Eliane Dias: CEO e cofundadora da Boogie Naipe (Divulgação)
Repórter
Publicado em 8 de março de 2025 às 16h37.
Última atualização em 9 de março de 2025 às 08h07.
Desde 1988, o Racionais MC's é sinônimo de rap brasileiro. Na frente das câmeras, as letras sobre a realidade da periferia levaram Mano Brown e Ice Blue a uma nobre trajetória de fama e reconhecimento que jogou luz na pirâmide social de São Paulo. Atrás delas, a perspicácia da empresária Eliane Dias vem mantendo a relevância e autenticidade do grupo para alçar voos mais altos em um mercado competitivo, complexo e exigente.
Como CEO e cofundadora da Boogie Naipe, uma das maiores produtoras culturais do Brasil, a paulista ganhou reconhecimento ao gerenciar a carreira de Brown, com quem está casada há mais de 30 anos. De lá para cá, a trajetória que entrelaça cultura, feminismo e gestão tem feito com que Dias transforme a indústria, impulsionando artistas periféricos.
Recentemente, passou a gerenciar o trabalho de vários artistas, como Duquesa, Danzo, Yunk Vino e Victoria Cerrid. E a meta é dobrar o número de agenciados de seu portfólio em um ano.
No mar de empresários e possibilidades do setor, no entanto, a maior batalha é a conquista de credibilidade.
"O mercado da música nunca foi aberto às minorias. Mas a criatividade está sendo descoberta nas periferias, vinda de pessoas resilientes e marginalizadas. As empresas só agora notaram isso. E a Boogie Naipe vive nesse ecossistema há muito tempo", conta ela em entrevista à EXAME.
Além de CEO, Eliane acumula outras missões: é mãe, esposa, advogada e gestora. Mas enfatiza que nenhum desses papéis consegue defini-la por completo.
Sedenta por desafios, também virou curadora, principalmente após receber o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em janeiro, pela exposição “Racionais MC’s – O Quinto Elemento” na categoria Música Popular – Projetos Especiais (disponível até 31 de maio no Museu das Favelas).
Ela brinca que o empreendedorismo está no sangue desde sempre. O primeiro contato começou aos 11 anos, quando vendia produtos para cabelo. Na adolescência, foi diarista, modelo e costureira, produzindo roupas para várias clientes no Capão Redondo, distrito da zona sul de São Paulo, onde nasceu.
Aos 23 anos, casou-se com Mano Brown e dois anos depois deu à luz o primeiro filho, Jorge Dias (atualmente seu sócio na Boogie). Precisou deixar o trabalho como atendente, em razão da agenda de shows do Racionais e pelas dificuldades nos cuidados do bebê.
"Em 1995, era bem mais complicado conseguir creches e por ser filho do Brown, muitas professoras o rejeitavam. Passei meses buscando alguém para tomar conta dele e isso meu impediu de trabalhar. Quatro anos depois, minha filha nasceu. No total, fiquei mais de seis anos em casa. Até que percebi que era o momento de voltar a ter meu próprio dinheiro e minha liberdade", recorda.
Ela enfatiza que o apoio de Brown foi essencial: "Conversei com meu marido e disse que havia decidido cursar Direito, porque se fosse para retornar ao mercado de trabalho, teria que ser em uma posição melhor. Eu tive que renascer de alguma forma".
Formada pela Universidade Municipal de São Caetano, Eliane foi convidada por Brown para trabalhar como empresária do grupo de rap, usando seus conhecimentos como advogada em demandas de contratos comerciais e direitos autorais.
"A proposta surgiu em 2012. Eu já tinha meu próprio escritório de advocacia, mas a ideia dele foi tentadora. Decidi conciliar as duas coisas por sete anos, sendo mãe, esposa, advogada e administradora ao mesmo tempo. E não parei de estudar. Foi uma loucura".
O projeto da Boogie Naipe já era estudado por Mano Brown desde 2009. Eliane foi a responsável por tirá-lo do papel, em 2013. Uma das primeiras operações da empresa ocorreu no mesmo ano, com a intermediação de um show do Racionais MC's na Virada Cultura de São Paulo. Segundo a CEO, foi um case de sucesso, pois o evento reuniu mais de 100 mil pessoas, um marco na história do grupo.
Em 2016, com o início da carreira solo de Brown, a Boogie Naipe passou a agenciá-lo. Nos anos seguintes, ampliou seu portfólio de artistas e fortaleceu o legado do Racionais MC’s por meio de shows, exposições e relançamentos de discos.
Durante a pandemia, a paralisação dos eventos forçou a empresa a diversificar as operações com outras frentes, como edição e distribuição de músicas e podcasts para plataformas digitais. Eliane Dias acentuou a presença em eventos como palestrante na área de produção cultural.
Com o fim do confinamento, a agência iniciou o Boogie Week, evento realizado anualmente em São Paulo para celebrar a cultura preta. Na edição de 2024, os empreendedores selecionados participaram durante meses de uma mentoria sobre educação financeira e investimentos na Bolsa de Valores brasileira, a B3. Em 2025, o evento está previsto para ocorrer em novembro.
Pelo sucesso da primeira edição do Boogie Week, em 2021, Eliane recebeu o prêmio de Melhor Empreendedora Musical pelo Women’s Music Event Awards. E não quis parar por ali.
De olho em inovações, a empresária vai lançar no final de março o Boogie Booking, uma plataforma digital para o agenciamento 360º da carreira de músicos. A ideia é fazer uma gestão mais dinâmica e inteligente dos trabalhos dos agenciados.
"Esse trabalho demandou o investimento de R$ 80 mil e ainda está em fase embrionária. Estamos fazendo a seleção dos artistas e vamos deixá-los mais visíveis em espaços que tradicionalmente são difíceis de alcançar", detalha.
Embora esteja entusiasmada com o novo olhar dos brasileiros para o rap, samba, R&B e outros gêneros musicais nascidas das comunidades negras, Eliane não esconde sua preocupação com as barreiras que ainda existem para a capitalização de projetos para esse nicho. "Nas últimas edições do festival, tivemos ótimos resultados de faturamento. Mas em 2024, ficamos apenas no equilíbrio, sem lucro expressivo. A tendência é ficar mais complicado".
E acrescenta: "O problema é competir com grandes festivais, principalmente em uma cidade com uma agenda cultural disputada o ano inteiro. Os eventos de pequeno porte são facilmente massacrados, já que os maiores concentram os principais patrocinadores e públicos de até 60 mil pessoas".
Aos seus 160 mil seguidores nas redes sociais, transmite esse princípio, sobretudo às mulheres pretas que a veem como referência.
"Costumo divulgar negócios locais para dar uma força aos projetos que conheço e que são transformadores nas periferias. Vejo tantas mulheres nessas frentes, se reinventando e fazendo a diferença", afirma. "O mundo do trabalho está cada vez mais exigente. Para essas guerreiras, aconselho ser resiliente, estudar sempre, buscar mentoria de profissionais e apostar no networking para abrir portas".