Taylor Swift: livro afirma que a cantora trilhou seu sucesso com a mesma disciplina estratégica vista no Vale do Silício (Matt Winkelmeyer/Getty Images for The Recording Academy/Getty Images)
Repórter
Publicado em 14 de maio de 2025 às 05h01.
Última atualização em 14 de maio de 2025 às 07h43.
Em 2021, Taylor Swift deu um passo que parecia impensável até para os executivos mais experientes da indústria da música: ela pediu publicamente aos seus milhões de fãs que parassem de ouvir os álbuns que a tornaram famosa — e que passassem a consumir versões regravadas desses mesmos discos, agora sob seu controle.
A campanha “Taylor’s Version” não foi apenas um sucesso: ela reescreveu as regras da propriedade intelectual na era do streaming. “Pedir que fãs abandonem as músicas com as quais cresceram e ainda assim vender milhões com novas versões é algo que só ela poderia fazer”, diz Kevin Evers, editor sênior da Harvard Business Review.
Evers é autor do recém-lançado There’s Nothing Like This: The Strategic Genius of Taylor Swift (ainda sem tradução para o português), livro que analisa a carreira da cantora não sob a ótica do pop, mas da estratégia empresarial. Para ele, Taylor Swift é “menos um fenômeno artístico e mais um estudo de caso sobre marca, controle narrativo e visão de longo prazo”.
A expressão “Swifteconomics” virou sinônimo desse impacto, cunhada para descrever o efeito em cascata da The Eras Tour, turnê que arrecadou mais de US$ 2 bilhões em bilheteria e aqueceu economias locais por onde passou, como em Denver, onde os shows geraram US$ 140 milhões em consumo.
Mas o livro de Evers não se contenta com os números — ele mostra como tudo isso foi, desde o início, arquitetado com precisão.
O livro começa antes da fama. Swift, ainda adolescente, tomava decisões que a diferenciavam dos padrões de Nashville — cidade-símbolo da indústria country americana e tradicionalmente dominada por compositores profissionais que escrevem para outros artistas. Ela, ao contrário, queria escrever suas próprias canções, refletindo a realidade emocional de garotas da sua idade.
A clareza da “estrela do norte”, como define Evers, permitiu a Swift tomar decisões difíceis com confiança: sair de uma gravadora que não queria lançá-la como autora, confiar em um executivo independente (Scott Borchetta) sem estrutura definida e, mais tarde, mudar de gênero musical sem perder autenticidade.
No livro, o autor compara a carreira de Swift à de outros fundadores visionários, como Steve Jobs e Elon Musk, afirmando que a cantora trilhou seu sucesso com a mesma disciplina estratégica vista no Vale do Silício.
A conexão com os fãs aparece como ativo central da carreira de Swift. Ela usou o MySpace antes de outros artistas country para divulgar músicas diretamente, e adotou táticas de fidelização como as Secret Sessions, audições privadas de seus álbuns na própria casa, com fãs selecionados. A prática não apenas reforçava o engajamento, mas criava defensores da marca Taylor Swift.
Essa realização, que se alinha com a teoria de Clay Christensen sobre o “trabalho a ser feito”, permitiu que ela criasse músicas que se conectam emocionalmente com seu público, o que as tornou produtos únicos e difíceis de replicar.
Segundo Evers, a carreira de Swift foi "construída não apenas por talento natural, mas também pela disposição de se esforçar mais do que os outros".
"Taylor teve sucesso porque trilhou um caminho único. Suas decisões foram moldadas pelas circunstâncias dela. Assim como nunca haverá outro Beatles ou Madonna, nunca haverá outra Taylor Swift. Os artistas inteligentes aprenderão com ela — e buscarão sua própria versão de sucesso", afirma.
Para ele, Swift foi além do esperado, dedicando-se a conhecer pessoalmente seus fãs, um esforço que parecia difícil, mas foi crucial para estabelecer sua base de seguidores.
Há quase 20 anos, Nashville, cidade conhecida como o centro da música country (gênero que Swift cantava no começo da carreira), era dominada por compositores profissionais que escreviam para outros artistas. Swift fez questão de seguir um caminho diferente. Em vez de apenas interpretar músicas escritas por outros, ela queria contar suas próprias histórias.
Ela sabia que suas experiências, seus sentimentos e suas emoções poderiam criar uma conexão única com o público jovem, especialmente com outras garotas. O álbum Speak Now, lançado em 2010, é um exemplo claro disso: não existem outros compositores nele além da própria Swift.
