. Por isso, eu acho que a receptividade dessa temática é e continuará sendo muito alta.

O Estímulo, além da pandemia, também atuou de maneira intensa durante as enchentes do Rio Grande do Sul, comprovando a efetividade do modelo de blended finance em situações inesperadas e assumindo um papel de “emergency response”. Contudo, o cenário da Covid-19 (que serviu de plano de fundo para sua criação), por seu caráter inesperado, é bem diferente do que encaramos agora em meados de 2025. Então, como blended finance ajuda fora desse contexto emergencial, mas como uma ferramenta focada no longo prazo e efetividade?

O blended finance não é uma coisa nova. Ele tem sido implementado há um longo tempo, desde a Segunda Guerra Mundial, pelo Banco Mundial e seu braço voltado ao setor privado. Hoje, se você olhar muitas das iniciativas do Banco Mundial para blended finance, entendemos que globalmente, as garantias oferecidas estimulam o capital privado, incentivando a injeção de capital em áreas que dificilmente recebem investimentos de alguma outra forma.

Ele é uma ferramenta importante para diferentes economias, e tem sido assim há décadas, dentro e fora de um contexto emergencial. A questão atual é: como utilizar o gasto do governo e o gasto filantrópico para estimular a entrada do capital privado, para então chegar à escala.

Que paralelos você vê entre a missão da Estímulo de apoiar pequenas empresas no Brasil e iniciativas de microfinanças em outros mercados emergentes?

Obviamente, cada país tem suas próprias dinâmicas. O fato interessante em comparação com os outros casos é que este começou como uma resposta a uma emergência, e puramente como um esforço filantrópico, e depois migrou para uma estrutura financeira.

Além disso, mostra como começar atuando em uma área geográfica específica dentro de um país extenso como o Brasil, e ser capaz de levar isso a outras áreas — entre elas o Norte, onde estruturas de microfinanciamento chegam com menor facilidade. Então isso é muito interessante e faz desse um caso único.

Estamos encarando um cenário atípico nas contas públicas no Brasil. Com a moeda em desvalorização, instabilidade fiscal e dólar nas alturas, está cada vez mais difícil convencer o mercado financeiro — e as empresas — a abraçarem o risco. Como a estrutura de blended finance pode contribuir? É possível afirmar que ela pode ser beneficiada nesse contexto?

É exatamente para isso que o blended finance existe. O que ele faz, em um conceito muito básico, é arrastar capital comercial para que investimentos realmente possam existir. O capital comercial só vai entrar até onde o investidor se sentir confortável com o risco, pensando no retorno.

No Brasil agora, obviamente, há muita pressão para que os investidores decidam o que fazer e onde alocar seus recursos. Então há um papel de confiança a ser desempenhado. O problema — e o desafio — é que ainda precisa de escala. Você não vai realmente fazer a diferença se não levar esses investimentos a uma escala muito maior.

E é de fato um modelo “escalável”? Até que ponto o blended finance pode ser uma opção viável a investidores naturalmente mais cautelosos no curto e médio prazo?

É de fato um dos maiores desafios para a expansão dessa modalidade no futuro. Quando falamos de escala, é muito mais fácil considerarmos iniciativas como as do Banco Mundial ou IFC, do que micro iniciativas como o Estímulo, por exemplo. Avançar regionalmente é outro desafio.

Quando você sai de grandes polos comerciais, como São Paulo e Rio, o tema de acesso ao crédito pode ser uma tese de impacto positivo ou negativo, e isso vai depender de um critério importante: a tecnologia. Sem tecnologia e algoritmos, não é possível escalar uma operação de crédito, o que muitas vezes impossibilita o uso do blended finance como mecanismo para acelerar projetos sociais.

Você falou sobre tecnologia e escala. São esses os próximos passos quando olhamos para o futuro da modalidade? Se sim, quais são os desafios para chegar lá?

Sim, porém não estamos falando apenas de escala. Quando falamos de desafios, o incentivo também é uma questão. Trata-se também ir além do social, como mencionei, e incentivar todo tipo de solução viável para mitigar as mudanças climáticas.

