Audiovisual no Brasil: investimento em evolução (Luiza Vilela/EXAME)
Repórter de POP
Publicado em 17 de agosto de 2025 às 15h29.
Gramado (RS)* - No Brasil, uma das maiores dificuldades do setor audiovisual — em especial para o cinema — é a distribuição. A etapa, que conecta longa-metragens às salas de cinemas, aos streamings e, consequentemente, ao público, está entre as mais caras de toda a cadeia de um novo título.
É por isso que existem políticas públicas de fomento ao setor, sobretudo nesta etapa. Mas a principal reclamação para os profissionais da área é que os recursos ainda são pequenos e incipientes para a demanda — e uma das soluções do Governo Federal para ampliar a arrecadação está na regulamentação do VOD (video on demand), que abrange os streamings.
"Fizemos a renovação da lei do audiovisual, garantindo um histórico aumento de limites para as produções, que desde o começo do Plano Real não se atualizava. Agora, com a lei do streaming, vamos garantir o fortalecimento do fundo setorial e um aumento expressivo de investimentos públicos em todo o país", disse Márcio Tavares, secretário do Ministério da Cultura, em entrevista à EXAME, durante o 53º Festival de Cinema de Gramado.
A proposta de regulamentação está em debate no Congresso. Já foi aprovada no Senado e retornou à Câmara, onde segue com alvos de questionamento sobre as alíquotas, e tem dificuldade de aprovação pela bancada de oposição ao governo Lula. O relator é Nelsinho Trad (PSD-MS). O projeto altera a Medida Provisória 2228/01, que criou a Agência Nacional do Cinema (Ancine), e a Lei da TV Paga.
"O principal instrumento para que a gente possa tornar o fomento ao audiovisual mais duradouro é garantindo a aprovação de legislações que ultrapassem os governos", completou o secretário.
Tavares esteve em Gramado, um dia depois da abertura oficial do 53º Festival de Cinema da cidade, neste sábado, 16, para o anúncio de um edital no valor de R$ 60 milhões para comercialização de filmes nacionais — uma outra alternativa para arrecadação de fundos para distribuição do audiovisual no país.
Na prática, o edital selecionará projetos de comercialização de obras cinematográficas brasileiras independentes de longa-metragem — de ficção, documentário ou animação — para distribuição no mercado doméstico de salas de cinema.
O ator Wagner Moura com o diretor Kleber Mendonça: papel de especialista em tecnologia no longa O Agente Secreto (Cinemascopio/Divulgação)
Na gestão Lula, o Ministério da Cultura fez o maior investimento no setor na história do Brasil, de R$ 2,8 bilhões através da lei Paulo Gustavo. Entre 2023, 2024 e começo de 2025, também foram investidos R$ 2 bilhões através do Fundo Setorial do Audiovisual, afirmou o secretário do MinC.
Ainda que o audiovisual brasileiro venha recebendo mais investimentos do governo, uma parcela de profissionais da indústria acredita que o montante não seja o suficiente para alavancar o cinema nacional em todas as áreas do Brasil. Isso inclui o edital anunciado em Gramado.
Distribuidores ouvidos pela EXAME, que preferiram não se identificar, relatam que o valor ofertado não é suficiente para suprir a demanda real na balança de formação de público nas salas de cinema, e que boa parte do capital ofertado fica retido na produção.
Mas entre eles, a maioria acredita que a regulamentação do streaming pode ser uma estratégia para inflar o valor arrecadado pelas leis de incentivo e, por consequência, melhorar o financiamento da distribuição dos longas-metragens nacionais.
Tavares destacou que novos investimentos do MinC ainda serão anunciados nos próximos meses do ano na área de desenvolvimento da Prodavi para TVs públicas. Mas o foco, daqui para frente, será a conversa para aprovação da regulamentação do streaming.
"Ainda há uma agenda parlamentar muito extensa no Ministério para novos investimentos, que coroa com a regulamentação do streaming de vídeo. Estamos buscando sensibilizar o Congresso para a importância urgente da aprovação dessa matéria, que é a central para o audiovisual nacional", afirma.
No início de julho, a votação do projeto que regula o streaming foi retirada da pauta da Câmara dos Deputados. Não foi a primeira vez: houve sucessivos adiamentos na comissão, devido a obstruções e manobras da oposição, como inversão de pauta e requerimentos para retirada do projeto da ordem do dia. O projeto ainda não foi votado no Plenário da Câmara neste ano, e o texto está sob relatoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) na Comissão de Cultura.
Os motivos pelos quais a oposição está barrando a aprovação do projeto de regulamentação do streaming são sobretudo políticos e ideológicos. Parte da bancada teme que a regulação configure algum tipo de censura ou restrição excessiva da atuação das plataformas digitais na internet, o que pode gerar resistência ao projeto em temas que envolvem o espaço digital e a liberdade de expressão online.
