Xania Monet: cantora criada por IA interpreta letras escritas por criadora humana, e já tem contrato milionário (Reprodução/Spotify/Reprodução)
Estagiária de jornalismo
Publicado em 27 de novembro de 2025 às 00h09.
O pop foi considerado há décadas pela crítica como um gênero "artificial", isso desde o surgimento do "Bubblegum Pop" nos anos 1970 até a emergência do "poptimism" em meados de 2010. Atualmente, essa classificação ganhou um novo significado, mais literal.
Cantoras criadas por inteligência artificial se tornaram sensações nas paradas musicais e nos setores financeiros de gravadoras e serviços de streaming.
Publicações internacionais já se debruçam sobre o fenômeno. O Wall Street Journal descreveu o cenário como “uma mudança estrutural no mercado de música gravada”, enquanto especialistas consultados pelo The Guardian e pela BBC apontam para uma indústria em transformação acelerada, com impacto direto em direitos autorais, receitas de streaming e relações de trabalho.
O mais conhecido case de sucesso dessa onda de artistas é Xania Monet, criada por Telisha “Nikki” Jones e pelo estúdio de IA Breaking Rust em parceria com a plataforma Suno.
Jones sempre gostou de música, mas nunca pensou em seguir na área profissionalmente. Por meio da computação, ela pode criar Xania e usar o avatar para trazer suas próprias composições à vida.
A cantora "robótica" conquistou fãs humanos com músicas de soul e R&B. O vídeo de "How Was I Supposed to Know" no YouTube tem, em meio a comentários críticos ao uso da IA na música, comentários como "a música é linda" de Tamika L Harris.
Xania, por meio dos humanos que a criaram, assinou um contrato de US$ 3 milhões para desenvolvimento de catálogo, marketing, expansão internacional e direitos de imagem sintética. O Wall Street Journal afirma que os valores incluem “investimentos diretos em versões futuras do modelo vocal”, tratados como propriedade intelectual da empresa.
As primeiras músicas de Xania ultrapassaram milhões de reproduções em poucos dias. Os executivos da Breaking Rust disseram ao jornal que “não existe diferença entre popularidade orgânica e gerada”, e garantem que a personagem “vai disputar espaço real nas paradas”.
No Brasil, o uso de IA na música tende a ter um caráter diferente, menos sério.
O maior nome nesse nicho é Tocanna, personagem humanoide com cabeça de tucano e penas criada para o humor. Ela ganhou notoriedade com o hit “São Paulo”, uma paródia da música "New York State of Mind" que viralizou nas redes como meme e áudio no TikTok.
Tocanna não nasceu de um grande investimento corporativo, como Xania, mas sim da experimentação.
Criadores da personagem contaram ao G1 que “a ideia era brincar com a estética pop”, mas o projeto escapou das mãos quando as músicas começaram a atingir milhões de visualizações. “Não esperávamos. Era para ser só uma piada entre amigos", disseram ao portal os autores do personagem.
Tocanna agora soma contratos de publicidade, clipes animados e presença frequente em trends. No Spotify, são apenas 64 mil ouvintes, mas o áudio de "São Paulo" já foi usado em quase 5 mil vídeos no TikTok e seu perfil na plataforma tem 4,4 milhões de curtidas.
Outra personagem humanoide cômica, Makaka reforça o alcance da proposta. Ela conta com estética elaborada, coreografias digitais e equipe dedicada a modelar a voz sintética para aproximá-la de “uma diva pop tradicional”, segundo o criador da personagem explicou ao UOL. Assim como Tocanna, ela também foi uma sensação no mundo dos memes.
Alguns internautas se incomodaram com o uso de IA, mas a reação é menos negativa do que com Xania Monet, provavelmente por memes de IA já serem corriqueiros nas redes sociais.
“A vantagem é que ela trabalha sem pausa”, brinca a equipe criadora de Tocanna na entrevista ao G1. Essa brincadeira, porém, reflete uma questão polêmica: como a IA pode precarizar as condições de trabalho de artistas humanos.
O impacto financeiro não é trivial. A produção de IA reduz custos, encurta prazos e multiplica o volume de músicas lançadas. Isso pode pressionar artistas humanos em todas as frentes: receita, visibilidade e competitividade.
Plataformas, por sua vez, debatem a necessidade de filtrar, rotular e remunerar adequadamente conteúdos gerados por computação.
Um caso emblemático foi o da banda de rock psicodélico Velvet Sundown, que chegou aos 400 mil ouvintes no Spotify sem deixar claro que sua música era gerada por IA. Aliás, o serviço de streaming em si pode ter promovido artificialmente a banda, inserindo suas faixas em playlists temáticas juntamente a hits de décadas atrás
No dia 17 de novembro, Paul McCartney lançou uma faixa silenciosa como protesto à IA. O disco, intitulado Is This What We Want? (“É isso que queremos?”, em tradução livre), reúne gravações mudas de diversos artistas em uma iniciativa conjunta que pressiona o governo do Reino Unido a barrar o uso de obras criativas para o treinamento das tecnologias de IA generativa.