Essa percepção da lacuna no cenário musical da época foi um marco importante para o sucesso nos negócios da cantora. Com Borchetta, Swift percebeu uma lacuna no mercado: jovens mulheres escrevendo suas próprias músicas direcionadas a outras jovens mulheres.
A capacidade de identificar oportunidades em mercados não concorridos criou um "oceano azul", ou seja, um espaço no mercado praticamente desocupado — conceito cunhado por W. Chan Kim e Renée Mauborgne. Disso veio a criação de um nicho próprio, que dominou um espaço de mercado sem concorrência direta.
Seu primeiro álbum, Taylor Swift, de 2006, no entanto, já revelava essa estratégia. As músicas eram não apenas bem feitas, mas estavam profundamente enraizadas na realidade de uma adolescente que tentava entender o mundo ao seu redor, como definiu Eavers.
"There's Nothing Like This: The Strategic Genius of Taylor Swift", livro custa R$ 178,92 na Amazon e ainda não tem tradução para o português (Divulgação)
Ao fazer a transição do country para o pop com 1989, em 2014, muitos esperavam que Swift abandonasse a essência de suas letras pessoais. Mas a cantora surpreendeu ao afirmar que sua mudança de estilo musical não significava uma mudança de mensagem.
"Muita gente vê o brilho, o glitter, os Louboutins — e perde de vista o quanto Taylor é ousada. Ela não parece uma rebelde, mas toma decisões arriscadas o tempo todo. Deixar o country no auge? Regravar todo o seu catálogo? São decisões enormes", afirma. "O que a diferencia é que, mesmo sendo uma das maiores estrelas do mundo, ela continua se desafiando. Ela entende que o verdadeiro crescimento exige escolhas corajosas — e ela não tem medo de fazê-las."
Isso criou uma identificação imediata com os jovens ouvintes, particularmente o público feminino, que, à época, não tinha muitas opções de artistas que compartilhassem experiências semelhantes.
"O impressionante sobre Taylor Swift é como ela conseguiu crescer sem perder sua essência. A maioria dos artistas, ao crescer, fica mais distante ou artificial. Taylor conseguiu se expandir mantendo sua honestidade emocional e sua habilidade de contar histórias pessoais", continua.
Desde cedo, Swift e sua equipe perceberam que para se destacar nesse cenário, não bastava apenas ter talento. Ela sabia que precisava de uma identidade única, algo que a diferenciasse de outros artistas e que conectasse seu trabalho com seu público de maneira profunda.
A vulnerabilidade de suas letras, combinada com a sua habilidade de construir melodias acessíveis, fez de Swift um fenômeno.
Para Evers, um bom exemplo disso é o último álbum de estúdio de Swift, The Tortured Poets Department, o álbum mais vendido de 2024 nos Estados Unidos, com quase 7 milhões de cópias físicas e digitais comercializadas no país até janeiro de 2025.
"Lançar um disco tão cru e vulnerável durante o auge da turnê Eras parecia arriscado, mas para ela, a verdade emocional do momento era mais importante. Essa autenticidade é o que mantém seus fãs profundamente conectados", explica.
Em 2019, a Big Machine Records, liderada por Borchetta, foi vendida para a Ithaca Holdings, de Scooter Braun, o que resultou na venda dos masters de Swift como o ativo mais valioso da transação, avaliado em US$ 140 milhões.
A cantora ficou surpresa com a venda, especialmente pelo envolvimento de Braun. Antes da transação, ela havia mencionado experiências negativas passadas com ele, e disse que o considerava um homem "manipulador". Para Swift, o processo foi uma tentativa de Borchetta de explorar sua imagem para lucrar.
À época, Borchetta afirmou que ofereceu a Swift a propriedade dos masters em troca de uma renovação de contrato com a gravadora, mas a cantora sentiu que o acordo não compensava suas contribuições criativas.
Após a venda para Braun, a equipe de Swift tentou negociar a compra dos masters por US$ 300 milhões e, depois, US$ 305 milhões, mas as negociações não foram bem-sucedidas, em parte devido a um acordo de não-divulgação que a artista se recusou a assinar. Em um movimento subsequente, Braun vendeu os masters para a Shamrock Holdings por US$ 360 milhões, e Swift não recebeu nenhuma parte do valor gerado por essa venda.
Ela fez críticas públicas sobre a participação de fundos de private equity na indústria musical, e abriu uma dicussão acirrada sobre como essas transações representavam uma abordagem prejudicial ao mercado criativo.