Mas há também pressão das grandes empresas e setores contrários a certos pontos da regulação, devido à cobrança de impostos (Condecine), cotas obrigatórias de conteúdo nacional e fiscalização pela Ancine.
Hoje, o problema maior para as companhias de streaming são as alíquotas.Feghali quer propor uma taxa de 6%. No texto atual, a alíquota para companhias com faturamento acima dos R$ 96 milhões — como é o caso das gigantes do streaming Netflix, Disney+, Prime Video e HBO Max — é de 3%.
Walter Salles vence o Oscar de Melhor Filme Internacional com "Ainda Estou Aqui" (Gavin Bond / Colaborador/Getty Images)
A reestruturação de políticas públicas para a cultura, das quais entre 25 a 30% dos recursos são direcionados ao audiovisual, disse Tavares à EXAME neste sábado, tem sido "reconstruída após a gestão de Jair Bolsonaro".
"Os recursos do fundo setorial do audiovisual têm sido preservados por parte do governo, não foram objeto de contingenciamento nem em 2023, nem 2024, nem 2025, o que permitiu a gente fazer o maior investimento histórico do fundo no audiovisual brasileiro", completou Tavares.
O novo edital acompanha a retomada do cinema brasileiro em formação de público no país e, justamente, em reconhecimento internacional. No início do ano, em março, o Brasil recebeu pela primeira vez na história o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com o longa "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles.
Diferentemente da maioria dos filmes nacionais, o longa-metragem de Salles foi financiado com orçamento privado e a estimativa é que tenha custado, só em produção, entre R$ 12 milhões a R$ 18 milhões, segundo fontes ouvidas pela EXAME ao final de 2024.
Os valores exatos não foram informações pela distribuidora e produtora do filme. O valor da campanha, comentou a produtora Conspiração em entrevistas à época, era imensurável.
A projeção que o filme tomou reacendeu o debate do valor necessário para distribuir filmes nacional e internacionalmente, com apoio de políticas públicas. Em 2025, outros filmes, que receberam verba de leis de fomento à indústria, também se destacaram em festivais de cinema ao redor do globo.
: Gabriel Mascaro (centro) segura o Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri por "The Blue Trail", com Denise Weinberg (direita) e Rodrigo Santoro (esquerda) (Clemens Bilan - Pool/Getty Images)
Em março, “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro — filme de abertura do Festival de Gramado deste ano — venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim. Em maio, “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, recebeu quatro prêmios no Festival de Cinema de Cannes, incluindo os de melhor direção para Kleber, e melhor ator para Wagner Moura, feito histórico.
Ambos os filmes foram realizados com auxílio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
O filme de Kleber Mendonça Filho teve R$ 13 milhões do orçamento total do filme financiado por políticas públicas — R$ 7,5 milhões vieram foram adquiridos com fomento da FSA, por meio da Chamada Pública Produção Cinema via Distribuidora 2023, aprovada em fevereiro do ano seguinte, e os outros R$ 5,5 milhões foram arrecadados no setor privado.
Como apurou a EXAME, só os custos de distribuição do filme no Brasil — a cargo da distribuidora Vitrine Filmes, parceira de longa data do diretor — ficarão entre R$ 2 a 3 milhões. E o valor deve aumentar até o fim da campanha de marketing do filme.
Debate com secretário do Ministério da Cultura em Gramado, durante festival de cinema de 2025 (Luiza Vilela/EXAME)
No primeiro passo, a chamada do novo edital anunciado neste sábado, em Gramado, prevê cinco módulos de apoio, que variam de R$250 mil a R$2 milhões por projeto, conforme o alcance de exibição. Poderão participar distribuidoras brasileiras independentes registradas na Agência Nacional do Cinema (ANCINE), e as inscrições estarão abertas entre 25 de agosto e 13 de outubro de 2025, pelo Sistema Mapa da Cultura.
Também estabelece cotas de indução regional de no mínimo: 40% dos recursos para projetos apresentados por empresas proponentes sediadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; e 20% dos recursos para projetos apresentados por empresas proponentes sediadas na região Sul ou nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Um quarto dos recursos serão destinados para empresas proponentes representadas por empresas vocacionadas: aquelas cujos proponentes possuem quadro societário majoritariamente composto por pessoas negras, indígenas ou com deficiência; sendo destes, no mínimo 15% destinado a projetos de comercialização apresentados por empresas proponentes que possuem quadro societário composto por pessoas negras.
E 50% dos recursos destinados para projetos de comercialização (obra audiovisual) com mulheres cis, ou pessoas trans, desempenhando as funções de roteiro, direção ou produção.
*A repórter viajou à Gramado à convite da Gramado Parks para a cobertura do 53º Festival de Cinema de Gramado.