Um exemplo interessante é de um aluno meu que está desenvolvendo um modelo de green bonds que recompensa fazendeiros que desenvolvam maneiras mais eficientes de cuidar do solo, ao invés de apenas desmatar novas áreas para o plantio.

Mas ele não fará isso sem incentivo, assim como não substituirá seus sistemas de irrigação de água movidos a diesel por opções movidas por energia solar. É preciso incentivo, e isso vai bem além da escala.

O blended finance, como possível impulso financeiro para apoiar mudanças como essa, pode ser uma resposta. É possível endereçar literalmente todos os objetivos de desenvolvimento sustentável com o blended finance. Mas é preciso incentivo estrutural.

Vinicius Poit, CEO do Estímulo, em aula de MBA na Harvard Business School: aprendizado sobre blended finance (Divulgação/Divulgação)

O estudo de caso envolvendo o Brasil enfatiza muitas vezes o termo “missing middle”, que diz respeito à lacuna deixada por grandes instituições incapazes de desenvolver soluções para um público pequeno demais para serem considerados “micro”, mas também grandes demais para serem atendidos por bancos tradicionais. Ou seja, há um espaço a ser preenchido. Na sua perspectiva, que lições este modelo oferece a outros países que enfrentam lacunas econômicas semelhantes?

O “missing middle” não é um conceito exclusivamente brasileiro, apesar de obviamente muito importante no Brasil — que, assim como nos Estados Unidos e em outros mercados emergentes, têm pequenos e médios negócios dirigindo a economia. E a razão por que o missing middle existe é que muitos dos grandes bancos não olham para esse público, enquanto as iniciativas do governo se concentram em atender a quem está na baixa.

Um segundo ponto é que essas mesmas economias e bancos estão perdendo as empresas pequenas, porque elas não conseguem fazer negócios. É válido destacar que, além de oferecer renda para que o pequeno negócio possa crescer, o blended finance coopera para melhores oportunidades olhando até mesmo para serviços básicos como moradia, educação e saúde.

Então você pode usar estruturas de finanças combinadas para poder propor isso de uma forma mais robusta, antes mesmo de olhar para negócios, nesses países.

E por falar em oportunidades de negócio, você enxerga o blended finance como uma modalidade a se popularizar entre pessoas comuns, ou ainda deve permanecer restrito ao radar de grandes companhias que já se comprometem com o ambiente ou retornos sociais? É uma modalidade flexível às pequenas e médias empresas também?

Sim, eu acho que agora o blended finance tem sido direcionado aos grandes family offices e grandes doadores. Tem muito esforço para alcançar esse público em específico. Mas o que podemos ver é o crescimento do uso de tecnologias para captar recursos, por meio de capital filantrópico, para pequenos negócios que precisam de apoio.

São doações pequenas, e motivadas pela sensação de que é possível fazer diferença. Uma das minhas alunas, por exemplo, começou uma empresa no México dedicada a levantar capital para pequenos negócios fundados nas favelas. É basicamente uma plataforma de crowdsourcing para negócios sociais. Vejo que isso é algo que pode prosperar em todo o mundo. As pessoas se apoiam e isso continuará em alta.

Olhando para o futuro, que oportunidades você prevê à medida que o blended finance avança no Brasil?

Não estou familiarizado com os dados recentes do Brasil, mas posso afirmar que na Índia, o número de pessoas que se enquadram no que chamamos de missing middle é de 400 milhões. Isso faz do blended finance mais do que uma alavanca para os objetivos de desenvolvimento sustentável, mas uma oportunidade de negócio, especialmente em países em crescimento.

Veja, com o apoio socioeconômico, esse grupo irá crescer, prosperar e ter demandas específicas. Se é uma família com crianças, precisará de uma boa educação, uma boa saúde, e é possível cobrar por tudo isso.

Por isso, os financiadores podem crescer na mesma medida. Então, não é apenas sobre fazer bem, é sobre grandes oportunidades de negócio que movimentam a economia — muitas vezes, graças ao “empurrão” do financiamento misto.

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