Jobs e Musk: CEOs inspiraram arquétipos de super-heróis corporativos (Imagem gerada por IA/Freepik)
Redação Exame
Publicado em 16 de junho de 2025 às 05h41.
Última atualização em 16 de junho de 2025 às 10h51.
Quando se fala em Steve Jobs, não são apenas as blusas pretas de gola alta e os óculos redondos que vêm à mente. Ao longo dos anos, Jobs passou a ser associado a uma figura quase mitológica — uma espécie de Super-Homem corporativo, com poderes que iam além da lógica empresarial e habilidades quase sobrenaturais para antecipar o futuro, mobilizar talentos e revolucionar o cotidiano das pessoas.
Biografias, documentários e campanhas da própria Apple ajudaram a moldar esse arquétipo heroico. Jobs é frequentemente descrito como alguém que conseguia “ver além do óbvio”, com uma intuição rara sobre o comportamento humano frente à inovação. A icônica campanha Think Different, que celebrava os “loucos que mudam o mundo”, não apenas ampliou essa imagem, como a eternizou.
Se Jobs carrega o idealismo de Clark Kent, Elon Musk prefere assumir o papel do bilionário excêntrico do universo Marvel: Tony Stark. Ele mesmo se encarregou de reforçar essa associação, compartilhando nas redes sociais imagens como “Irony Man” e posando ao lado de armaduras do Homem de Ferro. Musk também apareceu como ele mesmo em Homem de Ferro 2.
O fenômeno não é acidental. Cada vez mais, CEOs constroem ou assumem arquétipos de super-heróis como forma de comunicar seu estilo de liderança, ambições e valores.
A metáfora do “superpoder” — como criatividade, resistência a pressões externas ou disposição para enfrentar desafios estruturais — aparece com frequência em apresentações, entrevistas e campanhas institucionais. Segundo o Business Insider, traços como persistência, clareza de missão e excelência técnica são constantemente associados a esses líderes, criando paralelos com heróis da cultura pop.
Personagens como Tony Stark (Homem de Ferro), T’Challa (Pantera Negra) e Mulher-Maravilha servem como analogias úteis para descrever perfis de liderança com foco em inovação, propósito ou disciplina.
O site Under30CEO reforça que muitos desses CEOs adotam discursos voltados à transformação, apresentam domínio técnico em suas áreas e expõem tanto suas qualidades quanto suas vulnerabilidades — elementos recorrentes em heróis contemporâneos.
Segundo o LinkedIn, no entanto, esse mesmo modelo pode levar à chamada “síndrome do super-herói”, quando líderes acreditam que devem resolver tudo sozinhos, o que pode gerar sobrecarga e distorções na tomada de decisão.
Embora o arquétipo do “super-CEO” ofereça vantagens em termos de reputação e autoridade, ele também pode esconder riscos. Líderes que se veem como indispensáveis, insubstituíveis ou acima das regras podem cair na armadilha do “complexo de herói”, assumindo responsabilidades excessivas ou tomando decisões unilaterais.
Em casos mais extremos, surgem comparações com vilões. Traços como ambição desmedida, arrogância, falta de empatia e manipulação são frequentemente associados a CEOs com estilos tóxicos de liderança. A mesma energia que inspira pode, quando mal dosada, corroer a cultura organizacional e a confiança.
Pesquisas da Monash University apontam que CEOs com traços de personalidade como narcisismo ou psicopatia são percebidos como “supervilões” — figuras com carisma e inteligência, mas motivadas por poder, controle e vaidade.
Musk, por exemplo, é constantemente descrito como “Tony Stark da vida real” por suas investidas em veículos elétricos (Tesla), foguetes reutilizáveis (SpaceX) e inteligência artificial (xAI). Ele personifica o arquétipo do herói inventor, disposto a correr riscos elevados para reconfigurar o futuro, segundo especialistas em negócios.
No entanto, esse heroísmo autoproclamado também levanta questões. Musk flerta com o arquétipo do antagonista carismático, sendo descrito por críticos como um possível “Lex Luthor da era digital”, dado seu poder econômico, influência cultural e comportamento polarizador.
Essa associação ganhou contornos ainda mais explícitos na cultura pop. Em Superman: House of Brainiac Special #1, da DC Comics, Lex Luthor é retratado utilizando uma rede social fictícia chamada LeXema — uma paródia direta do X/Twitter — e responde a publicações polêmicas com um lacônico “interessante”, imitando exatamente o estilo online de Musk. A crítica, carregada de ironia, destaca o uso consciente da figura de Luthor como espelho de bilionários da vida real.
A análise foi além dos quadrinhos. O jornal El País discutiu como essa representação reflete uma tendência cultural mais ampla: a aproximação entre CEOs de tecnologia e arquétipos clássicos de vilões da ficção. Segundo a publicação, Musk encarna o estereótipo do “gênio incompreendido” que, com acesso ilimitado a dados, capital e influência, desafia normas sociais e políticas.
Até a inteligência artificial de Musk contribuiu para essa narrativa. O Grok, IA criada por sua empresa, reconheceu espontaneamente as semelhanças entre Musk e Lex Luthor, citando como pontos comuns a ambição, o foco em tecnologia, a visão de longo prazo e o status de figuras frequentemente mal interpretadas.
Especialistas em gestão e psicologia organizacional identificam arquétipos recorrentes entre líderes que se assemelham a super-heróis:
O Inventor (Iron Man / Tony Stark): carismático, brilhante, impulsivo. Constrói soluções a partir de tecnologia e criatividade. Exemplo: Elon Musk.
O Guardião (Superman): idealista, disciplinado e com senso profundo de responsabilidade. Exemplo: Steve Jobs.
O Sábio (Professor Xavier): lidera por conhecimento, experiência e visão estratégica. Exemplo: Bill Gates.
O Guerreiro (Mulher-Maravilha / Thor): determinado, disciplinado, com forte código moral. Exemplo: Paul Polman.
O Rebelde (Deadpool / Wolverine): desafia regras e tradições, buscando caminhos alternativos. Exemplo: alguns fundadores do Vale do Silício em fase inicial.
O uso da metáfora heroica permanece forte porque toca em algo essencial: o desejo coletivo por líderes com propósito, coragem e capacidade de transformação. Seja para vender um produto, liderar uma equipe ou inspirar mudanças sociais, CEOs se tornam figuras públicas, projetadas e interpretadas à luz dos mitos modernos.
Jobs virou personagem de graphic novels. Musk, ícone da cultura de memes. Polman, símbolo de responsabilidade corporativa. Em comum, todos eles evocam o imaginário de super-heróis — com ou sem capa, mas sempre com impacto. E bilhões.