Em 2020, no entanto, Swift anunciou a regravação de seus seis primeiros álbuns, em uma estratégia para recuperar suas músicas.
O livro destaca que a decisão foi vista como uma estratégia ousada, comparada a ações similares de outros artistas — Prince também buscou recuperar o controle de suas músicas por meio de regravações. Alguns relatos mencionam que Braun acreditava que Swift estava apenas fazendo uma ameaça vazia.
Mas o aviso se concretizou, e Swift relançou seus discos com o selo "Taylor's Version", para indicar que era dona de suas músicas. E os números de vendas das regravações têm sido impressionantes.
O álbum "Red (Taylor’s Version)" vendeu 1,56 milhão de unidades em suas primeiras semanas após a estreia, uma marca substancialmente superior às 351 mil unidades do álbum original no mesmo intervalo.
O "Speak Now (Taylor’s Version)", por sua vez, estreou em primeiro lugar na Billboard 200, com 716 mil unidades vendidas. Conquistou um marco histórico ao tornar Swift a mulher com mais álbuns no topo da parada.
Já o "1989 (Taylor’s Version)" alcançou quase 1,4 milhão de cópias vendidas em sua primeira semana, a maior semana de vendas da carreira de Swift até então. E ainda faltam dois álbuns para Swift completar seu portfólio: "Reputation" e "Taylor Swift" (conhecido como 'debut').
"Gostaria de dizer que isso mudou a dinâmica de poder na indústria, mas não acho que tenha mudado. Taylor conseguiu fazer algo que só ela poderia fazer. Suas gravações originais foram vendidas sem seu consentimento e ela não recebeu nada por isso. Então decidiu regravá-las para retomar a posse. Foi um ato ousado: ela pediu que os fãs deixassem de ouvir as versões com que cresceram — e funcionou", diz Evers.
No aspecto do marketing e promoção, Swift se destacou por adotar "técnicas de guerrilha", usando ferramentas promocionais inovadoras desde o início de sua carreira.
Ela foi uma das primeiras artistas a aproveitar plataformas como Myspace para se conectar diretamente com seus fãs e incentivar a criação de comunidades, o que ajudou a expandir sua base e a se destacar no mercado.
Outra estratégia notável, segundo o livro, foi a criação das "secret sessions"— sessões privadas e exclusivas na casa de Swift que serviam para recompensar fãs por sua lealdade e engajamento.
Ao permitir que essas pessoas vivenciassem o processo de criação de seus álbuns antes do lançamento, Swift os transformava em defensores ativos de suas músicas.
A narrativa também desempanha um papel crucial em suas estratégias. Swift utiliza histórias para moldar atitudes e criar crenças entre seus fãs, transformando sua música em algo mais do que apenas entretenimento.
Ela também experimenta o conceito de "narrative reversal" (reversão de narrativa), especialmente em resposta às críticas recebidas. Em "Blank Space" e no álbum Reputation, por exemplo, reconheceu as críticas que lhe foram direcionadas e as incorporou à sua própria história, transformando-as em uma parte de sua narrativa musical.
Taylor Swift na turnê "Fearless", em 2009: cantora aplicou princípios empresariais e visão de longo prazo para consolidar sua carreira e transformar o mercado da música (Theo Wargo/WireImage /Getty Images)
Com a crescente popularidade das plataformas de streaming, Swift inicialmente se mostrou resistente, mas com o tempo, soube se adaptar.
As estratégias de "novo mundo" para o streaming incluíram a criação de um fluxo constante de novo conteúdo, aproveitando plataformas como o TikTok para engajar seus fãs de maneira mais direta e pessoal. Isso, segundo o livro, foi essencial para o sucesso do álbum Midnights, que contou com uma presença digital focada em momentos virais.
"O sucesso dela não é apenas talento, mas também timing, adaptabilidade e inteligência digital. Desde o início, ela usou as redes para criar conexão pessoal com os fãs, bem antes disso virar padrão. Com o streaming, ela se adaptou rápido. Essa habilidade de evoluir com a tecnologia e manter sua comunidade é um dos pilares de sua relevância duradoura", afirma Evers.
Por fim, o livro não trata Swift como exceção. Ao contrário, argumenta que ela é resultado de uma soma rara — mas replicável — de visão estratégica, controle de marca, inovação narrativa e trabalho duro.
"Ela pode parecer improvável, mas o que faz não é magia. É método. Sua genialidade está em combinar arte com estratégia”, afirma Evers.
É por isso que, como diz o título, There’s Nothing Like This — não porque seja impossível de repetir, mas porque ninguém fez como ela até agora.